“São R$ 250 bilhões por ano de lucros que podem ser usados para investir em educação pública, saúde pública, infraestrutura, reforma urbana, reforma agrária, transição energética para as renováveis, subsidiar e regularizar os preços dentro do mercado interno quando necessário, quando politicamente justificável”
Nesta edição, damos prosseguimento à palestra do professor Ildo Sauer, titular do Instituto de Energia da USP e ex-diretor da Petrobrás, no seminário “A crise dos combustíveis e da eletricidade: Soberania e desenvolvimento nacional”, promovido pelo Clube de Engenharia, no dia 17 de fevereiro.
Na primeira parte, o professor da USP, uma das maiores autoridades em energia do país, falou sobre o setor elétrico. Ele destrinchou as causas da crise do setor. Agora ele analisa o problema da explosão de preços dos combustíveis derivados do petróleo. Segundo Ildo Sauer, as duas crises estão interligadas e têm como causa comum a desestruturação das empresas públicas e o desmonte do Estado brasileiro.
Sauer destaca que há um conflito pela repartição do excedente econômico gerado pela comercialização do petróleo – cerca de 250 bilhões de reais por ano. “É legítimo que os consumidores de derivados queiram preços mais baixos. De um lado os acionistas querendo aumento de dividendos, e de outro, os consumidores querendo as condições para a redução de preços”, observou.
“A população consumidora de derivados, potencialmente, teria por objetivo que a Petrobrás, com sua capacidade técnica e gerencial, fosse instrumento para geração de renda a ser investida em finalidades sociais, principalmente, na exploração racional dos recursos do Pré-sal e outras fontes de energia”, acrescentou Ildo Sauer. Veja a palestra na íntegra.
S.C.
Preço dos combustíveis no Brasil: Fatos, versões, mitos, conflitos e controvérsias
ILDO SAUER
Desde o governo Getúlio Vargas, quando passou-se a tentar organizar, através do Conselho Nacional de Petróleo (CNP), um mercado de derivados, da entrada da mobilidade pelos veículos, que permitiram que nós abandonássemos os carros de boi, os burros, jegues, em favor da mobilidade, e também nos livrar um pouco da rigidez – embora seja favorável – das locomotivas e dos trens a vapor, que eram fixos, agora, com o carro, nós passamos a poder chegar a todas as regiões do país com flexibilidade.
PREÇOS INTERNACIONAIS
Desde então, a política de preço já era, até porque dependíamos da importação, vinculada aos preços internacionais.
Desde 1940 já aplicamos um imposto sobre os combustíveis líquidos que tinha a finalidade de organizar este mercado, e isso se tornou importante a partir de 1953, quando a Petrobrás foi criada para exercer o monopólio público, que foi decretado em 38, mas que ficou claro desde então que só um tigre de papel como o CNP não era capaz de fazê-lo.
Era preciso intervir sobre a natureza, construir capacidade humana, e na história da Humanidade poucas instituições cumpriram com maior excelência do que a Petrobrás essa trajetória, que iniciou em 53 e duas décadas depois, especialmente cinco décadas depois, tínhamos já uma das mais invejáveis capacidades humanas estruturadas de intervir sobre a natureza, compreendê-la e transformá-la em benefício de criar riqueza e mudança para a sociedade.
Muito embora tudo isso está em disputa, porque todos esses benefícios, que deveriam ir para os verdadeiros donos do petróleo, que desde 38 é o povo brasileiro. Está escrito em todas as leis e constituições que vieram depois, apesar da metamorfose de 95 de Fernando Henrique, de 97 e das mudanças constitucionais promovidas por ele. Apesar dessas mudanças lesivas, continua lá escrito o princípio de que o petróleo é do povo e a Petrobrás é uma construção histórica apoiada a partir de um sonho da população brasileira.
“Todos esses benefícios, que deveriam ir para os verdadeiros donos do petróleo, que desde 38 é o povo brasileiro”
A partir de 67, mesmo no governo militar, havia uma política de preço muito simples naquele tempo. Multiplicava-se o preço do petróleo, mais custo de importação, por 2,3 – por dois e pouco -, para chegar no preço do óleo diesel, do querosene, do gás liquefeito, da gasolina de aviação, etc. Havia um modelo organizado, regulado centralmente.
Em 78, passou-se à unificação – que até então era só no litoral – dos preços dos combustíveis. A política foi para todo o país, em grande parte vinculado à necessidade e possibilidade de interiorizar o desenvolvimento, especialmente para a expansão agropecuária na direção do Centro-Oeste, do Norte, até então menos ocupadas, menos povoadas, de onde veio a grande vertente do agronegócio, da agricultura em geral.
Em 84, em grande parte para viabilizar o próprio órgão, foi feita uma mudança regulatória, criou-se a conta álcool e a conta petróleo, quando o CNP fazia ações com a Petrobrás para garantir que o álcool, que não era competitivo, como a gasolina, pudesse entrar.
