Há 60 anos São Paulo ganhava um dos principais centros de seu movimento teatral: o TAIB

Inauguração do TAIB em 24 de outubro de 1960 - foto Acervo da Casa do Povo

Há seis décadas a cidade de São Paulo ganhava o TAIB, Teatro de Arte Israelita Brasileiro, instalado no subsolo da Casa do Povo, prédio construído na Rua Três Rios em 1953, como um monumento vivo em memória aos que lutaram contra o nazismo e aos que tombaram massacrados pelo seu genocídio racista, como exemplo para que isto nunca mais venha a acontecer em lugar nenhum do mundo – como queria seu idealizador, José Aron Sendacz.

Montagem de Hershele Ostropolier, de Scholem Aleichem, com direção de Jacob Kurlander, 1960 (Acervo Casa do Povo)

Desenhado pelo arquiteto Ernest Robert de Carvalho Mange, o edifício de linhas arrojadas, obra de inspiração na arquitetura modernista, recebeu o Teatro, inaugurado em 24 de outubro de 1960.

As instalações do TAIB foram projetadas pelo arquiteto Jorge Wilheim com murais de Renina Katz, boca de cena de Abrahão Sanovicz e painéis do artista plástico Gershon Knispel e com estudo acústico do arquiteto Igor Sresnewsky.

 O TAIB, criado para comportar o teatro iídiche em São Paulo e seus ideais críticos, depois foi se diversificando e adotando repertório brasileiro e internacional e atraindo os mais diversos atores e diretores de São Paulo.

As instalações do TAIB, foram projetadas pelo arquiteto Jorge Wilheim com murais de Renina Katz, boca de cena de Abrahão Sanovicz e painéis do artista plástico Gershon Knispel e com estudo acústico do arquiteto Igor Sresnewsky.

A iniciativa partiu do ICIB, uma associação cultural judaica sem fins lucrativos, criada em 1946, logo após a Segunda Guerra Mundial, “para oferecer lazer, cultura, educação e integração aos imigrantes ainda pobres vindos ao Brasil em busca de dias melhores diante das crises, guerras e perseguições antijudaicas”, como observa Alberto Kleinas, um dos atores que passaram pelo TAIB. Kleinas relata que, depois de haver aprendido ali “desde maquiagem, até colocação da voz, gestual e posicionamento em cena”, foi integrar o grupo de teatro popular União e Olho Vivo.

Em sua saudação no dia da inauguração do teatro, José Sendacz destacou seus objetivos fundamentais derivados do ICIB: “Nós, do Instituto Cultural israelita Brasileiro, temos principal objetivo, a divulgação da milenar cultura judaica não somente entre nossa coletividade, mas também entre a intelectualidade e o povo brasileiro, contribuindo assim pelo desenvolvimento da própria cultura brasileira, com melhores criações, com os mais preciosos tesouros espirituais que possuímos. Ao mesmo tempo, procuramos divulgar entre a coletividade israelita radicada em São Paulo, os grandes valores da cultura brasileira, tornar conhecidos seus poetas, seus romancistas, seus músicos, seus pensadores do passado e do presente, despertando cada vez mais o interesse e respeito pelo patrimônio espiritual deste povo, tornando-se assim mais brasileiro”.

Cartaz da peça de Boal encenada no TAIB em 1978

No prédio da Casa do Povo, ainda em plena atividade, passaram a funcionar, além do TAIB, o Instituto Cultural Israelita Brasileiro (ICIB), a Biblioteca e o inovador, em termos pedagógicos, Ginásio Israelita Brasileiro Sholem Aleichem.

As múltiplas atividades sociais, culturais e recreativas seguem acontecendo no edifício que, ao longo de sua existência viva, acolheu grupos de leitura, grupos de teatro amador e de teatro iídiche, associações de bairro, assim como – através de convênio – o Teatro Popular do SESI, peças do Teatro de Arena, aulas de Lygia Fagundes Telles, lançamentos de livros, entre tantas outras atividades que marcaram as vanguardas da época. Destacamos o Coral Tradição que permanece atuante e, sob a batuta da maestrina Hugueta Sendacz, e, de acordo com um dos integrantes do teatro em seu período de encenação em língua iídishe, Sylvio Band (que foi o protagonista na peça O Dibuk, do socialista bielorrussso An-Ski), “é o único no mundo a manter exclusivamente música iídishe em seu repertório”.

Ali também aconteceram as reuniões do comitê editorial do jornal progressista em língua iídishe, o “Unzere Shtime” (Nossa Voz, em iídishe), empastelado pela ditadura assim que o autoritarismo se impôs e que retoma suas atividades editoriais).

A encenação de O Dibuk (1963) foi um de seus grandes momentos. Traduzida por Jacó Guinsburg, com Sylvio Band no papel principal e codireção, foi a primeira peça do repertório iídiche montada em português. Sucesso de público e crítica, permaneceu em cartaz por seis meses e expressou uma cultura bilíngue iídiche-português, transição entre a vivência dos imigrantes vindos do leste europeu para as gerações nascidas no Brasil.

O conjunto de atividades sociais, educativas, culturais e de produção artística de vanguarda, foi alvo da repressão ditatorial.

O conjunto de atividades sociais, educativas, culturais e de produção artística de vanguarda, foi alvo da repressão ditatorial. Como revela uma das ex-alunas do Ginásio Sholem Aleichem, Lilian Starobinas, historiadora e coordenadora dos atuais Ciclos de Reflexão do Judaísmo Contemporâneo: “O endurecimento da repressão política e cultural, após o Ato Institucional Número 5, em 1968, levou para a clandestinidade parte dos dirigentes e dos frequentadores da Casa do Povo”.

