Há 69 anos, com sua vida, ele levantava o povo e derrotava o golpe urdido na Casa Branca e conduzido por seus lacaios dentro do país. Agora que enterramos mais uma tentativa golpista, a hora é de reverenciar Getúlio e avançar na luta
Neste momento em que a Justiça brasileira processa, condena e prende elementos fascistas que, insuflados por Bolsonaro, tentaram dar um golpe de Estado no Brasil, nós lembramos nesta data – 24 de agosto – de um outro momento histórico de grande envergadura. O dia – há 69 anos – em que Getúlio Vargas, líder da revolução de libertação nacional, deu sua vida e, com isso, levantou milhões de brasileiros para derrotar o golpe antinacional que se preparava contra o Brasil.
Os reacionários, orquestrados pela mídia colonizada, não conseguiam conviver com o crescimento econômico proporcionado pelo projeto revolucionário e modernizador de Getúlio. Não admitiam que os trabalhadores obtivessem conquistas e direitos e vivessem uma vida digna. O plano dos entreguistas da década de 1950 era o mesmo pregado por Bolsonaro e sua quadrilha nos dias de hoje. Manter o Brasil como um país eminentemente agrícola, atrasado e exportador de matérias primas e de bens primários, em suma, um mero apêndice dos EUA.
É certo que o sacrifício de Getúlio naquele momento foi grande e doloroso para sua família e para o país. O líder inconteste da primeira fase da revolução nacional e democrática do Brasil foi obrigado a dar sua vida para interromper a marcha golpista que estava em andamento.
Assim que se tornou público, o episódio despertou a santa ira popular contra os lacaios do imperialismo. O heroísmo do presidente só haveria de confirmar o que já se sabia sobejamente: Getúlio tinha um profundo compromisso com a Pátria e com o povo brasileiro, particularmente com os trabalhadores.
Aos que tentaram, e até hoje tentam, minimizar a importância do gesto e a sua consciência, ou afirmar que foi um ato de desespero e de descontrole, a realidade se encarregou de desmentir e esclarecer. O gesto foi um ato corajoso do presidente da República para deter o golpe que estava em andamento. Dois são os fatos que revelam a grandeza e a consciência da atitude de Getúlio.
O primeiro foi a conversa dele com seu filho, Lutero Vargas, que era médico, alguns dias antes do desfecho político da crise. Getúlio perguntou ao filho onde exatamente ficava o seu coração. Pediu que ele apontasse em seu peito exatamente qual era a localização. Lutero obedeceu e não entendeu do que se tratava. Ele só ligou os fatos alguns dias depois, quando do desfecho da crise e diante da atitude tomada por seu pai.
O outro fato a confirmar a intenção consciente de Getúlio, foi a elaboração do mais importante documento já feito contra a dominação imperialista no Brasil. A carta foi divulgada algumas horas após a sua morte. Um manifesto vigoroso que levantou o país de forma arrebatadora contra os golpistas.
A sua Carta Testamento atingiu mortalmente os golpistas e entreguistas que já se achavam na iminência da tomada do poder. Eles não sabiam o que lhes estava reservado. Ninguém “desesperado” ou “descontrolado” elabora um libelo tão potente, tão profundo e tão arrasador contra o imperialismo como o que Getúlio escreveu. Sua atitude consciente e corajosa garantiu a vitória do povo brasileiro.
Junto com Getúlio, na reunião ministerial, realizada na noite que antecedeu ao ato heroico, se levantou outro patriota, Tancredo de Almeida Neves, então ministro da Justiça do governo. Entre todos os ministros presentes à reunião, foi quem defendeu corajosamente a resistência ao putsch lacerdista. Três décadas depois, Tancredo retomaria o fio de sua história de luta. Ele liderou, junto com outros grandes brasileiros, a vibrante caminhada para colocar por terra a ditadura antinacional implantada em 1964.
O episódio em si do suicídio de Getúlio já havia despertado a população da confusão criada pela gritaria reacionária e ampliada histericamente pela imprensa pró-americana e antigetulista. Mas, o testamento, literalmente, incendiou o país.
