Sua resistência na bombardeada La Moneda condenou ao opróbrio, para sempre, o fascista Pinochet e suas marionetes dos EUA e mantém abertas as grandes alamedas do futuro e da vitória
ANTONIO PIMENTA
50 anos depois, seguem reverberando as palavras do presidente Salvador Allende, em meio ao ataque dos fascistas a soldo de Nixon ao Palácio La Moneda, enquanto empunha o fuzil presenteado por Fidel: “mais cedo que tarde, as grandes alamedas se abrirão novamente por onde passará o homem livre para construir uma sociedade melhor”.
“Tenho fé no Chile e no vosso destino”, disse ele aos “trabalhadores da minha pátria”. Repetindo que não ia renunciar ao mandato que lhe fora confiado pelo povo chileno nas urnas, ele afiançou que “outros homens superarão este momento cinzento e amargo, onde a traição procura prevalecer”.
Ecoando um agosto tão conhecido de nós, brasileiros, Allende reiterou que “colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com minha vida a lealdade do povo”.
“A semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá ser ceifada definitivamente. [Eles] têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detêm os processos sociais nem com o crime, nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos”, destacou.
“Trabalhadores de minha Pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra em que respeitaria a Constituição e a lei, e assim o fez”.
“Neste momento definitivo, o último em que eu poderei dirigir-me a vocês, quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, unidos à reação, criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem sua tradição, que lhes ensinara o general Schneider e reafirmara o comandante Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje estará esperando, com as mãos livres, reconquistar o poder para seguir defendendo seus lucros e privilégios”.
Em dezembro de 1971, na despedida a Fidel, então em visita histórica ao Chile, expressou a lucidez com que vivia aquela luta imensa pela emancipação do seu país e de seu povo, em pronunciamento em Santiago: “Digo-vos com calma, com absoluta tranquilidade: não sou apóstolo, nem sou Messias. Não tenho as condições de um mártir. Sou um lutador social que cumpre uma tarefa, a tarefa que o povo me deu. Mas que entendam aqueles que querem voltar na história e ignorar a vontade majoritária do Chile: sem ter a carne de um mártir, não darei um passo atrás. Deixe-os saber: deixarei La Moneda quando cumprir o mandato que o povo me deu”.
Os 50 anos só fizeram realçar a estatura descomunal de Allende, em seu compromisso com o Chile, a democracia, a soberania, a igualdade e a “via chilena ao socialismo”, o fruto de um século e meio de lutas sociais no país ensombrado pelos Andes.
Mas é menos percebido, nos dias de hoje, o papel de Allende nos esforços da época para quebrar os grilhões do imperialismo e superar a herança maldita do colonialismo. Ao encabeçar a luta pela nacionalização do cobre, a principal riqueza chilena, Allende tornou-se também líder inconteste da fase seguinte do movimento de descolonização, a conquista de uma nova ordem econômica internacional, que chegou a ser colocada em pauta pela Assembleia Geral da ONU.
Papel ainda mais notável tendo em vista os desdobramentos atuais da luta contra a dominação imperialista e neocolonial, de que a expansão dos BRICS, e antes disso, sua conformação, são testemunhos, depois de 30 anos de mundo unipolar, isto é, de ditadura, ou autodenominada “ordem global sob regras” de Washington e Wall Street.
1971 foi o ano em que o governo da Unidade Popular, conseguindo manter o diálogo com o setor mais progressista da Democracia Crista, logrou aprovar no congresso chileno a nacionalização do cobre, no dia 11 de junho – um dia 11, assim como o que passaria a historia pela infâmia, em setembro de 1973. Alias, o ano da formalização do G7, o grupo dos países imperiais.
1971
Em 1971, Washington, fragilizado, havia rompido com o acordo de Bretton Woods de conversibilidade do dólar em ouro – a primeira crise da ‘desdolarização’-, estava prestes à derrota no Vietnã e sob imensa pressão interna – da juventude que se levantava contra a loucura da guerra aos negros lutando pela definitiva extinção do apartheid “Jim Crow”. A descolonização avançava a largos passos na África e na Ásia e, na América Latina, a luta pela efetiva soberania e para deixar de ser o quintal dos fundos dos ianques.