O TAIB resistiu e representou um pilar fundamental na história do teatro paulistano em especial nos anos 70 e 80.

O TAIB resistiu e representou um pilar fundamental na história do teatro paulistano em especial nos anos 70 e 80.

Durante suas décadas de prolífica atividade, o TAIB prestou serviço relevante à cultura da cidade de São Paulo e mesmo do Brasil. Foi em seu palco que deram os primeiros passos algumas de nossas grandes revelações nas artes cênicas como Sergio Mamberti e Gianfrancesco Guarnieri entre outros.

Foi em seu palco que deram os primeiros passos algumas de nossas grandes revelações nas artes cênicas como Sergio Mamberti e Gianfrancesco Guarnieri entre outros.

Com um repertório que sempre valorizou a arte comprometida com a crítica social e a vanguarda teatral, valorizou a produção nacional abrigando peças de alguns dos mais destacados autores brasileiros a exemplo de Plínio Marcos, Augusto Boal, Oduvaldo Vianna Filho e Benedito Ruy Barbosa, sem deixar de levar à cena alguns dos mais destacados dramaturgos do mundo como Bertold Brecht, Henry Ibsen e Eugene Ionesco. O TAIB também contemplou os paulistas com shows como os que trouxeram os conjuntos de música MPB4 e Quarteto em Cy.

…o TAIB foi fundamental para abrigar as peças, atores, diretores, escritores e seu público que ansiava por mudanças

Com o fechamento ou dificuldades de outras casas que enfrentavam a censura a um movimento teatral que clamava por liberdades e transformação social, como aconteceu com o Teatro de Arena em 1972, ou atingiu o Teatro Ruth Escobar e ainda a agressão aos grupos, em especial aos de produção coletiva de teatro, como Oficina e Opinião; o TAIB foi fundamental para abrigar as peças, atores, diretores, escritores e seu público que ansiava por mudanças.

Neste sentido, também recebeu em suas instalações atos massivos em defesa da retomada democrática como o que exigia a Constituinte que desembocaria na Constituição Cidadã, como a chamou Ulysses Guimarães.

Ato por liberdades democráticas no TAIB

Prosseguiu com sua atividade depois da reconquista da democracia e, até o final dos anos 1980, teve esse papel de destaque, quando infelizmente foi caminhando para o encerramento de suas atividades por problemas crescentes de financiamento e manutenção.

Agora, a nova diretoria da Casa do Povo está lançando uma campanha pela recuperação da memória do TAIB, como afirma seu portal: “A Casa do Povo continua recebendo fotos, relatos, material gráfico, matérias de jornal e qualquer outro tipo de documento que ajude a construir o arquivo vivo sobre o TAIB”. Relatos, textos, fotos ou vídeos podem ser enviados para o email info@casadopovo.org.br

Há também o projeto de reconstrução do TAIB, chamando apoiadores a adquirirem poltronas no teatro a ser retomado.

No dia 24 de outubro deste ano, quando se completaram 60 anos da inauguração do teatro, a Casa do Povo realizou um evento virtual, coordenado por Lilian Starobinas, que incluiu uma palestra de Sylvio Band. Ao final, Sylvio e Sergio Mamberti leram um poema do idealizador do TAIB, José Sendacz, escrito por ele em iídishe e traduzido também por ele para o português. Sylvio leu e iídishe e Mamberti em português.

Segue o poema Shvimt a shif – O navio singra:

O navio singra o mar da vida,

O relógio marca hora após hora,

Milhões de marinheiros levam o navio,

E entre eles eu também estou.

Pode o mar estar revolto,

Pode o vento estar violento,

Ninguém duvida,

O navio atingirá o porto.

O navio destruirá tudo,

Que em seu caminho se interpuser,

O navio alcançará o porto,

Cheio de alegrias e cheio de canções.

Chegará a um porto da vida,

Cheio de sol e cheio de luz,

Cheio de felicidade e alegria para cada um,

Para cada povo, para cada classe.

O navio singra o mar da vida,

O relógio marca hora após hora,

Milhões de marinheiros levam o navio,

E entre eles eu também estou.

Entre as peças encenadas no TAIB, há trabalhos de seus integrantes e de outros grupos teatrais, das quais destacamos algumas das mais marcantes de seu amplo repertório:

– Ponto de Partida (1976) – texto de Gianfrancesco Guarnieri, diretor Fernando Peixoto. Peça que denunciava, metaforicamente, o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI, em 1975, noticiada como suicídio.

– Murro em Ponta de Faca (em 1986) –  texto de Augusto Boal, direção Paulo José, música de Chico Buarque, com Francisco Milani e Othon Bastos como atores – relata as desventuras de seis exilados políticos, inclusive o próprio Boal, no período ditatorial.

– Barrela – texto de Plínio Marcos e direção de Plínio Marcos e Renato Consorte (segundo o ator Alberto Kleinas, Plínio Marcos assistia aos espetáculos e depois permanecia para debater a peça com o público).

– Moços em Estado de Sítio (1982) – texto de Oduvaldo Vianna Filho, direção de Aderbal Júnior. Peça que fala de um estudante que sofre uma guinada ideológica e abandona a visão decorrente das lutas sociais com as quais estava engajado.

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