
Nesta quarta-feira (6), o mundo rememorou os 80 anos do bombardeio de Hiroshima com bomba atômica pelos Estados Unidos, em que instantaneamente foram mortos entre 70 e 100 mil civis pelo impacto e radiação, e com o total de vítimas dobrando nos quatro meses seguintes, por causa de queimaduras, envenenamento radioativo e outras lesões.

Autoridades, representantes do mundo inteiro e manifestantes realizaram um minuto de silêncio no Parque Memorial da Paz após o sino soar às 08h15 da manhã, hora local, momento em que o bombardeiro norte-americano B-29 lançou sobre a cidade a bomba “Little Boy”. Três dias depois, seria a vez da destruição de Nagasaki com uma bomba de plutônio e entre 60 mil e 80 mil seres humanos assassinados.
Encabeçando a cerimônia, o prefeito de Hiroshima, Kazumi Matsui, acompanhado pelo primeiro-ministro japonês Shigeru Ishiba que, a exemplo dos seus predecessores, conseguiu a façanha de denunciar o ataque atômico contra Hiroshima sem nomear o país que o desencadeou, os EUA. Matsuiu apresentou a nova lista das vítimas do bombardeio atômico, agora em 349.246.
A cerimônia acontece três dias após o presidente Donald Trump se dizer “pronto” para uma guerra nuclear e anunciar ter enviado “dois submarinos” para as costas da Rússia, e receber de Moscou o alerta de que “não há vencedores em uma guerra nuclear” e chamando todos a moderar a “retórica nuclear”.
“PARE A GUERRA NUCLEAR”
Perto da Cúpula da Bomba Atômica – uma relíquia do assombroso crime de guerra – centenas de manifestantes se reuniram perto da Cúpula da Bomba Atômica em Hiroshima para demonstrar sua oposição às armas nucleares e à “aliança de guerra” EUA-Japão.
Eles denunciaram o rearmamento japonês e os exercícios em grande escala EUA-Japão e repudiaram o assim chamado “compartilhamento nuclear”, que permitiria a Washington estacionar suas armas nucleares em Estados não nucleares.
Os manifestantes seguravam cartazes com os dizeres “A aliança Japão-EUA é uma aliança de guerra” e “Pare a guerra nuclear” e a polícia japonesa interveio para removê-los à força e realizar prisões. Vídeos mostram a polícia agarrando manifestantes sentados no chão.
PRIMEIRO ATO DA GUERRA FRIA
Para historiadores, as bombas atômicas contra Hiroshima e Nagasaki foram o derradeiro ato da II Guerra Mundial e o primeiro ato da Guerra Fria, de ameaça à União Soviética. “Um ato de assassinato em massa premeditado usando uma arma de criminalidade intrínseca”, na expressão do laureado jornalista e cineasta australiano radicado no Reino Unido, John Pilger.
O sucessor de Roosevelt na presidência dos Estados Unidos, Harry S. Truman, autorizou o ataque a Hiroshima quando a guerra já se encaminhava para o seu final. A Alemanha nazista já havia se rendido às tropas soviéticas. A rendição do Japão era uma questão de dias. Não havia a necessidade de um bombardeio tão cruel sobre a população civil japonesa.
Pilger descreveu uma viagem que fez a Hiroshima em 1967. “A sombra sobre os degraus ainda estava ali. Era uma impressão quase perfeita de um ser humano em descanso: pernas estendidas, cabeça inclinada, uma mão ao seu lado enquanto aguardava a abertura de um banco. Às oito e quinze na manhã de 6 de Agosto de 1945, ela e a sua silhueta foram queimadas no granito. Olhei para a sombra durante uma hora ou mais, depois desci até ao rio onde os sobreviventes ainda viviam em barracas”.
“Ali encontrei um homem chamado Yukio, cujo tórax fora gravado com o padrão da camisa que estava usando quando a bomba atômica foi lançada. Ele descreveu um enorme clarão sobre a cidade, ‘uma luz azulada, algo como um curto-circuito elétrico’, após o qual o vento soprou como um tornado e caiu chuva negra. ‘Fui atirado ao chão e reparei que apenas os caules das minhas flores tinham ficado. Tudo estava parado e silencioso e, quando me levantei, havia pessoas nuas, sem nada dizer. Algumas delas não tinham pele nem cabelo. Eu tinha a certeza de estar morto.’ Nove anos mais tarde, voltei a procurá-lo e ele havia morrido de leucemia”.
“No dia seguinte à destruição de Hiroshima, o presidente Harry Truman manifestou a sua satisfação com o ‘sucesso esmagador do experimento’”, enfatizou Pilger.
Ele lembrou como o New York Times asseverou em manchete: “Nenhuma radioatividade nas ruínas de Hiroshima” e da declaração do general Farrell “negando categoricamente que [a bomba] tenha produzido uma radioatividade perigosa e prolongada”.
JAPÃO JÁ ESTAVA DERROTADO
Pilger desmascarou a mentira de que a bomba atômica foi lançada para acabar com a guerra no Pacífico e poupar vidas, citando dados do próprio governo Truman.
“Mesmo sem os ataques por bombardeio atômico”, concluiu o United States Strategic Bombing Survey de 1946, “a supremacia aérea sobre o Japão poderia ter exercido pressão suficiente para provocar a rendição incondicional e evitar a necessidade de invasão. “Com base numa investigação pormenorizada de todos os fatos e apoiada pelo testemunho dos líderes japoneses sobreviventes envolvidos, é opinião do Inquérito que … o Japão ter-se-ia rendido mesmo se as bombas atômicas não tivessem sido lançadas, mesmo se a Rússia não tivesse entrado na guerra [contra o Japão] e mesmo se nenhuma invasão tivesse sido planejada ou contemplada”.
Pilger também registrou que um telegrama enviado em 5 de Maio de 1945 pelo embaixador da Alemanha em Tóquio e interceptado pelos EUA deixou claro que os japoneses estavam desesperados a rogar por paz, incluindo “capitulação mesmo se os termos fossem duros”.
A situação era tal que o secretário da Guerra dos EUA, Henry Stimson, disse a Truman que estava “temeroso” de que a Força Aérea dos EUA tivesse bombardeado tanto o Japão que a nova arma não seria capaz de “mostrar a sua força”.
Parceiros de política externa de Stimson – como o famoso planejador da Guerra Fria, George Kennan – deixaram claro estarem ansiosos “por intimidar os russos com a bomba [atômica] que mantinham ostensivamente a tiracolo”.
O general Leslie Groves, diretor do Projeto Manhattan que fabricou a bomba atômica, testemunhou: “Nunca houve qualquer ilusão da minha parte quanto a que a Rússia era nossa inimiga e que o projeto foi conduzido com base nisso”.
AS 100 BOMBAS NUCLEARES DE ISRAEL
Os 80 anos do assassinato em massa em Hiroshima e Nagasaki coincidem com o segundo ano do genocídio contra os palestinos de Gaza – quase 60 mil, na maioria, mulheres e crianças -, perpetrado ao vivo perante o mundo por um regime fascista e que não assume oficialmente mas faz questão de se gabar de possuir uma centena de bombas atômicas e de sua “Opção Sansão”, caso alguém queira impedir a perpetuação do apartheid e extermínio. E que marcha aceleradamente para a condição de Estado pária e desprezado pela maioria da humanidade, quadro que pode abrir caminho para uma zona de paz sem armas nucleares no Oriente Médio.