Após ter há uma semana pedido a Trump que os “salve” da China e exibido bandeiras norte-americanas, os “manifestantes” que infestam Hong Kong repetiram a dose no domingo (15), desta vez diante do consulado britânico, onde, enternecidos, cantaram “Deus salve a Rainha” e só faltaram pedir a terceira Guerra do Ópio para terem a ocupação britânica de volta.
Os garotos mimados – que aquela senhora do Consulado dos EUA que já andou por Mossul e outros buracos quentes tanto gosta de ciceronear -, se esbaldaram também agitando o estandarte da pilhagem colonial, a carcomida Union Jack, um tanto prejudicada desde que o cupim corroeu a armada inglesa, e o império ficou tão avacalhado que um tipo como Boris Johnson é o primeiro-ministro.
A exibição de traíragem – e apego aos algozes, por um século, da China – transcorreu tranquilamente e só houve confrontos porque os filhinhos de papai resolveram atirar bombas de gasolina em prédios públicos, sendo contidos pelas forças da lei. Estas, aliás, têm demonstrado uma contenção admirável, apesar das repetidas provocações contra a pátria chinesa.
Em idioma inglês, para a mídia estrangeira registrar, os ‘manifestantes’ gritavam ‘um país, dois sistemas, está morto” e ‘Hong Kong livre’. Possivelmente há poucas coisas mais nojentas que alguém ficar se roçando no que foi uma dos atos mais pérfidos da história, desencadear uma guerra contra um país para impor a ele o tráfico de drogas e a vitimização de milhões de seres humanos. Esse é o significado de fundo de Hong Kong, e o povo chinês está decidido a que isso jamais se repetirá.
BLACK BLOCKS ‘DO BEM?’
Conforme registro da Reuters, os ativistas “vestidos com máscaras pretas, bonés e óculos escuros para esconder sua identidade” – que teriam sido identificados como baderneiros ‘black block’ se a matéria fosse sobre Nova Iorque ou Paris – atiraram tijolos contra policiais postados do lado de fora da base local do Exército de Libertação do Povo, no distrito do Almirantado no centro, vandalizaram escritórios do governo central jogando bombas de gasolina e atearam fogo a uma faixa vermelha proclamando o 70º aniversário em 1º de outubro da fundação da República Popular da China. A polícia fez a contenção, apagou incêndios e lançou gás lacrimogêneo e jatos azuis de água em resposta.
Embora, como apontou um articulista, a ideia de jerico de “separação de Hong Kong da China” tenha tanto fundamento quanto a de tirar Manhattan dos EUA, é isso que esses ativistas empoderados pelas instruções da CIA e de suas sucursais, andam conclamando.
Em plena guerra comercial de Trump contra a China, na semana passada os “manifestantes” tiveram a pachorra de exigir que o Congresso dos EUA aprove sanções contra a China, usando Hong Kong como pretexto.
A propósito, antes dos protestos começarem “espontaneamente” – justo quando a guerra comercial de Trump entrava na fase decisiva – uma fornida comitiva de “opositores” foi a Washington, para acertar detalhes com o secretário de Estado Mike Pompeo e receber as bênçãos de madame Nancy Pelosi.
FIGURINHAS CARIMBADAS
Em 2014 – aí, sob Obama, e no mesmo ano em que a CIA emplacou o golpe na Ucrânia -, essas mesmas figuras haviam desencadeado a “revolução dos guardas chuvas” – aquela efeméride colorida que depois, por indiscrição da BBC, se soube ter sido preparada com mais de um ano de antecedência.
Alguns dos que ajudaram a “preparar o caldo” em Hong Kong há cinco anos atrás, estão de volta.
Há figurinhas carimbadas – como o bilionário Jimmy Lai, cujo vídeo ao lado do guru de Trump, Steve Bannon, tem feito muito estardalhaço. Dono de um dos principais jornais de Hong Kong, o Apple Daily, o bilionário costuma financiar os ‘freedom fighters’. Jornal que atiça o ódio aos imigrantes, chamando a migração da China continental como uma “infestação de gafanhotos”.
No regabofe de Washington com Pompeo, um dos principais personagens era o fundador do Partido Democrático e saudosista dos bons tempos de colônia, Martin Lee.
PROJETO DE LEI RETIRADO
O pretexto para os confrontos não existe mais – a diretora-executiva de Hong Kong, Carrie Lam, retirou a lei de extradição. Ou seja, voltou ao que era: pode extraditar para os EUA, a Inglaterra e mais 18 países, mas não para o continente e para os demais 170 países do mundo.
