Ministro levou banqueiros ao presidente. Objetivo foi tentar “enquadrar” governo a cortar investimentos e programas sociais
O ministro Fernando Haddad defendeu na terça-feira (15) que o governo corte gastos sociais e investimentos públicos. Ele chamou esses recursos de “gastos estruturais”. Segundo o ministro, eles teriam crescido mais do que as receitas. Nesta quarta-feira (16), o presidente Lula condenou aqueles que consideram as despesas sociais como gastos. Lula disse isso durante o lançamento do programa Alimento Saudável no Prato, no Dia Mundial da Alimentação.
PRESSÃO CONTRA OS GASTOS
“É só o governo ou o Estado anunciarem que vão investir em Educação, em Saúde ou no combate à fome e isso imediatamente vai para as manchetes dos jornais e para seus editoriais, com críticas aos gastos do governo”, apontou o presidente. “Recursos para a Educação e a Saúde não são gastos, isso é investimento”, acrescentou Lula.
Ocorre que não são apenas os editoriais dos jornais, mas Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e Simone Tebet, ministra do Planejamento, que estão defendendo publicamente os cortes de verbas na área social. Eles falavam em limitações no BPC (Benefício de Prestação Continuada), em passar pente fino nos programas sociais, em desvinculação de benefícios da Previdência do salário mínimo e, agora, miram no “redesenho” do Seguro Desemprego.
Não satisfeito em ser apenas o porta-voz dos banqueiros no governo, Fernando Haddad resolveu levá-los pessoalmente à presença de Lula. Organizou uma reunião dos principais donos de bancos com o presidente da República na tarde desta quarta-feira (16). Haddad chegou a adiantar que o presidente já estaria a par dos problemas e que o pacote de cortes sociais, elaborado por sua equipe, estava em fase final de elaboração.
CABO DE GUERRA
Parece haver um cabo de guerra. De um lado está Lula, que disse, na solenidade desta quarta-feira (16), que o governo tem que priorizar os mais pobres na definição dos gastos públicos. E, de outro, está Fernando Haddad e sua equipe, junto com os banqueiros, que consideram que a prioridade deve ser garantir a maior fatia possível do orçamento para o pagamento de juros e refinanciamento da dívida pública.
Haddad defendeu que o governo tem que “olhar para frente e fazer com que as partes caibam no todo.” Ele afirmou que levou a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) para conversar com o presidente Lula para que os donos dos bancos “apontassem caminhos para a sustentabilidade fiscal do país, desde o equilíbrio da Previdência até os efeitos das perícias nos benefícios fiscais”. Segundo Haddad, os bancos também fizeram considerações sobre a reforma trabalhista.
Lula sabe que esses cortes na área social e nos investimentos, defendidos pelos bancos e pela equipe econômica, poderão comprometer seus objetivos de realizar um governo melhor do que suas duas administrações anteriores. Ele está fazendo um esforço grande para levantar o “avião” da atividade econômica.
Cortar gastos e investimentos numa hora destas poderá ser fatal, como ocorreu na gestão de Joaquim Levy, em agosto de 2014. Depois dos cortes, o tombo foi grande (veja tabela abaixo), O Brasil está com uma taxa de investimento de 16,8% (dados do segundo trimestre de 2024), muito abaixo do que é necessário para a retomada do desenvolvimento.
GASTOS COM JUROS
Do gasto total de R$ 5,9 trilhões, previstos para 2025 no orçamento da União, R$ 2,7 trilhões são destinados para o pagamento de juros, rolagem e amortização da dívida. Só de juros, nos últimos doze meses, foram destinados R$ 855 bilhões. Para o conjunto da sociedade são destinados R$ 2,9 trilhões. Destes, R$1,6 trilhão vão para a Seguridade Social, R$ 413,15 bilhões para gastos com pessoal, R$ 558,74 bilhões para Transferência Constitucionais e o restante para os gastos discricionários.
O que mais pressiona os gastos públicos são disparadamente as despesas com os juros da dívida. Mas a pressão dos banqueiros não é por cortes nas despesas financeiras, que são as que mais desviam recursos do Tesouro Nacional. Para eles, as despesas financeiras são intocáveis. É como se elas fossem sagradas. Eles querem cortar exatamente nas despesas que o presidente Lula considera prioritárias, ou seja, na Saúde, na Educação, na Ciência e Tecnologia, na Defesa, etc.
SOCIEDADE ESTRANGULADA
De tudo o que é arrecadado, separa-se, de imediato, o que vai para os juros dos bancos. O que sobra é dividido para toda a sociedade. É sobre este pouco que sobra para a sociedade – batizado de “gasto primário” – que Fernando Haddad quer fazer os cortes. Ele faz isso para “acalmar” os banqueiros que querem ganhar cada vez mais com os juros. Não é por outro motivo que eles pressionam no sentido de que o Brasil tenha uma das taxas de juros mais altas do mundo.
Na entrevista desta quarta-feira (16), Fernando Haddad não deixou dúvida de qual é a sua prioridade. Ele disse que o objetivo dos cortes é dar vida longa ao seu arcabouço fiscal. Garantiu que o gasto público “já está contido” por conta do arcabouço. “Vida longa ao arcabouço fiscal para que não paire mais incertezas sobre a trajetória das finanças públicas no Brasil”, disse Haddad. A reunião dos banqueiros com Lula, montada por ele, só serviu para elevar a pressão sobre o governo pelos cortes.
SÉRGIO CRUZ