A política de nacionalização do cobre, aprovada pelo congresso chileno em julho de 1971, “fazia parte de um debate mais amplo no Terceiro Mundo para criar uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI), que reestruturaria o sistema econômico internacional neocolonial segundo linhas democráticas e daria peso para as ideias e os povos do Terceiro Mundo”.
“A NOEI foi elaborada pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), liderada pelo economista argentino Raúl Prebisch, e aprimorada na terceira sessão da UNCTAD (ou UNCTAD III) em Santiago, Chile, de abril a maio de 1972”. Em 1 de Maio de 1974, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração do Estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional.
O golpe contra o governo de Allende ocorreu não apenas contra a sua própria política de nacionalização do cobre, mas também porque Allende ofereceu liderança e um exemplo a outros países em desenvolvimento que procuravam implementar os princípios da NOIE, sublinha Tricontinental. “Nesse sentido, o golpe liderado pelos EUA contra o Chile foi precisamente um golpe contra o Terceiro Mundo”.
Em 1971, o Chile tornou-se o quinquagésimo quinto membro pleno do Movimento dos Não-Alinhados (NAM), cerca de uma década após a formação do grupo em 1961. Até então, Cuba era o único país latino-americano a ser membro pleno.
Os Não Alinhados e a UNCTAD incubaram debates sobre a Nova Ordem Econômica Internacional, através da qual os países do Terceiro Mundo procuravam transformar o sistema mundial neocolonial, unindo-se em torno da necessidade de controlar os seus recursos naturais e se industrializarem.
Allende atendeu às conclamações dos países africanos e asiáticos para que a UNCTAD III fosse realizada num país em desenvolvimento, oferecendo a capital do Chile. O novo edifício da UNCTAD ficava a menos de dez quilômetros do escritório da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina (CEPAL), onde economistas de toda a América Latina desenvolveram, desde a sua fundação em 1948, a crítica à dependência e ao sistema neocolonial no qual os países centrais dominam a periferia através da reprodução dos ganhos da era colonial; através dos termos de comércio desiguais estabelecidos que utilizavam a periferia como recurso para matérias-primas e mercado para produtos finais; e através da utilização da ajuda ao desenvolvimento para impulsionar um ciclo de austeridade da dívida que aprisionou os países da periferia.
A LEI 17.450 NACIONALIZA O COBRE
Aproximadamente vinte por cento das reservas mundiais de cobre conhecidas na época estavam no Chile, com os EUA sendo o maior importador mundial de cobre. 60 por cento da produção mundial de cobre pertencia a seis empresas transnacionais: três norte-americanas, a Gran Minería, (Anaconda, Kennecott e Cerro), duas empresas britânicas (British Insulated Callender’s Cables e IMI Refiners) e uma empresa belga (Metallurgie Hoboken -Sobrepelta).
A Gran Minería (Anaconda, Kennecott e Cerro), respondia por mais de oitenta por cento da produção de cobre do Chile e tivera um aumento dramático nos lucros entre 1965 e 1971. O que levara a um clamor pela “chilenização” da riqueza do cobre. Ambos os candidatos às eleições presidenciais de 1970 – Allende pela Unidade Popular e Radomiro Tomic pelos Democratas Cristãos – apoiaram a nacionalização.
Em dezembro de 1970, o governo da Unidade Popular apresentou ao Congresso uma emenda constitucional para nacionalizar as minas de cobre de propriedade da Gran Minería, sem qualquer compensação adicional. O argumento apresentado pelo governo Allende para essa recusa foi que a Gran Minería já tinha beneficiado de décadas de lucros excessivos que tinham sido remetidos para fora do país e deixara as minas significativamente esgotadas.
Em 21 de Dezembro, ao discursar na Plaza de la Constitución, Allende mostrou como o Chile tinha sido “sangrado” e anunciou que “nenhuma compensação será paga pelas jazidas. … Estamos atuando dentro dos canais legais e jurídicos. Além disso, é relevante salientar que as Nações Unidas reconheceram o direito dos povos de nacionalizar a riqueza crucial que está nas mãos do capital estrangeiro” (referindo-se à resolução da Assembleia Geral da ONU, a “Soberania Permanente sobre os Recursos Naturais” ).
