Nesta sexta-feira (28), foi cantado na Congregação Israelita Paulista o Hino dos Partisans como é denominado o hino entoado pelos que se levantaram contra o massacre nazista nos guetos onde estavam confinados os judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
O Hino dos Partisans (escrito pelo prisioneiro no Gueto de Vilna, Hersch Glik), faz parte do repertório do Coral Tradição, integrado à Casa do Povo, e dirigido pela maestrina Hugueta Sendacz.
Uma apresentação do Coral, cantando o hino e diversas outras músicas referentes à luta contra o nazismo (a exemplo do Hino da Juventude) e ao sofrimento por eles provocado (como na música Shmulik, de um garoto órfão, que anseia pelos pais perdidos no extermínio), ocorreu também no dia 19, quando a Casa do Povo realizou a solenidade denominada “80 anos de Levantes, Comemorações dos 80 anos do Levante do Gueto de Varsóvia”.
Traduzido pela maestrina Hugueta, o Hino dos Partisans afirma:
Nunca digas que esta é sua última caminhada/ Apesar dos céus cinzentos esconderem dias luminosos/ A hora tão ansiada certamente chegará/ Nossos passos troarão/ Estamos aqui!/ Desde o país de verdes palmeiras até o longínquo país da neve/ Chegamos com nossa angústia, com nossa dor/ E onde caiu uma gota de nosso sangue/ Brotará nossa coragem e nosso espírito/ O sol do amanhecer brilhará dourará nosso hoje/ E o ontem desaparecerá com o inimigo/ Mas, se demorar o sol e a alvorada/ Que esta canção seja uma mensagem passada de geração a geração.
HINO DOS PARTISANS NA ASSOCIAÇÃO SCHOLEM ALEICHEM – RIO
O Hino foi também cantado no Rio de Janeiro pelo Coral da ASA (Associação Scholem Aleichem), em um evento realizado em conjunto com a Associação David Frischman, de Niterói, as organizações juvenis Hashomer Hatzair e Dror, além do Museu Judaico e Memorial Judaico de Vassouras.
O presidente da ASA, Mauro Band, em entrevista ao jornal Hora do Povo, destacou que “o Hino dos Partisans traz a máxima a ser adotada por todo revolucionário: mir zainen do – estamos aqui -, para lutar por todos, e zog nit kein mol az du geist dem letzten veg – nunca digas que este é o último caminho – mesmo diante das maiores adversidades”.
“A importância do hino se dá na indução do pensamento ao combate, independente do problema, para que todos os esforços envidados sejam benéficos para a sociedade”, acrescentou Mauro.
CHAMA ACESA
Como diz o portal da Casa do Povo, o evento do dia 19, em São Paulo, “foi o ato inaugural de uma série de eventos que ocorrem do dia 19 de abril a 16 de maio”, período que durou o Levante do Gueto de Varsóvia.
Entre os momentos mais significativos da noite inaugural, o acender de seis velas, uma para cada milhão de judeus mortos durante a vigência da ocupação nazista na Europa.
Entre as personalidades que acenderam velas nesta noite destacamos a vereadora Maria Tereza Capra que teve seu mandato como representante municipal em São Miguel do Oeste, após denunciar um grupo bolsonarista que fez um gesto nazista ao chamar intervenção militar contra o governo de Lula, que se iniciava.
A integrante do Coral Tradição, Marilza Pereira; a historiadora Dina Lida Kinoshita, o vereador Daniel Annenberg, Clarisse Goldberg, integrante do Observatório Judaico de Direitos Humanos, a diretora da Casa do Povo, Monica Novaes Esmanhoto, também acenderam velas.
80 ANOS DE LEVANTES
A oradora da noite, a filósofa e ecologista Deborah Danowski, autora de ensaios como “Há mundo por vir?” e “Negacionismos”, referiu-se ao Levante do Gueto de Varsóvia como um dos levantes nestas dezenas de anos que nos separam daquela sublevação e fez questão de incluir o Levante Palestino, contra a ocupação israelense de seus territórios e por autodeterminação deste povo. Referiu-se aos problemas climáticos a serem hoje enfrentados como “um levante do planeta Terra” às agressões ao ecossistema, incluindo sua fauna e sua flora.
Para Deborah, “o negacionismo da destruição do meio ambiente se organiza por meio dos mesmos mecanismos do negacionismo em relação à Shoah (nome hebraico para o Holocausto)”, como tentam fazer os saudosistas do nazismo e que querem de volta este regime de trevas e destruição.
