
Há seis décadas a cidade de São Paulo ganhava o TAIB, Teatro de Arte Israelita Brasileiro, instalado no subsolo da Casa do Povo, prédio construído na Rua Três Rios em 1953, como um monumento vivo em memória aos que lutaram contra o nazismo e aos que tombaram massacrados pelo seu genocídio racista, como exemplo para que isto nunca mais venha a acontecer em lugar nenhum do mundo – como queria seu idealizador, José Aron Sendacz.

Desenhado pelo arquiteto Ernest Robert de Carvalho Mange, o edifício de linhas arrojadas, obra de inspiração na arquitetura modernista, recebeu o Teatro, inaugurado em 24 de outubro de 1960.
As instalações do TAIB foram projetadas pelo arquiteto Jorge Wilheim com murais de Renina Katz, boca de cena de Abrahão Sanovicz e painéis do artista plástico Gershon Knispel e com estudo acústico do arquiteto Igor Sresnewsky.
O TAIB, criado para comportar o teatro iídiche em São Paulo e seus ideais críticos, depois foi se diversificando e adotando repertório brasileiro e internacional e atraindo os mais diversos atores e diretores de São Paulo.
As instalações do TAIB, foram projetadas pelo arquiteto Jorge Wilheim com murais de Renina Katz, boca de cena de Abrahão Sanovicz e painéis do artista plástico Gershon Knispel e com estudo acústico do arquiteto Igor Sresnewsky.
A iniciativa partiu do ICIB, uma associação cultural judaica sem fins lucrativos, criada em 1946, logo após a Segunda Guerra Mundial, “para oferecer lazer, cultura, educação e integração aos imigrantes ainda pobres vindos ao Brasil em busca de dias melhores diante das crises, guerras e perseguições antijudaicas”, como observa Alberto Kleinas, um dos atores que passaram pelo TAIB. Kleinas relata que, depois de haver aprendido ali “desde maquiagem, até colocação da voz, gestual e posicionamento em cena”, foi integrar o grupo de teatro popular União e Olho Vivo.
Em sua saudação no dia da inauguração do teatro, José Sendacz destacou seus objetivos fundamentais derivados do ICIB: “Nós, do Instituto Cultural israelita Brasileiro, temos principal objetivo, a divulgação da milenar cultura judaica não somente entre nossa coletividade, mas também entre a intelectualidade e o povo brasileiro, contribuindo assim pelo desenvolvimento da própria cultura brasileira, com melhores criações, com os mais preciosos tesouros espirituais que possuímos. Ao mesmo tempo, procuramos divulgar entre a coletividade israelita radicada em São Paulo, os grandes valores da cultura brasileira, tornar conhecidos seus poetas, seus romancistas, seus músicos, seus pensadores do passado e do presente, despertando cada vez mais o interesse e respeito pelo patrimônio espiritual deste povo, tornando-se assim mais brasileiro”.

No prédio da Casa do Povo, ainda em plena atividade, passaram a funcionar, além do TAIB, o Instituto Cultural Israelita Brasileiro (ICIB), a Biblioteca e o inovador, em termos pedagógicos, Ginásio Israelita Brasileiro Sholem Aleichem.
As múltiplas atividades sociais, culturais e recreativas seguem acontecendo no edifício que, ao longo de sua existência viva, acolheu grupos de leitura, grupos de teatro amador e de teatro iídiche, associações de bairro, assim como – através de convênio – o Teatro Popular do SESI, peças do Teatro de Arena, aulas de Lygia Fagundes Telles, lançamentos de livros, entre tantas outras atividades que marcaram as vanguardas da época. Destacamos o Coral Tradição que permanece atuante e, sob a batuta da maestrina Hugueta Sendacz, e, de acordo com um dos integrantes do teatro em seu período de encenação em língua iídishe, Sylvio Band (que foi o protagonista na peça O Dibuk, do socialista bielorrussso An-Ski), “é o único no mundo a manter exclusivamente música iídishe em seu repertório”.
Ali também aconteceram as reuniões do comitê editorial do jornal progressista em língua iídishe, o “Unzere Shtime” (Nossa Voz, em iídishe), empastelado pela ditadura assim que o autoritarismo se impôs e que retoma suas atividades editoriais).
A encenação de O Dibuk (1963) foi um de seus grandes momentos. Traduzida por Jacó Guinsburg, com Sylvio Band no papel principal e codireção, foi a primeira peça do repertório iídiche montada em português. Sucesso de público e crítica, permaneceu em cartaz por seis meses e expressou uma cultura bilíngue iídiche-português, transição entre a vivência dos imigrantes vindos do leste europeu para as gerações nascidas no Brasil.
O conjunto de atividades sociais, educativas, culturais e de produção artística de vanguarda, foi alvo da repressão ditatorial.
O conjunto de atividades sociais, educativas, culturais e de produção artística de vanguarda, foi alvo da repressão ditatorial. Como revela uma das ex-alunas do Ginásio Sholem Aleichem, Lilian Starobinas, historiadora e coordenadora dos atuais Ciclos de Reflexão do Judaísmo Contemporâneo: “O endurecimento da repressão política e cultural, após o Ato Institucional Número 5, em 1968, levou para a clandestinidade parte dos dirigentes e dos frequentadores da Casa do Povo”.
O TAIB resistiu e representou um pilar fundamental na história do teatro paulistano em especial nos anos 70 e 80.
O TAIB resistiu e representou um pilar fundamental na história do teatro paulistano em especial nos anos 70 e 80.
Durante suas décadas de prolífica atividade, o TAIB prestou serviço relevante à cultura da cidade de São Paulo e mesmo do Brasil. Foi em seu palco que deram os primeiros passos algumas de nossas grandes revelações nas artes cênicas como Sergio Mamberti e Gianfrancesco Guarnieri entre outros.
Foi em seu palco que deram os primeiros passos algumas de nossas grandes revelações nas artes cênicas como Sergio Mamberti e Gianfrancesco Guarnieri entre outros.
Com um repertório que sempre valorizou a arte comprometida com a crítica social e a vanguarda teatral, valorizou a produção nacional abrigando peças de alguns dos mais destacados autores brasileiros a exemplo de Plínio Marcos, Augusto Boal, Oduvaldo Vianna Filho e Benedito Ruy Barbosa, sem deixar de levar à cena alguns dos mais destacados dramaturgos do mundo como Bertold Brecht, Henry Ibsen e Eugene Ionesco. O TAIB também contemplou os paulistas com shows como os que trouxeram os conjuntos de música MPB4 e Quarteto em Cy.
…o TAIB foi fundamental para abrigar as peças, atores, diretores, escritores e seu público que ansiava por mudanças
Com o fechamento ou dificuldades de outras casas que enfrentavam a censura a um movimento teatral que clamava por liberdades e transformação social, como aconteceu com o Teatro de Arena em 1972, ou atingiu o Teatro Ruth Escobar e ainda a agressão aos grupos, em especial aos de produção coletiva de teatro, como Oficina e Opinião; o TAIB foi fundamental para abrigar as peças, atores, diretores, escritores e seu público que ansiava por mudanças.
Neste sentido, também recebeu em suas instalações atos massivos em defesa da retomada democrática como o que exigia a Constituinte que desembocaria na Constituição Cidadã, como a chamou Ulysses Guimarães.

