O presidente Lula (PT) criticou os parlamentares por terem derrubado o veto ao Marco Temporal, no fim do ano passado, e voltou a rejeitar a tese em evento com povos indígenas, no Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (12).
Após a derrota, o governo acionou o STF (Supremo Tribunal Federal). A tese do Marco Temporal, aprovada no Congresso em setembro e considerada inconstitucional pelo governo e por juristas, diz que povos indígenas só podem reclamar terras que já estavam ocupadas ou eram disputadas até a promulgação da Constituição Federal, em julho de 1988.
“Sou contra à tese do marco temporal”, disse Lula, na presença do povo Tupinambá. “Minha posição não mudou: sou a favor do direito dos povos indígenas, ao seu território e à sua cultura, como determina a Constituição. [Sou] contrário, portanto, à ideia absurda do Marco Temporal”, ao chamar a tese de “atentado aos povos indígenas”.
O Supremo criou grupo de conciliação para discutir os termos da demarcação de terras indígenas, que deve durar até 18 de dezembro. Mas já houve críticas e a desistência de entidade que atua em defesa dos indígenas por ver falta de paridade na negociação.
O STF também havia se pronunciado contra o marco antes da aprovação da proposta — PEC 48/23 — no Congresso Nacional favorável à tese. A proposta ainda está em discussão no Senado.
SEM COMPROMISSO COM INDÍGENAS
“Quando eu vetei o Marco Temporal imaginei que o Congresso não ia ter coragem de derrubar o veto, e ele teve. Porque a maioria dos congressistas não têm compromisso com nenhum povo indígena”, disse
Lula.
“O compromisso deles é com grandes fazendas, com grandes proprietários”, continuou Lula. “Olha para a dificuldade de eleger um indígena deputado, para ter noção da dificuldade que a gente tem lá [no Congresso]”, acrescentou.
As declarações do presidente ocorreram em participação em evento que comemorou o retorno do manto tupinambá ao Brasil. O objeto, considerado sagrado pelos indígenas, tem quase 400 anos e foi roubado do Brasil desde o século 17, segundo o governo. Esse vem do Museu Nacional da Dinamarca, onde esteve por 335 anos.
DERROTA CERTA
Apesar da manifestação de Lula, o governo já sabia que o veto seria derrubado. A tese havia passado no Senado de forma acelerada: após aprovar o texto pela manhã na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), a Casa aprovou regime de urgência para que a proposta fosse a plenário no mesmo dia.
Para o governo, era derrota certa. Tanto que todos os pontos dos vetos estabelecidos por Lula tiveram base em relatório da AGU (Advocacia-Geral da União), que apontava para a inconstitucionalidade da tese, em concordância com o STF, que já havia acenado contra essa posição do Senado.
DISCUSSÃO DA PEC NO CONGRESSO
A proposta, cujo texto é de autoria coletiva, mas encabeçada senador Dr. Hiran (PP-RR), é relatada pelo senador Espiridião Amin (PP-SC).
A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado deve votar em outubro a proposta — PEC 48/23 —, que define o marco temporal de demarcação de terras indígenas.
VETO, DERRUBADA E PROMULGAÇÃO DO PL
Em 14 de dezembro de 2023, o Congresso derrubou o Veto 30/23, aposto ao marco temporal para a demarcação de terras indígenas (Lei 14.701, de 2023).
Senadores e deputados votaram o veto de maneira fatiada e devolveram à lei o trecho que dá nome ao projeto, ao definir as “terras indígenas tradicionalmente ocupadas” como aquelas “habitadas e utilizadas” pelos indígenas para atividades produtivas na data da promulgação da Constituição.
Esse ponto específico foi analisado individualmente, por meio de destaque que recebeu 53 votos pela rejeição e 19 pela manutenção no Senado, e 321 votos pela derrubada e 137 pela manutenção na Câmara dos Deputados.
Com a rejeição do veto, os indígenas terão direito à demarcação apenas das áreas que ocupavam até 5 de outubro de 1988, quando a Constituição foi promulgada. A matéria foi à promulgação.
ORIGEM DO MARCO TEMPORAL
O Marco Temporal teve origem em projeto de lei — PL 2.903/23 —, apresentado pelo ex-deputado Homero Pereira (MT) e aprovado pelo Senado em setembro de 2023, sob relatoria do senador Marcos Rogério (PL-RO), com 43 votos favoráveis e 21 contrários.
Mas o projeto foi vetado pelo presidente Lula, sob o argumento de que os vetos eram necessários em razão da decisão do STF. O Supremo considerou inconstitucional a tese do marco temporal das terras indígenas, que estabelece a demarcação dos territórios indígenas respeitando apenas a área ocupada pelos povos originários até a data da promulgação da Constituição, e não a qualquer tempo.
Com voto vencido pela manutenção do veto, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), na ocasião reforçou que a demarcação foi pacificada pela Constituição de 1988 e que o direito à posse da terra pelos povos originários foi também afirmado recentemente pela ampla maioria dos ministros da Suprema Corte.