A programação de São Paulo inclui, além da solenidade do dia 19 e o ato do dia 28, uma sessão solene na Câmara Municipal de São Paulo, no dia 25, por iniciativa da vereadora Luna Zaratini, um debate no Memorial da Resistência, no dia 29, com a participação de Lilian Satarobinas e Samuel Neuman, e, ainda, a exposição do trabalho de Carlos Scliar, “O reencontro com o Levante do Gueto” de Carlos Scliar, que vai até o dia 16 de maio.
A programação da Casa do Povo foi aberta pelo seu diretor Benjamin Seroussi, que fez referência ao chamado publicado no portal da Casa do Povo, que destaca: “o Levante manteve acesa a chama da resistência, mostrando ser possível levantar-se contra a máquina de morte nazista. Não por acaso, após o fim da Segunda Guerra Mundial, a criação da Casa do Povo no Bom Retiro foi anunciada em homenagem a este acontecimento”.
“Se ‘lembrar é agir’, acrescenta, “como temos repetido na Casa do Povo, cada comemoração do Levante é um levante em si”.
“O ano de 2023 não remete somente a um fato que aconteceu há 80 anos, mas marca também a celebração de 80 anos de encontros ininterruptos. A Casa do Povo atravessou tempos conturbados nas últimas décadas”.
Como diz o portal, nem com a ditadura, a data deixou de ser comemorada e também se lembra o levante agora, diante do “frágil processo, ainda em curso, de redemocratização”.
“A data é sempre uma convocação para também olhar para as lutas em curso no tempo presente, e com as quais devemos nos solidarizar. Por isso, apesar de o Levante ser uma data secular, ele também carrega a potência dos rituais religiosos, e busca invocar, de geração em geração, uma ancestralidade de luta, resistência e resiliência”, diz o chamado à comemoração.
Na sala lotada por centenas de pessoas, também foi exibido o trabalho do grupo ColeraAlegria, grupo de artistas plásticos que “busca a criação de distintas formas de expressão política e defesa da democracia, a partir da produção coletiva de cartazes, bandeiras e estandartes”, exibindo bandeiras referentes aos 80 anos do Levante.
MANIFESTO INTERNACIONAL É LIDO NO RIO E SÃO PAULO
Entidades judaicas do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, França e Canadá apresentaram documento alusivo ao Levante. O manifesto teve trechos lidos nas solenidades da Casa do Povo (SP) e da ASA (RJ).
Seguem trechos principais do documento:
Todos são irmãos/ Negros, brancos, marrons, amarelos/
Somente as cores são diferentes, porém sua natureza é a mesma!
Isaac Leon Peretz, escritor em língua Yidish
O levante do Gueto de Varsóvia
Esta declaração internacional no 80º aniversário do Levante do Gueto de Varsóvia, que está assinada por entidades judaico-progressistas e democráticas, é uma grande manifestação em homenagem ao legado que foi deixado pelos combatentes, mártires, vítimas e sobreviventes contra o nazismo, o fascismo e o neonazismo, assim como contra as novas ameaças criminosas da guerra e contra o imperialismo.
Pela Paz, pela Humanidade, pela liberdade dos povos, pelo progresso, pelo respeito aos Direitos Humanos Universais. Pelo compromisso com o legado político e os desejos mais profundos dos heroicos e heroicas combatentes do Gueto.
A História
Com a invasão da Polônia em setembro de 1939, se inicia a Segunda Guerra Mundial. É outubro de 1940. Os nazistas decretam a criação do Gueto de Varsóvia, onde é confinada a massa de judeus falantes de iídiche, toda uma cultura.
A cultura judaica em iídiche foi fundamental no contexto do Gueto. Sua defesa implicou na guarda da própria história e de uma cosmovisão, visto que este Idioma tinha algo de próprio e singular.
É junho de 1941. Após a invasão alemã à União Soviética e seu avanço até as portas de Moscou, a URSS declara a Grande Guerra Patriótica contra o inimigo nazista e seus aliados.
É janeiro de 1942, e na Conferência de Wannsee se sistematiza a “solução final ao problema judeu”: o extermínio em massa de judeus, missão encomendada às SS, apoiadas pela Gestapo e a Polícia nazista. Passados poucos meses deste evento, na Batalha de Stalingrado, o Exército Vermelho da URSS consegue uma vitória decisiva sobre o Exército Nazista (Wehrmacht).
Neste ano também se constrói no Gueto o Bloco Antifascista – com Józef Lewartowski [do Partido Comunista Polonês, autor do Chamado à luta dirigido aos moradores do gueto, “Der Ruf”] e Andrzei Schmidt na liderança – que pretendia incorporar-se à luta internacionalista de libertação dos povos oprimidos, na tática das frentes populares. Estas primeiras lideranças são presas pelos nazistas.
