Na famosa entrevista à Folha, ele disse que a esquerda errou ao se prender a “ideias ultrapassadas”. “Moderno”, para o ministro, é “administrar” o neoliberalismo
Em recente entrevista à Folha de S. Paulo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se apresentou como o mais ferrenho defensor da aplicação do receituário neoliberal na economia brasileira. Admitiu a necessidade de um teto de gastos, advogou pela manutenção do arrocho fiscal, defendeu cortes nos gastos sociais e nos investimentos públicos e justificou a manutenção de juros em níveis proibitivos para o investimento produtivo.
FÉ CEGA NO CAPITAL ESTRANGEIRO
Mas o que chamou a atenção na entrevista de Haddad foi o seu cinismo na defesa explícita do neoliberalismo. Advogado ferrenho de praticamente todos os dogmas neoliberais, entre eles a manutenção da ditadura fiscal e a fé cega no capital estrangeiro, o ministro culpou, não a intensificação da espoliação dos trabalhadores e dos povos, e a ganância desenfreada dos monopólios dos países centrais, pela ascensão do fascismo, mas sim o “nacional desenvolvimentismo” brasileiro.
Assista aqui ao trecho citado da entrevista
Ele foi obrigado a admitir que a extrema direita está avançando no mundo com o declínio do neoliberalismo, mas se propõe a defender o modelo e mantê-lo no Brasil a todo custo.
Procura, é certo, passar um “verniz de modernidade” nas políticas antinacionais e de arrocho impostas ao país por esta doutrina falida. E se lança como um “gerente moderno” para administrar a crise capitalista. Faz isso, mesmo que essa sua insistência possa afundar o governo Lula.
ACABAR COM A ERA VARGAS
Assim como Fernando Henrique Cardoso, Haddad também decretou que o país tinha que se livrar da “Era Vargas”. E foi exatamente por conta dessa ideia retrógrada, iniciada nos anos 90, que teve início a debacle nacional. Como um direitista de carteirinha, ele também não podia deixar de criticar – como causa da crise – a primeira experiência socialista no mundo, ocorrida na União Soviética.
O problema para o ministro, foi o exemplo “equivocado” do socialismo entre os brasileiros. Disse que a “esquerda” do país errou ao se prender a “esquemas ultrapassados”, como o nacional desenvolvimentismo e a experiência socialista. Avançado mesmo, para o ministro, era – e continua sendo – a “modernidade neoliberal”.
Desde que a ideia, considerada por Fernando Haddad como “ultrapassada”, do nacional desenvolvimentismo foi interrompida no Brasil, primeiramente de forma parcial pelo golpe de 64, e depois, mais intensamente, pela onda neoliberal da década de 90, o país se desindustrializou e retrocedeu. A média de crescimento, que foi de 7% entre os anos 30 e 80, baixou para menos de 2% ao ano nas últimas décadas, com alguns raros momentos – como o segundo mandato de Lula – em que o país conseguiu crescer a 4% em média.
TRIPÉ MACROECONÔMICO
Com a permanência do “tripé macroeconômico”, da ditadura fiscal e dos juros mais altos do mundo, defendidos pelo ministro, o país vem se debatendo em prolongada estagnação econômica. Neste período o Brasil empobreceu e voltamos a nos pendurar nas exportações de poucas commodities. Deixamos de ser um país industrial e estamos voltando a ser o “fazendão”, produtor de alimentos, como éramos antes da Revolução de 1930.
A taxa de investimento, que já foi de 25% do PIB, hoje está em 16,8%, muito abaixo do necessário para que o país volte a crescer. A indústria que já foi mais de 30% do PIB, hoje é menos de 11%. Os empregos no Brasil da atualidade estão extremamente precarizados e os trabalhadores sem direitos e sem futuro.
Reprimarizamos a nossa pauta de exportações e perdemos, desde a adoção do Consenso de Washington, em 1989, a relevância na economia mundial. O país empobreceu. Nossa participação no PIB mundial caiu de 4,3% em 1980 para 2,5%, em 2020. Os brasileiros tinham, em 1980, uma renda média 60% superior à renda média mundial, enquanto, hoje, estamos abaixo da média mundial.
