“Mais de 300 dos 424 mil analfabetos hondurenhos já sabem ler e escrever. Estamos empenhados em alcançar o êxito do programa até o final do ano”, afirma Jaime Rodríguez. Vitorioso projeto cubano foi retomado pela presidente Xiomara Castro, paralisado pelo golpe de 2009 contra o governo de Manuel Zelaya
“Honduras está erradicando o analfabetismo, herança da narcoditadura”, afirmou o vice-ministro da Educação, Jaime Rodríguez, comemorando o êxito do programa cubano “Yo Si Puedo”, em entrevista exclusiva. Conforme Rodríguez, ex-presidente da Associação de Professores de Educação Secundária de Honduras (Copemh), “até o final de outubro mais de 300 mil dos 424 mil analfabetos já sabem ler e escrever”, pelo empenho de pessoas que se deslocaram aos rincões mais remotos do país. Parabenizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o programa cubano de alfabetização “Yo Si Puedo” foi retomado pela presidente Xiomara Castro, após ser criminosamente paralisado pela oligarquia com o golpe de 2009 contra o governo de Manuel Zelaya. O método voltou a ser utilizado com o nome do professor hondurenho José Manuel Flores Arguijo, assassinado em março de 2010 quando dava aulas no Instituto de San José de Pedregal, em Tegucigalpa, informou o vice-ministro. “José Manuel se sentiria realizado e estaria participando ativamente conosco agora, pois era alfabetizador desde aqueles primeiros tempos do programa”, acrescentou. Jaime Rodríguez esclareceu que “este é um avanço histórico possibilitado pela presidente ao retirar os recursos desviados para os bancos privados”, frisando que “é emocionante escutar nos rincões mais distantes o agradecimento a Xiomara pelo projeto de reconstrução da Pátria e construção do socialismo”.
LWS
Leonardo Wexell Severo – No início do governo de Xiomara Castro de Zelaya, em janeiro de 2022, dos 10,7 milhões de hondurenhos, mais de 400 mil eram analfabetos. Como foi enfrentar esta dívida histórica?
Jaime Rodriguez – É importante dizer que a primeira vez que Honduras implementou um método de alfabetização como o “Yo Si Puedo” (Eu Sim Posso), de Cuba, foi nos anos 2007, 2008 e 2009, durante o governo de Manuel Zelaya. Infelizmente, em junho de 2009 ocorreu o golpe de Estado, quando o projeto se encontrava em pleno andamento. Trabalhávamos então de forma ativa, a partir das organizações do magistério, o que nos permitiria já no final daquele ano ser um “país livre do analfabetismo”.
Com o golpe de Estado e todo o estrago feito, tudo mudou. Precisamos retirar os companheiros assessores cubanos às pressas, praticamente de forma clandestina, tamanha foi a perseguição ocorrida.
LWS – “Passados mais de 12 anos de narcoditadura, com o abandono do sistema educativo, o analfabetismo havia quase triplicado, beirando os 20%”
JR – Quando deixamos o governo de Manuel Zelaya, o percentual de analfabetos era de 6%. Passados mais de 12 anos de narcoditadura, com o abandono do sistema educativo, chegou nossa presidente Xiomara Castro de Zelaya e vimos que o analfabetismo havia quase triplicado, beirando os 20%.
Um dos projetos que melhor funcionou foi precisamente o Programa Nacional de Alfabetização, que leva agora o nome de José Manuel Flores Arguijo, docente assassinado durante a narcoditadura, professor a quem foram buscá-lo na escola, em Tegucigalpa.
LWS – Então começou a virada, com a vinda dos assessores cubanos e seu método revolucionário.
JR – Quando os assessores cubanos chegaram, no final de 2022, nos enfrentamos com fortes limitações orçamentárias, sendo necessário um decreto presidencial para garantir os recursos desviados. Honduras tem 18 departamentos (estados) e 298 municípios. Em novembro do ano passado declaramos 100 municípios livres do analfabetismo, seguimos trabalhando e alcançamos mais de 200 no final de outubro. Nosso plano é que agora em dezembro já tenhamos todo o país livre do analfabetismo. Foi um êxito obtido buscando os compatriotas, os companheiros que não sabem ler nem escrever, indo às comunidades rurais mais remotas, fazendo censo e batendo de porta em porta. E isso quem faz são os companheiros participantes do processo de alfabetização e muitos deles são estudantes, professores, coletivos do Partido Liberdade e Refundação (Livre), forças ativas da comunidade com bastante apoio das administrações municipais (Prefeituras e Câmaras Legislativas) disseminadas por todo o país.
