Pelo quinto dia consecutivo, manifestantes na capital Porto Príncipe exigem a renúncia do presidente Jovenel Moise e repudiam a corrupção, a carestia e os apagões. “Nós não queremos mais esse presidente!”, é o grito que toma conta das ruas no Haiti.
As manifestações tiveram início no dia 7, data da queda da ditadura de Baby Doc há 33 anos e da posse de Moise em 2017. Nos confrontos, duas pessoas morreram na quinta-feira e mais uma no sábado. Barricadas foram erguidas em algumas áreas e carros foram queimados, inclusive viaturas policiais. Tropas de choque foram apedrejadas.
Dois dias antes do início dos protestos, o governo Moise havia decretado “emergência econômica nacional”, em decorrência do colapso da moeda haitiana frente ao dólar, da carestia e dos apagões, e se preparando para “apertar os cintos” de quem já não tem quase nada, sob o pretexto do “déficit orçamentário” descontrolado. No ano passado, o crescimento do PIB foi de apenas 1,5%.
O envolvimento do presidente Moise no escândalo da malversação dos empréstimos da PetroCaribe jogou mais lenha na fogueira da indignação do povo haitiano. Conhecido como o Homem Banana, sua empresa, a da Agritans, que produz bananas, recebeu mais de 32 milhões para construir uma estrada que não ficou pronta. Locupletaram-se também na corrupção todos os seis ex-primeiros-ministros desde a derrubada do presidente Jean-Bertrand Aristide, conforme o Tribunal de Contas haitiano.
O colapso do gourde frente ao dólar é conseqüência da política do Federal Reserve de deixar as taxas reais negativas e voltar a taxas mais normais, o que conduziu à valorização do dólar, que também já afetou outros países, como a Turquia e a Argentina.
Mas como o país devastado pela ditadura de décadas, pelas intervenções norte-americanas e por um terrível terremoto importa quase tudo, o resultado é a carestia, a que se juntam os apagões, decorrentes das dificuldades vividas pela Venezuela, que fornecia petróleo a preços mais baratos para os países irmãos, usado nas termelétricas.
Um dono de padaria na cidade de Jacmel, no sudeste, disse ao Haiti Progres que o saco da farinha, que era comprado “há não muito tempo atrás a 1750 gourdes”, em pouco tempo chegou a 2000, e “esta semana já subiu para 2.000 gourdes”. Segundo a Coordenação Nacional de Segurança Alimentar, 4,5 milhões de pessoas têm insegurança alimentar no país. O país conta com tão somente US$ 800 milhões como reservas.
Em declarações ao jornal Le Nouvelliste, o assessor especial de Moise, Guichard Doré, afirmou que o déficit orçamentário “será drasticamente reduzido a um bilhão de gourdes por mês” – o que significaria um corte da ordem de dois terços – e todos os gastos “não essenciais” serão podados, para aliviar a pressão sobre a cotação do dólar.
O país está há mais de uma década sob “estabilização” de força da ONU e foi alvo do conhecido espírito beneficente da Fundação Clinton. Com o agravamento da crise, estão de volta as mortes por afogamento, no Caribe, de refugiados que fugiam da fome no Haiti, 28 só na semana passada, em busca da sorte nos EUA.
Até agora, o parlamento sequer votou o orçamento de 2019. Com os empréstimos para “desenvolvimento econômico e social” sendo de US$ 2 bilhões em dez anos, explica-se a cólera diante da corrupção e da impunidade. Conforme a denúncia do TCU haitiano, na malversação há “contratos sem detalhes sobre as obras e até sem prazo, orçamentos que duplicam ou triplicam sem justificativa” e “invocações abusivas” da lei de emergência aprovada após o terremoto de 2010.
O jornal Haiti Liberté ironizou o anúncio do primeiro-ministro do governo Moise, Jean-Henry Céant, de que o Estado haitiano acaba de registrar queixa contra os malversadores dos fundos do PetroCaribe, como a “primeira vítima” da fraude. “Nesse sentido, podemos concluir que o Estado haitiano apresentou queixa contra o atual presidente, Jovenel Moise?”, indaga o jornal.
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