Aliás, Lam lançou a proposta de criar essa lei, não para atender nenhuma exigência de Pequim, mas por causa da comoção gerada pelo assassinato, pelo namorado, numa viagem a Taiwan, de uma moça de Hong Kong. Ele voltara antes do crime ser descoberto e não podia ser extraditado para Taiwan, porque a lei atual não permite.
O que a levou a propor essa legislação, em seguida habilmente explorada pelos pró-norte-americanos para insuflar essa crise. A última coisa que Pequim iria querer era – em plena comemoração dos 70 anos da vitória e fundação da República Popular da China – entrar numa polêmica como essa.
As inúmeras ditaduras que os EUA e o império britânico cevaram no mundo inteiro por si só desmentem esse súbito interesse na democracia para os habitantes de Hong Kong. Durante o século de ocupação britânica, jamais houve eleição direta ou sufrágio universal.
Quanto à excelência da “justiça britânica”, povos que sofreram sua dominação, como os irlandeses, os indianos, os africanos, sabem bem como é. Os familiares do nosso Jean Charles conhecem de perto.
Já a “justiça norte-americana” é campeã mundial de encarceramento de negros e pobres, perseguição a imigrantes e complacência com racistas e com banqueiros ladrões.
CHINA DE MENOS
Em Hong Kong, o problema central não é “o excesso de interferência” de Pequim, mas o excesso de sobrevivências da ocupação inglesa: um neoliberalismo atroz, especulação imobiliária desenfreada, um racismo muito britânico, a terceira cidade no mundo em número de bilionários, e a perda de perspectivas decorrentes da redução aguda da importância do porto, diante do gigantesco salto dado pela China.
No complexo processo de abertura e criação das zonas econômicas especiais, Hong Kong acabou funcionando durante muito tempo como uma interface entre a China socialista e o Ocidente, de que sua condição de porto e centro financeiro de primeira grandeza era o aspecto central. Com o ingresso da China na Organização Mundial de Comércio, essa situação privilegiada foi encolhendo de importância.
No momento da restituição à pátria chinesa (que integra desde 200 a.C.), Hong Kong tinha um PIB que era 18% do PIB da China, comparado com os 3% de hoje. Shenzhen e outras grandes cidades superaram Hong Kong como centros financeiros e industriais.
Hong Kong é também a segunda mais cara cidade do planeta, depois de Londres. 21% dos habitantes, segundo relatório da Oxfam, vivem abaixo da linha de pobreza, enquanto outros 20% vivem à beira da pobreza. As moradias são minúsculas e o preço das propriedades está entre os mais caros do mundo. Enquanto os salários estagnaram, o preço de aquisição de uma moradia dobrou entre 2010 e 2018. Os gastos públicos com saúde, educação e outros programas sociais são extremamente insuficientes.
Uma situação de enorme defasagem diante do grande desenvolvimento social da China.
Conforme o economista Andy Xie – citado por John Bachtell, do People’s World -, nessa situação resulta “muito difícil os jovens sentirem esperança”. “Eles sabem que nunca poderão pagar um lugar [para morar], então não podem começar uma família. Como eles podem progredir na vida? O desespero, e realmente um profundo sentimento de infelicidade, estão levando a essa agitação”, assinalou. “Hong Kong é uma panela de pressão há muito tempo”, completou.
MAIOR PONTE MARÍTIMA DO MUNDO
O governo de Pequim está considerando que é preciso responder a essas questões, e que os magnatas de Hong Kong vão ter de contribuir com a sua parte, especialmente quanto à questão habitacional, registrou recentemente o Global Times, jornal chinês estatal em língua inglesa que trata dos assuntos polêmicos.
O GT descreveu uma dessas comunidades, construídas ainda sob o domínio colonial britânico. “Famílias vivendo em apartamentos subdivididos, minúsculos e sem janelas que, em alguns casos, só têm espaço para uma cama. Em um apartamento, o fogão e o banheiro estavam um ao lado do outro”. Um em cada seis moradores de Hong Kong vive nessas condições e são tristemente famosos no mundo inteiro os apartamentos-caixão.
Assim, a saída está em mais, não menos integração à China, que é o país que, sozinho, é responsável por 30% do crescimento econômico do planeta.
Pequim tem trabalhado para integrar toda a região da baía, inclusive com a gigantesca ponte de ligação com o continente e com Macau, a maior do mundo, com 55 quilômetros de extensão, e que inclui um túnel de 6,7 quilômetros sob o delta do Rio das Ostras, que ficou pronta no ano passado. Também já está em operação a linha de trem de alta velocidade entre Cantão e Hong Kong.
ANTONIO PIMENTA