Prosseguiu com sua atividade depois da reconquista da democracia e, até o final dos anos 1980, teve esse papel de destaque, quando infelizmente foi caminhando para o encerramento de suas atividades por problemas crescentes de financiamento e manutenção.
Agora, a nova diretoria da Casa do Povo está lançando uma campanha pela recuperação da memória do TAIB, como afirma seu portal: “A Casa do Povo continua recebendo fotos, relatos, material gráfico, matérias de jornal e qualquer outro tipo de documento que ajude a construir o arquivo vivo sobre o TAIB”. Relatos, textos, fotos ou vídeos podem ser enviados para o email info@casadopovo.org.br
Há também o projeto de reconstrução do TAIB, chamando apoiadores a adquirirem poltronas no teatro a ser retomado.
No dia 24 de outubro deste ano, quando se completaram 60 anos da inauguração do teatro, a Casa do Povo realizou um evento virtual, coordenado por Lilian Starobinas, que incluiu uma palestra de Sylvio Band. Ao final, Sylvio e Sergio Mamberti leram um poema do idealizador do TAIB, José Sendacz, escrito por ele em iídishe e traduzido também por ele para o português. Sylvio leu e iídishe e Mamberti em português.
Segue o poema Shvimt a shif – O navio singra:
O navio singra o mar da vida,
O relógio marca hora após hora,
Milhões de marinheiros levam o navio,
E entre eles eu também estou.
Pode o mar estar revolto,
Pode o vento estar violento,
Ninguém duvida,
O navio atingirá o porto.
O navio destruirá tudo,
Que em seu caminho se interpuser,
O navio alcançará o porto,
Cheio de alegrias e cheio de canções.
Chegará a um porto da vida,
Cheio de sol e cheio de luz,
Cheio de felicidade e alegria para cada um,
Para cada povo, para cada classe.
O navio singra o mar da vida,
O relógio marca hora após hora,
Milhões de marinheiros levam o navio,
E entre eles eu também estou.
Entre as peças encenadas no TAIB, há trabalhos de seus integrantes e de outros grupos teatrais, das quais destacamos algumas das mais marcantes de seu amplo repertório:
– Ponto de Partida (1976) – texto de Gianfrancesco Guarnieri, diretor Fernando Peixoto. Peça que denunciava, metaforicamente, o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI, em 1975, noticiada como suicídio.
– Murro em Ponta de Faca (em 1986) – texto de Augusto Boal, direção Paulo José, música de Chico Buarque, com Francisco Milani e Othon Bastos como atores – relata as desventuras de seis exilados políticos, inclusive o próprio Boal, no período ditatorial.
– Barrela – texto de Plínio Marcos e direção de Plínio Marcos e Renato Consorte (segundo o ator Alberto Kleinas, Plínio Marcos assistia aos espetáculos e depois permanecia para debater a peça com o público).
– Moços em Estado de Sítio (1982) – texto de Oduvaldo Vianna Filho, direção de Aderbal Júnior. Peça que fala de um estudante que sofre uma guinada ideológica e abandona a visão decorrente das lutas sociais com as quais estava engajado.