Os verdadeiros corruptos deste país bradavam cinicamente contra uma suposta corrupção no governo Getúlio. Foi a carta testamento, entregue por Getúlio ao seu herdeiro político e futuro presidente, João Goulart, que, quando chegou às ruas, estampada nas páginas da Última Hora, virou o jogo e provocou uma verdadeira comoção em toda a população brasileira.
Milhões saíram às ruas para protestar contra os golpistas e se despedir de seu líder. Os serviçais do império desapareceram rapidamente. Não se via nenhum deles em lugar algum. Se esconderam como ratazanas e vermes. O ventríloquo maior da Casa Branca, Carlos Lacerda, insuflador do golpe, só escapou da fúria do povo porque se escondeu apressadamente dentro de uma caixa d´água.
Em todo o Brasil, passeatas monstros percorreram as ruas protestando contra tudo o que se ligasse à UDN, à oposição e ao governo dos EUA.
Conta-se que, em Porto Alegre, capital gaúcha, naquela manhã de 25 de agosto, a multidão, calculada em cerca de 50 mil pessoas, caminhava pelas ruas da cidade, depois de já ter detonado as sedes dos jornais golpistas e dos partidos entreguistas e procurava outros símbolos da traição para também quebrar, quando se depararam com um bar que tinha um letreiro luminoso com os dizeres “American’s Bar”. Não deu outra, a multidão enfurecida depredou totalmente o bar por “representar” os interesses do “imperialismo americano”.
O manifesto deixado por Getúlio foi certeiro em apontar o imperialismo americano como o principal mentor do golpe de Estado que se pretendia dar no país. O Brasil soberano e moderno era intragável para os governantes americanos, que nos queriam como seu quintal. A luta de Getúlio contra os monopólios e bancos americanos nesta época era titânica.
Por aqueles tempos os imperialistas americanos haviam amargado a perda da mamata na China. O gigante asiático, liderado por Mao Tsé-Tung, mandara a exploração estrangeira às favas. Nesta época também, eles já não eram mais exclusivos no domínio das armas nucleares – desde 1949 a URSS criara a sua bomba – e tinham acabado de levar uma surra exemplar da pequenina e valente Coreia Popular.
Os Estados Unidos estavam num verdadeiro ataque de nervos. E é importante notar que nem havia ainda começado a surra vexaminosa que eles tomariam, logo e seguida, do valoroso e combativo povo vietnamita.
A sanha pelo controle das riquezas do Brasil e a ideia fixa dos ocupantes da Casa Branca de impor governantes capachos no Brasil para melhor sangrar o país e sugar o seu povo foi desmascarada de forma demolidora por Getúlio em sua carta-testamento.
“A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre”, denunciou Getúlio.
“Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder”, acrescentou o presidente.
A coragem de Getúlio e a carta testamento derrotaram o golpe. Nestes 69 anos, desde o gesto grandioso de Getúlio, muita coisa aconteceu no Brasil. O povo lutou com todas as suas forças para garantir, manter e ampliar os direitos conquistados pela Revolução de 1930 e para avançar ainda mais na luta social e politica e na libertação econômica definitiva do país. Tivemos avanços e recuos. Mas, o que é certo e incontestável é que muitos passos atrás foram dados em toda essa jornada.
O imperialismo conseguiu nas últimas décadas importantes tentos contra o Brasil e os brasileiros, principalmente na fatídica era neoliberal. Assistimos ao desmantelamento das empresas estatais estratégicas, ao desmonte do Estado Nacional, o ataque raivoso aos direitos trabalhistas e sindicais, a alienação das empresas brasileiras ao capital estrangeiro e ao fechamento de muitas indústrias. O parasitismo e a especulação tomaram conta de nossa economia em prejuízo da produção e do bem estar da população.
A melhor homenagem que podemos fazer neste momento ao maior estadista brasileiro e ao líder da revolução brasileira é aproveitar a oportunidade aberta com a vitória nas últimas eleições pelo presidente Lula e a existência de um governo democrático e popular liderado por ele, para fazer o Brasil retomar a senda da libertação nacional, promover o desenvolvimento econômico, recompor os direitos perdidos dos trabalhadores e rumar para um futuro grandioso e solidário. Viva Getúlio!
SÉRGIO CRUZ