A notícia de que aumentou, no Exército, o sentimento de que Eduardo Pazuello deve passar para a reserva – Pazuello é general da ativa – tem uma explicação lógica.
O problema, disseram vários oficiais superiores, é que as humilhações a que Bolsonaro submete Pazuello, como ministro da Saúde, podem comprometer a imagem da instituição militar.
É compreensível o sentimento. E não apenas em razão da última humilhação.
Na verdade, a nomeação mesma de Pazuello para a função de ministro da Saúde – assim como a substituição em massa de profissionais de Saúde por militares da ativa – é um uso indevido de homens e mulheres das Forças Armadas apenas em função dos interesses, dos preconceitos e da ignorância abissal de Bolsonaro.
Por que foram demitidos os ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, que eram médicos?
Porque queriam que o combate à COVID-19 fosse baseado na ciência. Ou seja, repetindo a mesma coisa de modo mais essencial, porque Mandetta e Teich queriam que houvesse combate à epidemia de COVID-19 – a maior e mais grave pandemia que atingiu a humanidade em mais de 100 anos.
Entretanto, Bolsonaro jamais quis que o Ministério da Saúde se ocupasse da saúde dos brasileiros, assim como não quer que o Ministério da Educação se ocupe da educação dos brasileiros.
No caso da Saúde, em meio à pandemia, isso significou, até agora, 156 mil mortos – e não sabemos quantos mais, até o fim dessa loucura governamental.
Quantas dessas pessoas mortas poderiam estar vivas, se a política de Bolsonaro não fosse, exatamente, a de relegá-las à morte?
Pazuello foi colocado no Ministério da Saúde para guardar o Brasil como um gigantesco campo de extermínio. Não foi colocado lá para fazer o Ministério atuar em prol da saúde dos brasileiros.
Se fosse para isso, Bolsonaro não teria forçado Mandetta e Teich a se demitir – e não faltariam outros nomes, até mais credenciados, para o Ministério da Saúde.
Mas ele colocou Pazuello exatamente para ocupar o lugar de um profissional de saúde.
Então, para quê?
Para que o Ministério da Saúde não funcionasse.
Evidentemente, não é essa a percepção ou a convicção de Pazuello, nem estamos nós dizendo tal coisa.
Essa é a intenção de Bolsonaro – e todas as suas atitudes apontam nesse sentido – e não a opinião de Pazuello.
Porém, que Pazuello se submeta a essa infâmia, independente do que ele mesmo acha ou deixa de achar, é altamente comprometedor para si, um oficial-general do nosso Exército.
O que os oficiais do Exército temem, agora, é que apareça outro Gilmar Mendes para dizer que “o Exército está se associando a esse genocídio” (v. HP 15/07/2020, Gilmar escreve certo por linhas tortas).
Não seria verdade. Mas que Bolsonaro está tentando usar militares – inclusive um oficial-general, como Pazuello – para o seu genocídio, isto é verdade.
Os oficiais do Exército – e, em geral, das Forças Armadas – percebem isso.
Daí, a pressão para que Pazuello passe para a reserva, desvinculando o Exército do massacre de Bolsonaro na epidemia de COVID-19.
É forçoso, entretanto, observar que, em outras épocas, a pressão seria para que Pazuello se demitisse do Ministério da Saúde.
O problema é que ninguém acredita que Pazuello seja capaz disso.
Ao contrário de Caxias, Osório, Deodoro, Floriano, e tantos outros oficiais do Exército, a altivez não parece ser o forte de Pazuello.
EM PÚBLICO
O último episódio parece confirmar, mais uma vez, essa avaliação.
Pazuello foi humilhado por algo que fizera de certo: o protocolo para a compra da vacina do Instituto Butantan, desenvolvida com a empresa chinesa Sinovac, a mais promissora vacina em desenvolvimento no mundo (v. HP 19/10/2020, Eduardo Costa: Vacina Sinovac/Butantan é a nossa maior esperança contra a COVID-19!).
Certamente, Pazuello ignorava a função que Bolsonaro lhe deu: a de impedir que alguém atrapalhe o genocídio, isto é, a continuação da mortandade.
Se não é isso o que ele esperava e espera de Pazuello, por que ficou tão histérico quando este quis agir como um verdadeiro ministro da Saúde, assinando o protocolo para aquisição da vacina Butantan/Sinovac?
Pois, depois de um descarrego pela Internet, Bolsonaro desautorizou Pazuello, colocou um subordinado deste último para dizer, pela TV, que o chefe fora “mal interpretado”, e, não satisfeito, ainda desmentiu esse capacho, ao dizer, no dia seguinte, que “já mandei cancelar o protocolo” assinado por Pazuello (v. HP 21/10/2020, Bolsonaro diz que vacina chinesa “não será comprada” e dificulta país de se livrar da Pandemia).
Isto é, não foi “má interpretação”. Pazuello fizera o que Bolsonaro não queria: combater a COVID-19, com a assinatura de um documento para dotar o conjunto do país da, até agora, melhor vacina que está sendo testada.
É interessante que o capacho, colocado para desautorizar Pazuello, tenha levantado que a vacina do Butantan não tem ainda a aprovação da Anvisa.
A vacina da multinacional AstraZeneca também não tem aprovação da Anvisa – e isso não impediu Bolsonaro de entregar, até agora, em dinheiro público dos brasileiros, mais de US$ 300 milhões (trezentos milhões de dólares) para essa multinacional, embora sua vacina tenha se mostrado mais problemática que a do Butantan/Sinovac.
Bolsonaro, depois, repetiu ele mesmo essa mentira – de que mandara cancelar o protocolo da vacina do Butantan, porque a vacina não fora aprovada pela Anvisa.