Ao obter a aprovação de seu programa de nacionalização, Allende enfatizou ser “a favor de uma nacionalização abrangente, para que enormes somas de dinheiro não saiam do país, para que o Chile não continue a ser um país mendigo que pede com a mão estendida alguns milhões de dólares, enquanto enormes somas de dinheiro saem das nossas fronteiras para fortalecer os grandes impérios internacionais do cobre”.
“Não queremos ser um país em desenvolvimento que exporta capital; não queremos continuar a vender barato e comprar caro. É por isso que existe o programa Unidade Popular, um programa fundamentalmente patriótico colocado ao serviço do Chile e do povo chileno”.
“Com o passo que vamos dar, romperemos com a nossa dependência econômica. Isso significa independência política. Seremos os donos do nosso próprio futuro, os verdadeiros soberanos do nosso próprio destino. O que for feito com o nosso cobre dependerá de nós, da nossa capacidade, do nosso esforço e da nossa dedicação e sacrifício para garantir que o cobre no Chile seja produzido para o progresso do nosso país.”
Allende também saudou os entendimentos com a Zâmbia, Congo, Peru, e com o Conselho Intergovernamental de Países Exportadores de Cobre (CIPEC), “que se formou a nível internacional e se destina a defender os interesses dos pequenos países produtores como o nosso”.
NOVA ORDEM MUNDIAL EQUITATIVA
Na terceira sessão da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), realizada em Santiago do Chile em 1972, o presidente Allende chamou a “substituir uma ordem econômica e comercial obsoleta e radicalmente injusta por uma ordem equitativa, baseada num novo conceito de homem e de dignidade humana, e a reformular uma divisão internacional do trabalho que é intolerável para os países menos avançados e obstrui o seu progresso, ao mesmo tempo que favorece apenas as nações ricas”.
Para a transformação da ordem mundial neocolonial e capitalista para uma ordem mundial comprometida com o avanço da humanidade, Allende sublinhou cinco questões-chaves. Em primeiro, reformar o FMI e o Banco Mundial, bem como o Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (GATT). O Terceiro Mundo criou a UNCTAD como plataforma para repensar estes sistemas, mas, desde a sua fundação em 1964, o Ocidente tentou marginalizar a UNCTAD. Na rodada de Tóquio do GATT de 1973, a então “Triade” (EUA, Europa e Japão) escanteou o Terceiro Mundo.
Diante desse cenário, conclamou Allende, a UNCTAD precisava construir um sistema comercial que priorizasse o aumento do consumo popular, a erradicação da fome e do analfabetismo e a regulação do poder das empresas transnacionais.
Outro ponto era o cancelamento dos encargos da dívida dos países em desenvolvimento, que já atingira a 70 bilhões de dólares. Dívidas “contraídas em grande parte para compensar os danos causados por um sistema comercial injusto, para custear os custos do estabelecimento de empresas estrangeiras no nosso território, [e] para fazer face à exploração especulativa das nossas reservas”, denunciou Allende. O terceiro ponto era consolidar o controle sobre os recursos naturais. Em Maio de 1969, os governos da América Latina sublinharam a necessidade de assumir o controle dos seus próprios recursos naturais no Consenso Latino-Americano de Viña del Mar. A Declaração de Lima (1971), citada por Allende na UNCTAD III, estabeleceu o reconhecimento “de que cada país tem o direito soberano de dispor livremente dos seus recursos naturais no interesse do desenvolvimento econômico e do bem-estar dos seus próprio povo [e que] qualquer medida ou pressão externa, política ou econômica exercida sobre o exercício deste direito é uma violação flagrante dos princípios da autodeterminação dos povos e da não intervenção, tal como estabelecidos na Carta das Nações Unidas e, se for prosseguido, poderá constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais».
No quarto ponto, afirmar o direito das nações à tecnologia e à ciência. Os países do Terceiro Mundo, registrou Allende, “assistem à marcha da ciência como estranhos” e importam “conhecimento técnico que em muitos casos constituiu simplesmente um instrumento de alienação cultural e de dependência crescente”. O Chile chamava a desenvolver a sua própria capacidade científica e tecnológica e a colaboração com outros países para criar tecnologias “que se adaptassem às nossas necessidades e aos nossos planos de desenvolvimento”.