LWS – É uma iniciativa relevante do ponto de vista social, que conta inclusive com o aplauso da ONU. Houve alguma objeção?
JR – Houve e há forte oposição por parte dos setores ultraconservadores, que nos questionam sobre a razão de termos trazido assessores da nossa irmã República de Cuba ao invés de utilizarmos professores hondurenhos. Desconhecem que os companheiros cubanos não são alfabetizadores, são assessores que nos explicam e verificam o andamento do método, a fim de que seja aplicado de forma correta. Eles não nos ensinam a ler e escrever, isso quem faz são os facilitadores hondurenhos. Os companheiros cubanos garantem é que tudo saia conforme o planejado.
Seguimos avançando até a presente data com vários dos departamentos livres do analfabetismo, como La Paz e Francisco Morazán, e continuamos avançando, como reconhece até mesmo a mídia corporativa contrária ao governo.
LWS – Para este governo o que significa livrar um povo desta pesada carga?
JR – Para cada uma dessas pessoas que aprendem a ler e escrever é bastante significativo. Para mim tem um valor enorme ir aos atos nos diferentes municípios e ver as pessoas se graduarem, é algo emocionante que fala sobre o que representa este governo. É importante registrar que a maioria dos alfabetizados, cerca de 55%, são mulheres, gente que pode a partir de agora ajudar os filhos e netos nas suas tarefas da escola. São pessoas que agora vão poder ler os jornais, ler a Bíblia ou um documento no banco sem serem enganadas.
É emocionante escutar nos rincões mais distantes o agradecimento a nossa presidente pelo projeto de reconstrução da Pátria e construção do socialismo.
LWS – O que representou para os hondurenhos o período da narcoditadura?
JR – Durante o período da narcoditadura se aplicou de forma feroz e impiedosa a doutrina neoliberal, que abandonou totalmente o sistema educativo. Das 23 mil escolas que Honduras tinha, cerca de 12.700 necessitam ser reconstruídas. Foi abandonado todo tipo de programas sociais. Os neoliberais se dedicaram a buscar privatizar rodovias, portos e aeroportos. Também queriam privatizar a escola pública. Não só abandonaram a educação, mas também a saúde, tudo que era público, algo como nunca se havia visto.
LWS – “Os neoliberais queriam privatizar a escola pública, concessionar grandes porções de terra a companhias estrangeiras, que viriam com sua própria polícia, seus próprios tribunais e leis, fazer um país dentro de outro país”
JR – A preço de nada, quiseram vender nosso território em pedaços, aprovando as autodenominadas Zedes, Zonas Especiais de Desenvolvimento, para concessionar grandes porções de terra a companhias estrangeiras. Nestes locais, as multinacionais viriam com sua própria polícia, com seus próprios tribunais e leis, fazer um país dentro de outro país. Disso é que estamos nos livrando.
Por isso os setores da ultradireita tanto se opõem ao governo de Xiomara, pois estão dedicados a entregar todos os benefícios do Estado aos estrangeiros. Isso fez com que inicialmente tenham bloqueado os impostos ao Tesouro do Estado, para que não chegasse nenhum recurso ao governo, antes desviados para os banqueiros privados. Com um decreto nossa presidente obstaculizou esta sangria. Dessa lógica é que estamos saindo, enfrentando uma oposição feroz dos que querem comprometer todos os nossos programas sociais.
Esta é a razão da oposição a Xiomara, por isso é que os conservadores dizem que os assessores cubanos estão aqui para doutrinar. O fato é que, como disse Paulo Freire, quando a pessoa aprende a ler e escrever vai tomando consciência da sua realidade, passando a compreender e desafiar o que está ao seu redor, o meio em que vive. Iniciativas inovadoras como essa é que geram grande oposição nos setores mais reacionários, não somente dentro do país, mas na América Latina.
LWS – Como conhecedor e parceiro de José Manuel Flores Aguirre, como acha que ele se sentiria ao ver o êxito de um programa fecundo e vitorioso, que está mobilizando tanta gente?
JR – Tenho certeza de que José Manuel se sentiria realizado e estaria participando ativamente… [Silêncio e emoção de Jaime]. Vale lembrar que ele foi alfabetizador do programa de alfabetização já naquele início, em 2007. De forma pessoal, recordo que fui o primeiro a ver o que ocorreu, pois eu era presidente de uma organização de professores. Não se pode descrever a dimensão da dor [Mais silêncio]. Não se pode descrever o que foi ver um companheiro jogado, abatido com três tiros nas costas. Por isso nosso compromisso, todos os dias, é de honrá-lo, construindo um país e uma educação melhor para todos.