O Ministério Público Estadual do Pará (MP-PA) descobriu, em vistoria na semana passada, que a mineradora norueguesa Norsk Hydro tinha um segundo canal não autorizado de despejo de rejeitos de bauxita diretamente no rio Pará, no município de Barcarena. Foi apurado ainda, que o canal operou no dia 17 de fevereiro, quando os moradores denunciaram o vazamento, no dia 19 de fevereiro e durante todo o ano de 2017.
A notificação à Hydro foi entregue juntamente com o Ministério Público Federal e a promotoria de Justiça de Barcarena, na última sexta-feira (12). O prazo dados pelos órgãos para a conclusão da “vedação de um canal não autorizado de despejos” foi de 48 horas.
A promotora Eliane Moreira, “tais circunstâncias representaram indícios graves que apontam para a irregular operação do mencionado canal, com o objetivo de lançar efluentes não tratados no Rio Pará, sem licença ambiental e em desvio de finalidade da outorga conferida pela ANA [Agência Nacional de Águas]”.
O canal era utilizado em situações de grandes chuvas, para despejar efluentes sem tratamento e sem autorização do órgão ambiental ou da ANA.
ANTIGO
No último domingo (11), um funcionário da Hydro, que não quis ser identificado, disse ao “Diário do Pará” que o canal é utilizado como um “ladrão” para evitar o transbordamento das bacias de rejeitos, que estão operando em capacidade máxima, especialmente neste período de aumento do volume de chuvas na região.
“As comportas do antigo canal são abertas até três vezes por semana, sempre à noite, para dar vazão ao excesso de efluentes, uma vez que as bacias de tratamento de resíduos estão trabalhando praticamente no limite”, disse.
O canal foi construído em 1988 e era um auxiliar da estação de tratamento de rejeitos da Hydro Alunorte na época. “Todos na empresa sabem da existência do canal e como ele vem sendo utilizado de forma irregular”, destaca a fonte.
De acordo com o blog “Ver-o-fato”, o canal tem cerca de 700 metros e fica escondido no meio da vegetação local. Por ele, são despejados os rejeitos não tratados, que vão para a Praia do Horto, parte do estuário do Rio Pará, que banha Belém.
O morador de Vila Rica e liderança da comunidade, Hamilton Vieira Santiago, de 53 anos, denunciou os crimes ambientais cometidos pela Hydro Alunorte. É em Vila Rica que fica a Praia do Horto, que teve a cor de sua areia totalmente transformada pela sedimentação rejeitos.
“A praia, que antes tinha areia amarelada, passou a ficar vermelha, cor do rejeito da bauxita. Sabemos que eles só abrem as comportas à noite e, por isso, pela manhã, podemos ver melhor a situação. É triste de olhar um lugar lindo deste sendo contaminado sem dó nem piedade por esta lama vermelha”, afirma Hamilton.
LAUDO
O primeiro laudo do Instituto Evandro Chagas (IEC), que coletou as amostras de água em Barcarena após o evento do vazamento de rejeitos em 17 de fevereiro, apresentou números elevados de diversas substâncias nocivas aos seres humanos, como fósforo total, alumínio, nitrato e sódio, além da elevação da alcalinidade da águas, atestando uma situação de dano ambiental ao ecossistema local.
Ainda de acordo com o IEC, as famílias de Bom Futuro, Vila Nova e Burajuba, três principais comunidades afetadas, possuem, em sua maioria, poços artesianos de baixa profundidade em casa, o que facilita a contaminação pelos rejeitos.
Na última sexta-feira (9), instituto informou que irá publicar em breve evidências de contaminação do rio que corta o município de Barcarena. “Essa contaminação é nociva às comunidades que utilizam os igarapés e rios em busca de alimento e lazer”, alertou o pesquisador do instituto, Marcelo de Oliveira Lima.
HYDRO
No domingo, após passar quase um mês negando o vazamento de rejeitos, o porta-voz da Hydro, Halvor Molland, admitiu que a empresa decidiu vazar águas retidas duas vezes, depois que chuvas aumentaram a pressão na planta de tratamento.
“O canal que usamos para essas emissões não é coberto pela nossa permissão”, disse Molland, acrescentando que a empresa notificou depois as autoridades. “Nós não temos indicações de que essa emissão controlada teve algum impacto negativo no meio ambiente”, disse.
NORUEGA
O vice-ministro de Comércio, Indústria e Pesca da Noruega, Magnus Thue, disse que os “desafios ambientais que ocorreram após as fortes chuvas em Barcarena” e as alegações sobre a refinaria Hydro Alunorte são questões “que deverão ser tratadas entre a Norsk Hydro e as autoridades do Brasil”, porque o governo da Noruega tem 34,4% das ações, sendo “acionista minoritário” e “sem envolvimento na gestão operacional da empresa”.
Líder comunitário é executado
O diretor da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainqueama), Paulo Sérgio Almeida Nascimento, de 47 anos, foi assassinado na madrugada desta segunda-feira (12), em Barcarena (PA). Quando se levantou para usar o banheiro, que fica do lado de fora da casa, foi alvejado por disparos de armas de fogo.
Paulo era pintor e responsável por criar as faixas nos protestos contra a Hydro Alunorte, combatidas pelas 105 comunidades do município. Segundo o advogado da associação, Ismael Moraes, Paulo era um dos mais atuantes nas denúncias contra a mineradora.
Em 19 de janeiro deste ano, foram solicitadas garantias de vida para os diretores da Cainqueama, por conta de ameaças recebidas. O então secretário de Segurança, Jannot Jansen, negou a proteção solicitada e, ainda em resposta oficial, alegou que diretores respondiam a processos judiciais e que um tinha violado a “lei seca”.
As comunidades estão muito assustadas. Maria do Socorro Silva, líder quilombola do Burajuba e presidente da Cainqueama conta que já teve por sete vezes a casa invadida por homens armados, inclusive PMs, e sofreu todo tipo de constrangimento e ameaças.
Segundo o advogado da Caianquiama, “os mesmos policiais que fazem segurança privada para a Hydro foram os que invadiram a sede da associação. Acreditamos que as relações são evidentes. O Paulo Sergio não tinha qualquer inimigo ou desafeto. A única entidade que era inimiga dele é a Hydro”, denuncia.
CAMILA SEVERO