Ele culpa a “esquerda” por essa tragédia. Diz que ela se prendeu erradamente ao nacional desenvolvimentismo. Mas, é a sua insistência em manter a politica neoliberal a todo custo, mesmo que isso signifique a estagnação econômica e a desindustrialização do país, que aprofunda a crise e abre espaço para o fascismo.
ABANDONO DO DESENVOLVIMENTO
Se houve o tal “erro da esquerda”, como aponta o ex-professor da USP, ele certamente está na convivência “pacífica” com elementos como ele, que defendem a aplicam a politica neoliberal contra o desenvolvimento do país. O “erro” não foi “se prender” ao nacional desenvolvimentismo, mas exatamente em tê-lo abandonado e permitido que o neoliberalismo se criasse no Brasil.
O empenho do ministro em defender com unhas e dentes, inclusive explicitamente, os interesses do “pessoal da Faria Lima” e manter intocável seus privilégios é tão grave que levou alguns economistas, entre eles, Paulo Kliass, a alertar o presidente da República sobre o chamado risco Haddad”. “O risco Haddad é o fator de perigo que pode conduzir o Brasil a um ponto de não retorno às esperanças apontadas pelos constituintes na Carta aprovada em 1988”, advertiu Kliass.
Haddad falou explicitamente na entrevista em nome da Faria Lima, como se pode ver neste trecho. “(…) A Faria Lima está, com razão, preocupada com a dinâmica do gasto daqui para a frente. E é legítimo considerar isso com seriedade. (…) O que a Faria Lima está apontando — na minha opinião, com algum exagero em relação ao preço dos ativos brasileiros — é que a dinâmica [dos gastos] para a frente é preocupante (…)”
E, ao mesmo tempo que deu a entrevista, intensificou a pressão sobre Lula com vistas à “unificação do discurso” pelos cortes sociais e dos investimentos públicos. Chegou a montar, praticamente no mesmo dia da entrevista, uma reunião da nata da especulação e do parasitismo com o Presidente da República, no Planalto, para impedir qualquer vacilação na aplicação de seu receituário.
Disse, abertamente, como ele mesmo contou, ao presidente da República, que as “partes”, leia-se Educação, Saúde, Previdência Social, etc, não cabem no “todo”. Argumentou ser inevitável alterar os “gastos estruturais”. Por gastos estruturais, leia-se aposentadorias, pisos constitucionais de Saúde e Educação, salários de servidores, BPC (Benefício de Prestação Continuada), Seguro Desemprego, Abono Salarial, etc, etc.
NEOLIBERALISMO FRACASSOU
Há um consenso de que o credo neoliberal fracassou em todo o mundo com a crise e o colapso financeiro de 2008. Porém, cinicamente, o seu receituário se mantém como regra imposta pelas potências aos países da periferia.
As matrizes do império, ao contrário do que impõem aos outros, usaram internamente o Estado para injetar trilhões de dólares. O fizeram, é claro, para salvar seus bancos e monopólios. Não tiveram a menor cerimônia em elevar seus “gastos primários” como nunca antes visto. Desmoralizaram o tal “Estado mínimo”. A dívida pública é um problema só para os países emergentes, alardearam os senhores de Wall Street.
Lá, ela tem que se manter rigorosamente dentro de limites rígidos, decretaram. “Eles só podem gastar o que arrecadam”, acrescentaram os financistas. Como diz o dito popular: “faça o que eu digo e não o que eu faço”. A manutenção das regras neoliberais exclusivamente para a periferia tem como objetivo obrigar países como o Brasil a elevar seus juros e cortar investimentos para intensificar a transferência de recursos para o centro em crise. É assim que eles planejam debelá-la. E estão contando com os caríssimos préstimos de Fernando Haddad.
SÉRGIO CRUZ