“Mais respeito com a ciência e os cientistas, Trump”, exige em editorial a revista Science

Bate-cabeças na Casa Branca pode custar muito mais vidas, alertam cientistas norte-americanos - Sarah Silbiger/Bloomberg

“Faça-nos o favor, senhor presidente. Se quer algo, comece por tratar a ciência e seus princípios com respeito”, adverte o pesquisador e editor da revista Science, H. Holden Thorp, em editorial no qual responde ao abusivo e contraditório comportamento de Trump nos últimos dias.

Depois de afirmar que a doença estava sob controle nos Estados Unidos, levando a um atraso nas medidas preventivas, incluindo o retardo na produção e distribuição massiva de kits de testes, Trump passou a decretar estado de emergência e, segundo a revista, dirigiu-se aos diretores das empresas farmacêuticas demonstrando arrogância e ignorância ao pressionar por “velocidade” no desenvolvimento da vacina para o Covid-19. “Façam-me um favor, acelerem, acelerem”, teria dito.

 “Você atacou a ciência nos últimos 4 anos, cortou verbas, chamou os cientistas de mentirosos e agora quer velocidade? Ciência não se faz da noite para o dia, precisa de investimento e, sobretudo para uma vacina, precisa-se de tempo e investimento. Você não pode atacar os cientistas quando não gosta da ciência e cobrá-los quando resolve que gosta e precisa deles”, diz o editorial.

Holden relata que o cientista Anthony Fauci, líder veterano do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, “tem dito ao presidente repetidamente que o desenvolvimento da vacina vai levar ao menos um ano e meio”.

“Aparentemente”, prossegue o cientista Holden, “Trump pensa que basta simplesmente a repetição de seu pedido para mudar o resultado”.

Ele segue denunciando a orientação da Casa Branca de esconder fatos do público, “informando a Fauci e outros cientistas que trabalham para o governo de que devem restringir todos os comentários públicos”.  

“Isto é inaceitável. Esta não é a hora para alguém que nega a evolução, mudança climática e os perigos do tabagismo formatar as mensagens públicas”, acrescenta o editorial.

Holden felicita Fauci e Francis Collins, (diretor do Instituto Nacional de Saúde) e seus colegas nas agências federais de saúde que estão se aprestando a trabalhar e entendendo a real mensagem que a realidade está colocando, mas alerta: “Enquanto os cientistas fazem intercâmbio dos fatos sobre a epidemia, o governo vai desde o seu bloqueio à sua reformulação em meio a contradições”.

“As taxas de transmissão e níveis de letalidade não são medidas que podem ser modificadas de acordo com a vontade ou para embasar mensagens extrovertidas”, adverte o pesquisador, lembrando que, na semana passada, Trump “disse repetidamente que a disseminação do vírus nos Estados Unidos estava contida, quando já estava claro e evidente que ele se espalhava por diversas comunidades, a exemplo do Estado de Washington, e outras”.

“Este tipo de distorção e alienação é perigoso e, com toda a certeza, contribuiu para a morosa resposta do governo federal”, prosseguiu, alertando que “as palavras ditas por este governo não apenas importam, elas são agora uma questão de vida ou morte”.

“Não se pode insultar a ciência quando não se gosta dela e, de repente, insistir em algo que a ciência não pode entregar sob encomenda”, afirma Holden. -foto – Travis Long, Raleigh News & Observer

SOBRE A VACINA

“Ainda que passos requeridos para a produção de uma vacina pudessem ser tornados mais eficazes, muitos deles dependem de processos biológicos e químicos que lhes são essenciais.

“Não espero dos políticos que saibam as equações de Maxwell para o eletromagnetismo ou entendam a reação química Diels-Alder(…). Mas não se pode insultar a ciência quando não se gosta dela e, de repente, insistir em algo que a ciência não pode entregar sob encomenda.

“O presidente Trump, nos últimos quatro anos fez profundos cortes nos orçamentos para a ciência, incluindo cortes nos fundos para os Centros para Controle e Prevenção de Doenças e para o Instituto Nacional de Saúde.

“Com este desdém governamental (…) a Nação teve perto de quatro anos de dano à ciência e ignorância acerca dela”.

“Agora, de repente, o presidente precisa da ciência. Mas os séculos dedicados à elucidação dos princípios fundamentais que governam o mundo natural – evolução, gravidade, mecânica quântica – envolveram camadas de esforços para que conheçamos o que se pode e o que não se pode fazer.

“Os caminhos pelos quais os cientistas acumulam e analisam evidências, aplicam raciocínio indutivo e trocam descobertas subjetivas com colegas têm se comprovado, ao longo dos anos, como forma de criar robusto conhecimento.  

“Estes processos estão sendo aplicados na crise do Covid-19 através da colaboração internacional e numa velocidade alucinante e sem precedentes. A revista Science publicou dois trabalhos no início do mês sobre o SARS-CoV-2, e mais estão a caminho. Porém, os mesmos conceitos que são usados para descrever a natureza são utilizados para produzir novas ferramentas. Portanto, pedir uma vacina e distorcer a ciência ao mesmo tempo são dissonâncias chocantes.

“Uma vacina tem que possuir uma base científica fundamental. Tem que ser manufaturável. Tem que ser segura. Isto pode levar um ano e meio ou muito mais(…). Não se pode quebrar as leis da natureza para chegar lá.

“Talvez fosse o caso de ficarmos felizes. Três anos atrás, o presidente declarou seu ceticismo com relação a vacinas e tentou lançar uma força tarefa antivacina. Agora ele, de repente, ama as vacinas. Mas, faça-nos o favor, senhor presidente. Se quer algo, comece por tratar a ciência e seus princípios com respeito”, finaliza o editorial.

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *