ISO SENDACZ (*)
Em uma semana que se confundiu ato religioso com saudação militar, em plena rampa do Palácio, fui leitor de bizarras percepções do que seja o comunismo, apresentado como justificativa para inumanas práticas fascistas.
Todos sabemos que o comunismo corresponde a uma etapa da vida em sociedade na qual, como especificou Karl Marx, cada um aporta segundo a sua capacidade e recebe segundo a sua necessidade. Temos muito chão pela frente até lá.
Um servidor público paulista, que se declarou descendente de ciganos, usou do comunismo para colocar somente em segundo lugar o seu suposto desapreço ao nazismo. Já um líder empresarial de longa carreira, que se encontrava trabalhando em Brasília nos idos de 1964, contou em biografia a importância da manutenção da cadeia de comando nas Forças Armadas para explicar que o “risco do comunismo” autorizava um subordinado do subordinado do Comandante em Chefe desobedecer ordens de seus superiores.
Muita gente assombrou-se em criança com o Boi-tatá, o Curupira e o Saci-pererê – em outros países com bruxas e fantasmas – e mesmo cresceu diante de fantasias de que “comunista come criancinha”. Mas a maioria tornou-se adulta e capaz de perceber a verdade da vida, hoje novamente trágica em todo o mundo.
Os amantes da paz entre os homens são gratos aos comunistas por terem se aliado ao Brasil no enfrentamento da nossa última guerra. Outros, no entanto, acham que a terra é plana e tomar cloroquina ou tubaína pode permitir a cura dos males infecciosos.
Houve um tempo em que Senor Abravanel concedeu entrevista de página inteira à Folha de São Paulo. Lá pelas tantas, o hoje dependente Silvio Santos declarou:
“Se um dia eu acordar e ler no jornal que o Brasil virou comunista, vou pegar um terno e ir trabalhar.” Ante o riso generalizado dos repórteres, arrematou: “Por que, se o Brasil for comunista eu não vou precisar trabalhar?”
Se a alguns soa anedótica essa declaração de então, o fato apenas reflete o medo dos imaturos ante o progresso da Humanidade.
As considerações de hoje intuem fortalecer a fé no futuro e na evolução da espécie. O caminho do atraso responde por mortes em muito evitáveis, que já somam dezenas de milhares no Brasil.
Jogar a luz da ciência sobre as trevas da tubaquina é dever de cada cidadão de bem, em honra aos que se foram e fraternidade aos que seguem na batalha da vida e a busca da felicidade.
P.S.: este artigo foi concluído logo antes da divulgação do vídeo da reunião ministerial.
(*) Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, diretor do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central e do Instituto Cultural Israelita Brasileiro, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.