No verão de 1942, apesar da resistência de alguns grupos, mas com a passividade de quem fora dominado física e psicologicamente, aproximadamente 300.000 pessoas são deportadas de Varsóvia a Treblinka, um dos cinco centros de extermínio em massa de judeus: entre gases, tiros e perseguições, ficaram apenas uns 60.000 judeus no Gueto.
Durante aqueles anos, no meio de tanta desolação surgiram no Gueto luzes brilhantes que nos iluminam até hoje: o lar de crianças órfãs do Dr. Janus Korczak, o arquivo clandestino de Emmanuel Ringlelblum – fundamental, juntamente com os depoimentos e as publicações periódicas, para a reconstrução histórica daquele horror –, entre outros.
A frente político-militar
O ponto máximo da resistência foi a criação, no final de 1942, da Organização Judaica de Combate (ZOB – Żydowska Organizacja Bojowa, ייִדישע קאַמף אָרגאַניזאַציע em iídiche): a Frente Político Militar é integrada pela maioria dos Partidos Políticos do Gueto – Sionistas, Sionistas Socialistas, Socialistas, Comunistas e outros.
Em novembro de 1942 a Organização Judaica de Combate declara como traidor seu próprio Conselho Comunitário Judaico (Kehilá) – Judenrat, de orientação colaboracionista – e a Polícia Judaica: inicia-se a reorganização do movimento clandestino no Gueto.
É 19 de abril de 1943. O exército nazista, a mando do general Jürgen Stroop, entra no Gueto de Varsóvia com a missão de liquidá-lo e deportar os 60.000 judeus remanescentes para os campos de extermínio. Justamente nesse dia, nesse ano, se iniciava a celebração do Pessach, importante festa judaica na qual se comemora a libertação dos escravos judeus no Egito. Evocando a mensagem de liberdade que esta festividade representa, iniciou-se o Levante.
A ZOB, agora com Mordechai Anilewicz à frente – mais tarde sucedido por Marek Edelman –, e constituída na sua grande maioria por jovens que não tinham mais que 22 anos, organizou e começou a resistência, quase sem armas, apenas com a vontade de lutar. Assim como estes homens, também estiveram na liderança mulheres como: Niuta Teiltelbaum, Rosa Rosenfeld, Zosia Iamaika, Ludka Arbesman, Renia Niemetza, Margosia Zalstein, Esther Berenholz, Sonia Papierbuj, Halinka Rojman, Zoia Brzesinka, Schajne Faingold, Emilia Landau.
Sabiam que não lutavam pelas suas vidas, mas pela dignidade do gênero humano em si, pelo respeito próprio, pela igualdade, a liberdade e a solidariedade. Para aqueles que combateram não era apenas uma luta entre bons e maus, mas sim a forma de como se apresentar aos seus carrascos: dóceis ou rebeldes.
Na atualidade, ante o ressurgimento do nazifascismo reconstruído em escala mundial, e diante do antissemitismo em crescente expansão e agressividade, esclarecer, difundir e abraçar as lições deixadas pelo histórico levante é um dever ineludível e impostergável. Devemos educar para prevenir um possível novo genocídio.
O Levante
Os jovens moradores do Gueto iniciaram, nos esconderijos subterrâneos, desde o Bunker da rua Mila 18, uma revolta armada que durou quatro semanas, em condições desiguais, contra o exército alemão. Sua comovente força simbólica é a nossa bandeira.
Os inúmeros – simples porém colossais – atos dos combatentes do Gueto, contribuíram para um futuro – que hoje é o presente – com espaço para a liberdade, a emancipação dos povos, os Direitos Humanos, a Justiça e a dignidade, constituíram a Resistência: uma bela e elevada criação do Humanismo militante.
Uma lição para qualquer tempo
Que lição de vida nos foi deixada pelos e pelas combatentes! Eles e elas, frente à adversidade, priorizaram a unidade. Entenderam que a única batalha que com certeza se perde é aquela que não se luta. Este é um dos mais importantes significados de seu legado. O Levante do Gueto de Varsóvia frente à barbárie nazista já pertence ao patrimônio da Humanidade.
Hoje, mais que nunca, devemos lembrar aqueles que combateram no Gueto de Varsóvia, resgatar seus valores coletivos: a vida, a dignidade humana, a rebeldia de oprimidos contra opressores, a liberdade, a responsabilidade, a solidariedade, o respeito pela diferença, a justiça e igualdade. Devemos também transmiti-los às novas gerações, pois hoje, mais do que em qualquer outro momento, cada ação solidária para com a vida contribui para forjar uma sociedade justa e humana. Lutamos por um mundo onde sejamos “socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”, assim como sinalizou Rosa Luxemburgo.