Por fim, “transformar uma economia de guerra numa economia de paz”, utilizando os gastos na guerra e nos armamentos para “cimentar uma economia solidária à escala mundial”. Em 1970, o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo observou que sete por cento do Produto Interno Bruto global foi destinado a despesas militares, “equivalente ao rendimento total da metade mais pobre da população mundial”.
LAVROV: EUA TENTAM HOJE “MESMA LÓGICA NEOCOLONIAL” DO GOLPE NO CHILE
A convocação da UNCTAD III de Santiago, de 1972, permanece válida e cada dia mais urgente, à medida que a putrefação do domínio imperialista e neocolonial se agrava. Sobre isso, o ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, comentando esse primeiro ‘11 de setembro’, assinalou que os EUA estão tentando aplicar hoje a mesma “lógica neocolonial” que impulsionou o golpe no Chile
A intenção de Allende de retirar o Chile da “lógica neocolonial” dos Estados Unidos e levar o país por um caminho de soberania política e econômica, foi o principal gatilho para os Estados Unidos e a CIA orquestrarem o golpe de Estado de 1973, observou Lavrov, em artigo dedicado ao 50º aniversário do golpe de Pinochet.
“Washington não gosta da própria ideia de que outros Estados têm o direito de escolher o seu próprio modelo político e socioeconômico de desenvolvimento, podem ser guiados pelos interesses nacionais, fortalecer a soberania de Estado e respeitar a identidade cultural e civilizacional”, observou Lavrov em artigo para a Rossiysakaya Gazeta .
O Ministro das Relações Exteriores russo salientou que, desde então, os EUA têm repetido a mesma estratégia de golpes de estado e revoluções coloridas em numerosos países do mundo que não aderem aos seus interesses imperialistas. Como exemplo, recordou os acontecimentos na Iugoslávia, na Geórgia, no Quirguizistão e, mais recentemente, no “golpe sangrento de Fevereiro de 2014 em Kiev”.
Lavrov lembrou que o Governo de Unidade Popular, liderado por Allende, chegou ao poder em 1970 como resultado da livre expressão da vontade dos eleitores chilenos no âmbito do procedimento previsto na Constituição da República. O chefe da diplomacia russa acrescentou que o projeto da Unidade Popular tem uma dimensão internacional evidente e está orientado para o afastamento da dependência externa e para o fortalecimento dos princípios nacionais e latino-americanos.
“A coligação de esquerda procurou a autonomia política e econômica do Chile e rejeitou métodos de influência como discriminação, pressão, intervenção ou bloqueio”, destacou. “Os documentos desclassificados dos arquivos dos EUA apenas confirmaram o que não era segredo imediatamente após o golpe. Mesmo antes de Allende assumir o cargo, o rumo para a sua destituição foi traçado em Washington, utilizando todo o arsenal de chantagem e pressão política. desestabilizar a situação interna”, disse o ministro.
Lavrov detalhou que foram utilizadas as ferramentas mais amplas: isolamento externo do país, financiamento da oposição, pressão informativa e psicológica e desinformação da população através de meios de comunicação controlados, criação e patrocínio de organizações de extrema direita e grupos radicais, bem como provocação e violência contra apoiadores das novas autoridades. Nas suas palavras, existe agora uma quantidade significativa de material no domínio público que expõe o papel de Washington nesses acontecimentos.
“O cinismo dos políticos americanos é surpreendente”, disse Lavrov, se referindo a bem documentada ordem de “fazer a economia chilena ‘gritar'”. Segundo o chanceler, as empresas norte-americanas estiveram diretamente envolvidas em operações encobertas da CIA. Acrescentou que entre eles está “a infame empresa de telecomunicações ITT, que colaborou com o Reich nazista e que o governo Allende tentou nacionalizar”.
Desta forma, Lavrov destacou que os EUA e os seus aliados violam sempre um princípio tão fundamental da Carta das Nações Unidas como a não interferência nos assuntos internos de outros países. “Isto inclui a terceira volta das eleições na Ucrânia no final de 2004, as revoluções coloridas na Iugoslávia, na Geórgia e no Quirguizistão. Finalmente, o apoio aberto ao golpe sangrento em Kiev em Fevereiro de 2014, bem como as tentativas persistentes de repetir o cenário de uma tomada forçada do poder na Bielorrússia em 2020”, lembrou o diplomata russo.
