Mandela ficou 27 anos preso porque se recusou a trair e se curvar aos poderosos
Esta quarta-feira (18), a África do Sul e o mundo celebraram o centenário de nascimento de Nelson Mandela, principal líder da batalha contra o apartheid sul-africano, regime no qual a ilegal e imoral segregação racial era perpetrada contra os negros, que além de originários e com sua ancestralidade naquele território, compunham quase 80% da população. O apartheid foi instituído em 1948.
A memória de Mandela e de seus exemplos constituem um símbolo importante da luta dos povos por um mundo justo e igualitário. De todos os seus 95 anos de vida, dedicou mais de 70 para o seu povo e país, quando, a partir dos 23 anos, iniciou sua vida política contra a segregação, buscando unir e desenvolver a África do Sul.
Em todo esse tempo, dos quais permaneceu preso em condições subumanas por 27 anos, manteve-se firme aos princípios pelos quais foi ao combate e amargou a prisão na inóspita Ilha Robben.
O reconhecimento à luta de Mandela, a sua dedicação contra a segregação na África do Sul, sua defesa da liberdade, justiça e democracia é um consenso internacional, que levou todos os 192 países membros da Assembleia Geral da ONU, no ano de 1999, a instituirem o Dia de Mandela, celebrado todos os anos no mundo inteiro.
VIDA
Nelson Rolihlahla Mandela, nasceu no povoado de Mvezo, em 1918, em seu clã era chamado de Madiba, apelido pelo qual ficou conhecido carinhosamente pelo seu povo. Nelson foi o nome de origem ocidental que recebeu aos 7 anos, durante seu primeiro dia de aula, ao passo que o sobrenome Mandela é herança de um de seus avôs, e Rolihlahla é seu primeiro nome, que significa “puxar o galho da árvore”, popularmente traduzido como “agitador”.
Em Joanesburgo estudou na universidade Fort Hare, formando-se advogado na primeira instituição, no país, a aceitar alunos negros. Foi lá que conheceu muitos dos amigos com os quais viria a integrar o Congresso Nacional Africano, a exemplo de Oliver Tambo ou Walter Sisulu. Após concluir o curso de direito, dedicou-se à defesa dos negros contra a discriminação, uma herança caduca dos séculos de colonialismo holandês, a partir de 1652, e depois inglês, após a ocupação de 1795.
As dificuldades já eram significativas mesmo antes do apartheid, porém, com sua instituição, com a segregação ganhando força de lei no ano de 1948, o protesto contra essa aberração passou a ser considerado crime, o que obrigou Mandela e seus companheiros à clandestinidade.
Em uma entrevista de 1961, ao jornalista Brian Widlake, Mandela lança internacionalmente a consigna determinante de que a luta, além do fim da segregação, adquiria caráter político muito mais geral: “Os africanos exigem, querem, o direito de votar com base em ‘um homem um voto’. Eles querem independência política”.
Sob a violência do governo desferida contra a resistência do povo à segregação, o movimento fez o boicote ao apartheid crescer a cada dia, arrebatando o país e o mundo. Uma luta que fez de Mandela o clandestino e, posteriormente, o preso mais famoso do mundo, o líder do CNA denunciou que a violência desproporcional do governo que mobilizou e “armou a população branca, prendendo 10 mil africanos” inocentes, é uma estúpida “exibição de força por todo o país”.
PRISÃO
Em 1963, Mandela, apesar de lutar por uma causa justa e humana, foi condenado, não sem antes expor os verdugos – através de um dos maiores pronunciamentos da História, em que lutadores idealistas humanitários enfrentaram tribunais: “Por este ideal, estou preparado para morrer” – em um libelo no qual apontou os verdadeiros criminosos, os que privavam os sul-africanos dos direitos mais básicos, impunham o racismo como norma legal e, agora, lhe tiravam a liberdade.
