No dia 27 de abril de 1939 a mais celebrada cantora norte-americana, Billie Holliday, cantava pela primeira vez, para um público estupefato, a música Strange Fruit (Estranha Fruta). A música denuncia, sem mencionar a palavra, os milhares de linchamentos que ocorriam no sul dos Estados Unidos e que seguiriam acontecendo (4.000 desde o final dos anos 1800 até os da década de 1950; ver matéria ao lado).
A música chegara às mãos da cantora dias antes. Billie teve a canção apresentada a ela pelo dono do bar onde ela cantava naquela época, Barney Josephson, do Café Society, em Nova Iorque. A m
úsica foi entregue à cantora pelo seu autor, Abel Meeropol, que a assinava sob o pseudônimo Lewis Allan e havia pedido ao dono do Café Society para apresentar a canção a Billie Holiday.
Josephson imediatamente entendera o pungente daquela música. Mais tarde, ele diria:
“As pessoas tinham de se lembrar de ‘Strange fruit’, ficar com as entranhas queimadas pela música”, ao contar que imediatamente concordara em pedir a Billie para cantá-la em seu café.
Os relatos são de que ela teve a letra entoada pela primeira vez, naquela noite de 27 de abril com as luzes do Café Society, apagadas e os garçons tendo interrompido totalmente o serviço.
Billie relata que muitas casas onde ela cantou posteriormente a pressionavam para que, ao assinar contratos, se comprometesse a não cantar Strange Fruit, sem que ela cedesse. Passaram-se 60 anos e a revista Time Magazine a considerou “a música do século”.
O autor, professor de uma escola pública do Bronx, que também se tornaria reconhecido por um outro grande gesto, o de adotar os dois filhos do casal Julius e Ethel Rosenberg, Robert e Michael. O casal Rosenberg, comunistas mortos na cadeira elétrica, eram acusados de repassar segredos da bomba atômica à União Soviética, durante o período de caça às bruxas que a tantos incriminou por suas convicções progressistas, denominado Macartismo.
Meeropol chegou a ser questionado diante do denominado Comitê de Atividades Antiamericanas (pelo qual passaram os melhores roteiristas e artistas de Hollywood, instados a delatar colegas filiados ao Partido Comunista Americano), se o PCA o havia pago para escrever Strange Fruit, ao que ele respondeu: “A escrevi porque eu odeio os linchamentos, eu odeio a injustiça e odeio as pessoas que a perpetram”.
Meeropol redigiu a música em 1937, dois anos antes da tocante apresentação de Billie Holliday no Café Society, após ver a foto de um hediondo linchamento, mostrando os negros Thomas Shipp e Abe Smith, e que aquela cena o teria “perseguido por dias”.
Segue a letra de Strange Fruit, tradução de Carlos Renó:
“Árvores do Sul dão uma fruta estranha/ Folha ou raiz em sangue se banha/ Corpo negro balançando, lento/ Fruta pendendo de um galho ao vento/
Cena pastoril do Sul celebrado/ A boca torta e o olho inchado/ Cheiro de magnólia chega e passa/ De repente o odor de carne em brasa/
Eis uma fruta para que o vento sugue,/ Pra que um corvo puxe, pra que a chuva enrugue,/ Pra que o sol resseque, pra que o chão degluta,/ Eis uma estranha e amarga fruta”
NATHANIEL BRAIA