SÁTRAPAS
Não houve infâmia ou crime a que Washington e seus sátrapas – como os denominou o grande Neruda – não recorreram, para tentar deter a roda da história. O assassinato do general legalista René Schneider, para tentar impedir a posse de Allende, os atentados que mataram o ex-comandante do exercito Carlos Pratts e o ex-chanceler Orlando Letelier, um no exílio em Buenos Aires, outro em Washington. A ordem de Nixon, de “fazer a economia do Chile gritar” -, concretizada no bloqueio econômico e financeiro, na decretação do locaute e da ‘greve dos caminhoneiros’, na organização do desabastecimento e mercado negro, para causar inflação e revolta; as operações encobertas da CIA, supervisionadas por Kissinger e Vernon Walters; o financiamento do El Mercúrio, o gabinete do ódio da época; os atentados contra sindicalistas, ativistas da Unidade Popular e lideres campesinos; as pixaçoes com ‘Jacarta vem aí’; a caravana da morte, os assassinatos de Victor Jara e Pablo Neruda. Ou a metamorfose do Estádio Nacional, onde o Brasil se sagrou bicampeão mundial, num símbolo mundial da canalhice, tortura e morte.
COBAIAS DE FRIEDMAM E HAYEK
Com o golpe fascista, vieram os Chicago-boys para aplicar sua ‘terapia de choque’ – o receituário de corte de direitos e gastos públicos, arrocho salarial, corte de impostos para os ricos, estímulo a especulação, liberalização das importações e privatizações, com os sindicatos fechados e o país transformado em um campo de concentração. Os chilenos foram transformados em cobaias do experimento neoliberal e em 1975 o próprio Milton Friedman esteve em Santiago. Menos conhecida e a visita de Friedrich Hayek, o pai do neoliberalismo, autor de “Caminho para a Servidão”, o bestialógico contra o socialismo e de apologia ao deus “mercado”.
Na revolta de 2019, cujo estopim foi um aumento de 30 centavos na tarifa de transporte, os jovens que tomaram as ruas do Chile e assaltaram os céus, clamavam: “não são 30 centavos, são 30 anos”. Nos protestos, também a presença de idosos, aqueles que ficaram sem aposentadoria por causa da privatização da previdência.
OS FEITOS DO GOVERNO DA UNIDADE POPULAR
Entrevistado pelo jornal chileno El Siglo, sobre os idos de 1973, o jornalista e escritor espanhol Mário Amorós destacou que o governo de Unidade Popular recuperou as grandes minas de cobre para o Chile e aprofundou a reforma agrária até a erradicação dos latifúndios; bancos nacionalizados e grandes monopólios industriais; desenvolveu uma política social avançada, com a distribuição diária de meio litro de leite a todos os meninos e meninas como uma das medidas mais emblemáticas; abriu caminho para a participação da classe trabalhadora na direção da economia; implementou uma política abrangente em áreas como a saúde e a educação; promoveu um grande trabalho cultural, tendo a Editora Nacional Quimantú como uma de suas figuras de proa; favoreceu a proeminência histórica dos “de baixo”, que demonstraram consciência revolucionária e capacidade de organização heróica e de resistência em tempos tão difíceis como Outubro de 1972; e desenvolveu uma política internacional exemplar no mundo da Guerra Fria, que fez de Allende um dos líderes do Terceiro Mundo. Durante aqueles mil dias (1.044 exatamente), o povo chileno trabalhou e lutou, com as armas da democracia, para construir uma sociedade mais justa, mais igualitária e mais participativa”.
“As imagens chocantes do bombardeamento de La Moneda, a beleza e o drama das suas últimas palavras através da Rádio Magalhães e a sua morte em defesa de um século e meio de desenvolvimento democrático no Chile deram ao nome de Salvador Allende uma dimensão universal: é sinônimo de valores como democracia, justiça social, pluralismo, direitos humanos, liberdade, socialismo. A sua memória e a da Unidade Popular venceram a passagem do tempo”.