Se fosse assim, teria que cancelar o acordo com a AstraZeneca.
E, isso, ele não fez.
Porém, há mais: segundo vários assessores, que não resistiram a falar com a imprensa, Bolsonaro, imitando um de seus sequazes na Internet, também chamou Pazuello de “traidor”.
Houve um rebuliço – e muita gente esperava que Pazuello se demitisse, como fizeram Mandetta e Teich.
Afinal, Pazuello é detentor de um cargo civil – aliás, completamente estranho à sua formação e às suas habilidades – sem nenhuma autoridade para tomar decisões, como se viu, exatamente, nesse caso.
Se o Duque de Caxias, após a tomada de Assunção, demitiu-se do comando geral das tropas no Paraguai – que era um cargo militar -, por que Pazuello não poderia se demitir da função de guarda do campo de extermínio, a que Bolsonaro o reduziu publicamente?
A resposta é simples: Pazuello não é o Duque de Caxias. Pior, parece que Caxias não é um exemplo para ele.
Outra vez publicamente, Bolsonaro disse que mandou cancelar o protocolo porque “o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”.
Esse é o mesmo sujeito que, há poucas semanas, disse que Pazuello tinha “carta branca” no Ministério da Saúde.
CIÊNCIA
Há uma frase de Bolsonaro que merece atenção, para quem tenha dúvidas de que temos um sociopata na Presidência:
“As vacinas têm que ter comprovação científica, diferente da hidroxicloroquina.”
Se ele sabe que a hidroxicloroquina não tem comprovação científica, por que gastou dinheiro público comprando um estoque desse produto? Por que vive querendo empurrar cloroquina pela goela dos brasileiros, dizendo que é a panaceia contra a COVID-19?
Além da confissão de charlatanismo, existe algo ainda pior. Existe dolo, isto é, intenção de fazer o mal.
Porque existe a comprovação científica de que a cloroquina não tem ação contra o coronavírus.
Da mesma forma, existe a comprovação científica dos malefícios da cloroquina – inclusive mortes – quando tomada indiscriminadamente, sem indicação terapêutica precisa.
Portanto, o que menos importa a Bolsonaro é se as pessoas vão morrer pela COVID-19 – ou, até, pela ação da cloroquina.
Pelo contrário, a morte das pessoas parece-lhe quase um acontecimento festivo – afinal, são os “fracos”, os “incapazes”, que morrem…
Se ao leitor parece demasiado monstruoso que alguém – sobretudo um presidente da República – pense assim, temos a dizer que estamos de acordo.
Mas não é assim que pensam (?!) os nazi-fascistas?
Voltemos, então, à frase de Bolsonaro.
Quanto às vacinas – que, evidentemente, só serão aplicadas em caso de comprovação científica -, ele é contra.
Daí, essa ridícula campanha contra a obrigatoriedade da vacinação – uma polêmica que foi encerrada há mais de um século, na época de Oswaldo Cruz.
É evidente o que isso significa no momento atual: a campanha contra a obrigatoriedade da vacinação é, na verdade, a campanha contra a vacinação.
Apenas, como o covarde de sempre, Bolsonaro não diz isso claramente.
Eis, portanto, o sociopata de corpo inteiro.
Ou quase.
Porque existe mais um elemento.
VISITA
Depois de tratar Pazuello como um cachorro vira-lata que roubou linguiça da geladeira, Bolsonaro foi visitá-lo.
Essa visita foi uma rara – não por ser pouco frequente, mas pela imoralidade aberta e sem rebuços – demonstração da falta de caráter de Bolsonaro, para usar uma expressão do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima (v. HP 23/10/2020, “Fora Bolsonaro!”, pede decano da Operação Lava Jato).
Fala-se muito da “política de morde e assopra” de Bolsonaro.
Resta dizer que isso não é uma política. É apenas falta de caráter e covardia.
Assim, com os oficiais das Forças Armadas incomodados – muito justamente –, irritados com o tratamento dado a Pazuello, Bolsonaro, depois de desautorizá-lo e até chamá-lo, privadamente, de “traidor”, foi visitá-lo, dizendo que tudo estava bem, etc., etc.
A reação de Pazuello, somos obrigados a dizer, foi de uma subserviência indigna da condição de militar.
“É simples assim: um manda e o outro obedece”, disse Pazuello, em live gravada com Bolsonaro.
Mais tarde, em entrevista a uma rádio, o próprio Bolsonaro disse que “quando o chefe decide, o subordinado cumpre”.
Como se fosse um mérito obedecer a uma ordem criminosa, uma ordem contra o Brasil, contra o povo, contra os seres humanos.
Aliás, por obedecer a ordens criminosas, muitos já tiveram triste fim. Por exemplo, em Nuremberg.
Mas existe algo pior: quando militar, Bolsonaro foi um insubordinado contra seus superiores, um sujeito que mandou a disciplina militar às favas, não porque tivesse recebido alguma ordem criminosa, mas, exatamente, por tramar atos que, para um militar, eram criminosos, ainda que criminosamente vagabundos (v. HP 16/08/2020, Terrorismo de baixa potência).
É esse o sujeito que diz “quando o chefe decide, o subordinado cumpre” e ainda encontra alguém que, depois de humilhado publicamente por fazer a coisa certa, diz que “é simples assim: um manda e o outro obedece”.
Que o clamor pela reforma de Pazuello tenha aumentado, dentro das Forças Armadas, é um sinal de que nossos militares mantêm o seu garbo, o seu zelo pelas instituições – e a sua saúde mental.
Não podemos deixar de registrar o quanto é positiva esta reação.
CARLOS LOPES
Esse PAZUELO É UMA VERGONHA SE FICAR!