Item ‘palestras’ consumiu vários milhões
Comprou empresa que já era dele e pagou ágio de 1.118% para si próprio
As investigações do Ministério Público sobre as atividades de Paulo Guedes, que causaram prejuízos aos fundos de pensão dos trabalhadores das estatais federais, lançam uma luz, também, sobre os porões da campanha de Bolsonaro (v. Os negócios do corrupto guru econômico de Bolsonaro).
Resumidamente, Guedes montou vários esquemas, todos dependentes de golpes nos fundos de pensão das estatais ou no BNDES.
Em conexão com os corruptos nomeados para presidir esses fundos dos funcionários de estatais, Guedes foi um dos arrombadores dos cofres públicos – ou sob controle público.
Na matéria que acima citamos, onde transcrevemos o primeiro relatório do Ministério Público, apenas nos referimos ao golpe através de um dos fundos de investimento em participações (FIPs) de Guedes.
Note o leitor que somente nesse golpe nos fundos das estatais, numa troca de ações entre duas empresas, ambas do próprio Guedes, houve um ágio de 1.118%. Na prática, houve apenas uma troca de nome na “gestora” de Guedes – mas isso lhe rendeu um ágio de 1.118% (v. matéria acima).
As empresas adquiridas dele mesmo com dinheiro dos fundos de pensão das estatais, por sinal, deram prejuízo.
Por quê?
Devido ao extraordinário gasto com pagamento de “palestrantes” (R$ 11,9 milhões entre 2011 e 2012) e salários de “funcionários administrativos” (23,1 milhões, também entre 2011 e 2012).
É óbvio que Guedes não conseguiria formar esses fundos (FIP) sem a corrupção de funcionários – somente dois desses fundos de Guedes reuniram R$ 1 bilhão, provenientes do Previ (BB), do Petros (Petrobrás), do Funcef (Caixa Econômica), do Postalis (Correios), do Infraprev (Infraero) e do FIPECQ (fundo dos trabalhadores do FINEP, IPEA, CNPQ, INPE e INPA).
[V. a íntegra do relatório do Ministério Público. V., também, os documentos que acompanham a investigação.]
Assim, o suposto sucesso de Guedes no “mercado financeiro” foi devido a dinheiro público – ou sob controle público – desviado via corrupção.
Há semanas, tínhamos publicado outro golpe de Guedes – daquela vez em cima do fundo dos funcionários do BNDES (Fapes) – originalmente descrito por reportagem da revista Crusoé (v. “Posto Ipiranga” arrombou fundo dos funcionários do BNDES).
E ainda não falamos de outro golpe de Guedes no fundo dos funcionários da Caixa Econômica (Funcef), em que um FIP do conselheiro de Bolsonaro provocou “perda total”, devido a um dinheiro aplicado numa empresa de nome Enesa Participações.
Segundo o relatório da Funcef, houve “pagamento de dividendos incompatível com seus lucros, uso de empresas de fachada para justificar o enquadramento da Enesa como uma holding e pagamento de ágio acima do normal”. Segundo a Funcef, “a Enesa Participações pode ter sido criada apenas para receber os aportes do FIP administrado pela empresa de Guedes e financiado com dinheiro dos fundos de pensão”.
Esse é o sujeito que Bolsonaro quer colocar, se eleito for, no “Ministério da Economia”.
Mas a escolha de Bolsonaro por Guedes revela mais sobre quem é Bolsonaro do que sobre Guedes – que há muito é um escroque notório.
Bolsonaro, pelo visto, é contra a corrupção dos outros – não a de sua corriola.
MENOS A VERDADE
Na tentativa de chegar à Presidência, Bolsonaro é capaz de dizer qualquer coisa para fugir do que realmente importa: que sua proposta é a instalação de uma ditadura – e não estamos discutindo, aqui, as suas chances de chegar a esse intento. Estamos afirmando que seu objetivo é esse, porque, aliás, é óbvio – e nem se pode falar que é uma restauração da ditadura de 33 anos atrás.
Na situação atual do Brasil, e com Bolsonaro e outros cabeças de bagre, uma ditadura seria algo muito mais degenerado, mais antinacional, mais antipopular – e, portanto, mais antidemocrático e mais estúpido – que a antiga ditadura que o candidato do PSL tanto incensou.
Alguém falou para Tancredo Neves, após o golpe de Estado de 1964, que ele deveria votar em Castelo Branco, na eleição indireta para presidente, porque Castelo era um homem que lera muitos livros. Tancredo respondeu: “é, mas ele leu os livros errados” – e não votou em Castelo.
Tancredo estava essencialmente certo. Entretanto, apesar de seu entreguismo – ele entregou a economia a Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões, o que era quase a mesma coisa que entregá-la ao Departamento do Tesouro dos EUA – Castelo lia Anatole France e ia até o Teatro Oficina para assistir “Os Inimigos”, de Máximo Gorky.
Comparado a Bolsonaro, Castelo era um sujeito civilizado – apesar de que não foram poucas as desgraças que arraigou sobre o país. Alguém pode imaginar Bolsonaro assistindo uma peça de Gorky? É apenas um verniz, mas nem isso Bolsonaro tem.
Porém, como aqueles que tomaram o poder em 1964, contra o presidente eleito e constitucional – João Belchior Marques Goulart -, a retórica de Bolsonaro é a da luta contra a corrupção e contra a subversão (Bolsonaro não se atreve a usar essa palavra tão queimada, daí o uso de “comunismo” e “comunista”, sem nenhuma relação com a realidade – chamar um egresso do peleguismo da própria ditadura, como Lula, de comunista, é coisa que, provavelmente, não ocorreria nem ao falecido Pena Boto, que considerava o general Charles De Gaulle um “criptocomunista”).
Mas, se é delirante – isto é, demagógico, apenas para consumo dos imbecis – o uso da palavra “comunista”, a verdade é que, diferente de 1964, existe hoje um esgoto de corrupção em que está imersa a maior parte da oligarquia política do país.
Esse é o elemento real que Bolsonaro usa em sua arenga ditatorial – agora disfarçada, pois sabe que a maioria do povo é contra uma ditadura, pela simples razão de que seria uma ditadura contra ele, povo.
A ditadura de 1964 acabou em um poço de corrupção – disse o historiador José Honório Rodrigues, que pode ser acusado de muita coisa, de liberal a flamenguista doente, mas não de comunista, que essa ditadura foi o mais corrupto regime existente no Brasil até então (José Honório escreveu isso um ano antes da ditadura ser derrubada, quando ela completava duas décadas).
As ditaduras não acabam com a corrupção – pelo contrário, elas servem para abafar as denúncias dos atos de corrupção e proteger os corruptos.
A ditadura vasculhou as ações do governo João Goulart – teve 21 anos para isso. E, apesar de mais de duas décadas, não encontrou nenhum esquema de corrupção.
Quanto a ela própria, como disse um dos presidentes dessa época, Ernesto Geisel, “o problema da corrupção subsiste até hoje. (…) Foi uma luta praticamente inócua” (cf. o depoimento de Geisel ao CPDOC/FGV).
Não apenas foi inócua. Segundo vários depoimentos de militares ilustres – por exemplo, o coronel Dickson Grael – a ditadura fez aumentar a corrupção.
Bolsonaro, que não foi eleito, escolheu logo um corrupto para mandar nele mesmo – a afirmação do candidato é que Guedes mandará nos assuntos econômicos, porque ele mesmo não entende nada do assunto.
Não nos deteremos na questão de que alguém que não entende nada de economia não deveria ser candidato a presidente, pois esse é o assunto principal de um presidente da República.
Mais importante é que Bolsonaro está dizendo que, se eleito, será um fantoche de Guedes, tal como ele acusa Haddad de que, se eleito, será um fantoche de Lula.
Logo, a corrupção não incomoda Bolsonaro, exceto quando não é a de Guedes – ou, quem sabe, a de outro aprochegado.
Mas ele está se propondo a ser fantoche de um corrupto.
Um bolsonarista poderia dizer que a diferença, para Haddad, é que Guedes está solto, enquanto Lula está preso.
É verdade. Mas por enquanto, por enquanto…
C.L.
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