“Nossa luta é uma luta verdadeiramente nacional. É uma luta do povo africano, inspirada por nosso próprio sofrimento e nossa própria experiência. É uma luta pelo direito de viver. Um ideal pelo qual eu espero viver e que espero ver realizado. Mas, se preciso for, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer”, afirmou então.
Durante os 27 anos que se seguiram permaneceu preso sem jamais renegar sua luta, história ou origem em troca de nada, nem por dinheiro ou por sua soltura. Resistiu até que aqueles que o prenderam se rendessem, em 1990, com a África do Sul explodindo em uma guerra civil. Sua liberdade foi seguida de sua eleição e no fim definitivo do apartheid.
Mandela foi eleito presidente nas primeiras eleições democráticas de seu país, ocorridas em 1994. Morreu em 5 de dezembro de 2013, aos 95 anos.
MANIFESTAÇÕES
As comemorações na África do Sul pelo centenário estão sendo preparadas desde janeiro, quando em nota o CNA divulgou que seus dirigentes “concordaram sobre a necessidade de forjar um acordo social entre o governo, os trabalhadores e os empresários” para retomar o caminho de Mandela, único meio “para reconstruir o vínculo de confiança entre o povo e o movimento, restaurando sua dignidade e legitimidade moral”.
O centenário teve como lema, “100 anos de Nelson Mandela: ano de renovação, unidade e trabalho”.
Homenagens foram realizadas por toda a África do Sul, sendo constituídas por extensas programações, incluindo palestras, debates, exibição de filmes, inaugurações de obras do governo, assim como diversas manifestações.
Também em janeiro, na Cúpula da União Africana, realizada na Etiópia, o ano de 2018 foi aprovado como “Ano Nelson Mandela”, com eventos que tiveram início já no encontro e irão se estender pelo continente africano até dezembro.
Por todo o mundo, o centenário de Mandela está sendo lembrado, seja em eventos, a exemplo do concerto com carrilhão com músicas da luta contra o apartheid e o hino da África do Sul, tocado no dia 18, na Universidade de Berkeley, Estados Unidos, entre inúmeros outros, ou com a divulgação de filmes e relatos históricos por todos os meios de divulgação.
O atual presidente e dirigente do CNA, Cyril Ramaphosa, comemorou os 100 anos de Mandela na cidade natal do herói sul-africano. Para ele, “Madiba nos conduziu da brutalidade do conflito e da opressão rumo à terra prometida, uma terra de liberdade, democracia e igualdade”.
Na capital do país, Joanesburgo, a terceira e última esposa de Mandela, Graça Machel, liderou uma marcha até o Tribunal Constitucional, órgão que simboliza para os sul-africanos o início da democracia no país.
Mandela não sucumbiu aos interesses anti-populares, a propinas ou rendeu-se ao distanciamento do povo que se traduz no neoliberalismo. Também durante seu governo, após ser eleito presidente em 1994, jamais se envolveu com nenhum escândalo de corrupção nem aderiu a “reformas”, quase sempre tiradas de cartilhas do FMI ou de doutos economistas formados em universidades filiadas ao Império para “ajustar” para pior a vida do povo, enquanto favorecem o rentismo e a pilhagem das riquezas imposta pelos bancos e monopólios dos países “centrais”.
Ressalva importante, quando vemos tristes exemplos, totalmente opostos ao do grande Madiba, seja, em nosso país, com Lula, ou em nosso continente, com Ortega e tantos outros que observamos migrar do caminho progressista para o neoliberalismo, se não para a cadeia, por adesão, velada e travestida de jargões de ‘esquerda’ totalmente alheios a sua prática, passando a empreender generalizado ataque aos direitos dos trabalhadores e a tudo que é popular.
Por isso, a referência no legado de Mandela coloca a exigência do avanço na defesa dos direitos dos povos, da igualdade, da justiça, como meta não somente inarredável, mas passível de consecução. Como declarou certa vez o próprio Madiba: “Muitas coisas podem parecer impossíveis até o momento em que as realizamos”.
GABRIEL CRUZ