FIM DO MONOPÓLIO DA PETROBRÁS
Aliás, na reforma do Fernando Henrique, em 95, a Cide foi criada para permitir que o álcool pudesse continuar através de um fundo de estabilização. A proposta que foi ao Congresso era essa, para criar a Cide. Só que lá no Congresso ela foi metamorfoseada e virou um centro de transferência de recursos para várias finalidades menos o fundo de estabilização, que poderia ser estendido para os demais derivados. Poderia ser estendido, como ele foi inspirado, para manter o álcool viável, porque se o custo do álcool era superior ao da gasolina, ele não seria competitivo. Isso foi resolvido de outra forma.
Depois da reforma constitucional de 95, de Fernando Henrique, e a Lei 9478/78, que liberalizou o mercado de derivados no Brasil, isso foi mantido assim. Em todas as metodologias o preço de realização dos derivados estava vinculada ao preço internacional de petróleo. Isso não é novidade, mesmo porque dependíamos de importação.
O debate, agora, ele tem fundamento, é verdade, mas ele está na lei desde 78 e isso não foi mudado. Ele era regulado pelo CNP. Com a liberalização, o grande marco transformador foi exatamente a reforma constitucional para abalar o monopólio da Petrobrás, criar uma agência para regular, que permitisse a liberalização, a ANP (Agência Nacional de Petróleo).
E a Lei 9478 de 6 de agosto de 97, em vigor até hoje, que devia ter sido mudada em 2003 em diante e não foi. Nós tentamos, houve várias tentativas, ela foi mantida por uma série de razões sempre chamadas de necessário para manter a governabilidade que mesmo assim acabou redundando nessa tragédia que o país vive hoje com esse governo que está aí.
“E a Lei 9478 de 6 de agosto de 97, em vigor até hoje, que devia ter sido mudada em 2003 em diante e não foi. Nós tentamos, houve várias tentativas, ela foi mantida por uma série de razões sempre chamadas de necessário para manter a governabilidade que mesmo assim acabou redundando nessa tragédia que o país vive hoje com esse governo que está aí”
Ela estabelece, no seu Artigo 1º, que as políticas nacionais do aproveitamento racional de fonte de energia visarão os seguintes objetivos: proteger o consumidor quanto ao preço, o que não tem acontecido; qualidade e oferta; promover a livre concorrência, e mais ainda, o artigo 8 diz que a ANP tem como objetivo, no seu inciso 1º, implementar em suas esferas de atribuições a política nacional de petróleo, gás natural, contida na política nacional de livre concorrência, competitividade, cito eu, com ênfase na garantia de suprimento dos derivados no território nacional, na proteção dos consumidores quanto a preço, qualidade, oferta de produtos.
Quando a Petrobrás estabelece no artigo 61 as atividades econômicas, todas elas citadas no artigo, serão pela Petrobrás encaradas em caráter de livre competição com outras empresas em função das condições de mercado observado o período de transição da lei que era de 1997 e a transição se encerrava exatamente em 2001 quando acabava o governo Fernando Henrique. Estava na lei assim. Então coube ao governo seguinte e a nós, dirigentes da Petrobrás, implementar.
E daí tem uma série de dispositivos que eu cito aqui. A Petrobrás foi obrigada a abrir toda a sua logística de importação e de movimentação. Criou-se uma empresa chamada Transpetro para isso e a ANP passou a ser a vigilante dessa história. De maneira que isso continua assim até hoje. “A Petrobrás deverá constituir uma subsidiária com atribuições específicas”, tudo isso para quê? Para viabilizar o ritual ideológico do liberalismo apenas, não é para buscar a eficiência como eles dizem. É para abrir espaço para que entrem no Brasil, tanto a produção do petróleo quanto a movimentação de derivados, que fossem de amplo acesso. Evidentemente que isso só é possível com preços de paridade internacional. Ou muda-se o modelo, e há muitas possibilidades de mudá-lo – e eles foram propostos mas não foram implementados – essa é a mensagem importante que quero deixar, ou não resolvemos o problema.
Portanto, todos os governos mantiveram como princípio fundamental da política energética a livre concorrência e o papel empresarial competitivo da Petrobrás, o que exigiu enormes esforços de 2003 em diante para cumprir a lei, porque ela não foi mudada, e ao mesmo tempo atender esses princípios. Agora, alguns setores dizem que têm soluções para isso, mas quando a solução era possível ela não foi feita. O fato é que foram feito constrangimentos ao presidente da Petrobrás para descumprir a lei em vez de mudar a lei. Esse é o fato.
AÇÕES VENDIDAS NA BOLSA DE NOVA IORQUE
Nesse sentido, houve as ações da Petrobrás vendidas na Bolsa de Nova Iorque em 2000 por cerca de cinco bilhões de dólares, 30% da Petrobrás. A partir de então todo o direito da Petrobrás estava subordinado ao Cade aqui no Brasil, livre concorrência, à CVM (Valores Mobiliários) com penalidades, e acima de tudo, à Security Exchange Commission dos Estados Unidos.