O atual crescimento da direita
O Levante deve servir, também, como exemplo na luta contra o negacionismo e as fake news, essas mesmas ferramentas já empregadas pelo nazismo quando disseram à população judaica do Gueto que sua deportação (à morte) tinha como objetivo melhorar suas condições de vida. Hoje, as possibilidades de manipulação são cada vez maiores, mas as estratégias são as mesmas: a cultura do medo, o discurso de ódio, a construção de um inimigo comum, o esvaziamento da linguagem, junto do desenvolvimento tecnológico, os algoritmos e a inteligência artificial. Este é o caldo de cultura do atual ressurgimento da extrema direita em todo mundo.
Olhar para o Brasil, olhar para Israel
A terrível experiência que viveu o Brasil recentemente, que se mimetizou com o nazifascismo, deve servir de advertência a todos os povos. A profundidade e a solidez com que se enraizou na mente de quase a metade de sua população é uma lição candente que os democratas de todas as tendências e latitudes devemos compreender.
Também é necessário olhar para o Estado de Israel, onde parte da população honra a memória do Levante quando se mobiliza e luta para evitar a transformação dos oprimidos em opressores; para não dar um aval às justificativas cínicas ou hipócritas para qualquer barbárie ou perversão. Como nunca antes na história da evocação do Gueto, que já conta oito décadas, lamentavelmente não há espaço para dúvidas – e isto nos gera uma grande preocupação – sobre onde estão localizadas, naquele contexto, muitas das forças dirigentes que comandam a atual política de extrema direita que guia o Estado de Israel. Essa política está gerando, para o próprio Estado, um destino incerto e perigoso, que pode implicar desde a destruição de seu sistema democrático até sua conversão em uma ditadura.
Nesta perspectiva é necessário lembrar que no presente ano também se cumprem 50 anos do golpe de estado no Uruguai; 50 anos do golpe de Estado contra Allende, no Chile; 40 anos da restauração da democracia na Argentina e 190 anos da ocupação britânica das Ilhas Malvinas. A consciência do passado ilumina os caminhos do futuro.
Nossas organizações nasceram no calor da luta antifascista e se uniram para combater o fascismo. Hoje, como ontem, devemos nos posicionar na primeira linha de combate, junto com todas as outras forças democráticas, na unidade contra os movimentos de extrema direita que avançam no mundo e ameaçam toda a humanidade.
MIR ZAINEN DO! !ָדא נען זײ מיר (ESTAMOS AQUI, como diz o Hino dos Partisans)
A Democracia não se negocia, porque Nunca mais é Nunca mais
Pela Memória, pela Verdade, pela Justiça
Não esquecemos, não perdoamos. Não nos reconciliamos com os genocidas de ontem, nem com os de hoje, nem com os de amanhã
Façamos nossa a letra do Hino dos Partisans. Vamos juntos em busca de nossa e vossa Liberdade
Assinam:
Judeus Progressistas de Curitiba – Brasil
Museu do Holocausto – Brasil
Argentinos Amigos da Paz Ahora – Argentina
Asociación Cultural Israelita de Córdoba – Argentina
Asociación Cultural Israelita de Tucumán – Argentina
Asociación Cultural Israelita Dr. Jaime Zhitlovsky – Uruguai
Asociación Cultural y Deportiva Israelita Argentina I. L. Peretz de Santa Fé – Argentina
Agrupación Judía Diana Arón – Chile
Asociación Sholem Buenos Aires – Argentina
Associação David Frischman de Cultura e Recreação – Brasil
Associação Sholem Aleichem – Brasil
Casa do Povo – Brasil
Centro Cultural Israelita de Mendoza – Argentina
Centro Cultural Israelita I. L. Peretz de Lanús – Argentina
Centro Cultural Israelita Rosario – Argentina
Centro Cultural y Deportivo Israelita de Ramos Mejía – Argentina
Centro de Documentación y Biblioteca Pinie Katz – Argentina
Centro Literario Max Nordau – Argentina
Coro Popular Morde Guebirtig – Argentina
Federación de Entidades Culturales Judías de la Argentina – Argentina
IFT Idisher Folkjs Teater – Teatro Popular Judio – Argentina
Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil – Brasil
Union des Juifs pour la Résistance et L’Entraide – França
United Jewish People’s Order – Canadá
NATHANIEL BRAIA