Portanto, não tem liberdade o dirigente da Petrobrás de não cumprir a lei, isso é algo que muitos não querem entender. Mas a pergunta é: qual foi a solução que nós adotamos? Eu como professor, daqui, no debate em 2003, propus, e foi adotado assim, a teoria dos mercados contestáveis de um economista liberal, William Baumol, que diz que quando há abertura, como a legislação criou, a competição é potencial ou real. Isso restringe a conduta, como a Petrobrás sempre teve, de ficar próximo do preço internacional, do preço competitivo e cumprir a lei. Isso foi feito, com mudanças ao longo do tempo.
É importante lembrar que o que está em disputa – o petróleo, o Pré-sal no Brasil – são um conjunto de interesses conflitantes que devem ser atendidos por estratégias alternativas, que não têm nada a ver com a Petrobrás diretamente, têm que ser resolvidos pela sociedade.
E esses conflitos, eu situo eles aqui. Primeiro, com a liberalização e a venda das ações em Nova Iorque, quando a Petrobrás passou a ter sob controle estatal menos de 40% de seu capital, como votou até agora, a primeira grande força que atua em torno da Petrobrás são seus acionistas, que querem acelerar a produção do petróleo, a preços mais elevados possíveis, o quanto antes. Embora mais elevado, é uma controvérsia porque ele só vai ser elevado se houver um poder soberano exercido sobre o ritmo de produção do petróleo para coordenar a produção brasileira com a produção internacional da OPEP, como está acontecendo agora.
Hoje o preço estava em 90 e poucos dólares o barril, um pouco acima até do preço estratégico de 60, 80 dólares que a própria OPEP propõe. Tem a ver com a conjuntura atual da Ucrânia, da Rússia, dessa situação. Mas, em geral, esse é um preço, muito acima do custo. Esses acionistas não querem nem saber que o petróleo seja do povo brasileiro, que a Petrobrás seja uma construção histórica do povo. Essa é a metamorfose imposta a partir de 95. E não o suficientemente desmontada e refeita nos anos seguintes.
É legítimo que os consumidores de derivados queiram preços mais baixos também, De um lado os acionistas querendo aumento de dividendos, e de outro, os consumidores querendo as condições para a redução de preços. A população consumidora de derivados, potencialmente, teria por objetivo que a Petrobrás com sua capacidade técnica e gerencial fosse instrumento para geração de renda a serem investidas em finalidades sociais, principalmente, na exploração racional dos recursos do Pré-sal e outras fontes de energia.
Isso se traduz da seguinte forma: se a população brasileira, parte dela andando a pé, sem escolas e sem saúde, é dona do petróleo, e, criadores da Petrobrás, espera-se que o excedente econômico gerado pelo petróleo fosse acima de tudo para investir em educação pública, saúde pública, etc.
É verdade também que parte do excedente econômico poderia ou deveria ser direcionado ao mercado nacional, porque se a nossa grande vantagem comparativa no período da urbanização, da industrialização dos anos 30 até os anos 95, foi exatamente energia elétrica, derivado de petróleo a preços capazes de permitir o avanço e a modernização, essa questão se coloca de novo agora. Como reestruturar isso?
E há também integrantes do governo e sua base aliada que sistematicamente têm buscado instrumentalizar a Petrobrás para seus propósitos de manutenção de poder e enriquecimento ilícito, político e pessoal, indicando despachantes de interesses para funções de direção que deixaram notórios problemas.
E há também um problema geopolítico, a que tenho me dedicado nos últimos anos. A OPEP, junto com os países exportadores, não membros da OPEP, o principal é a Rússia, e os dois principais exportadores não membros da OPEP, convidados mas que não participam, são o Canadá e o Brasil. Grandes exportadores que não coordenam suas ações com a OPEP.
“Os dois principais exportadores não membros da OPEP, convidados mas que não participam, são o Canadá e o Brasil”
Há um conflito geopolítico muito claro no mundo. Os países ricos da OCDE junto com a China querem cada vez mais produção de petróleo ao menor custo, e o preço depende de uma questão geopolítica. Como nós sabemos, na Arábia Saudita o custo do barril direto – custo de capital e trabalho – é cerca de dois dólares, no Pré-sal brasileiro é dez dólares, fora as transferências e os custos indiretos. Aí ele chega a 30 dólares, ou pouco mais. Mas mesmo assim, com o preço de 80 dólares, ou noventa ou setenta, o excedente econômico é enorme. São 40 a 50 bilhões de dólares em disputa por ano neste segmento, que poderia financiar a educação pública, a saúde pública, e ajudar a ter uma política de preços para transferir parte dessa riqueza para a população brasileira.
Isso não foi feito porque o modelo implementado por Fernando Henrique foi mantido até agora. Não foi mudado. Então são todos cúmplices nessa trajetória. E essa disputa internacional, obviamente, está se manifestando aqui no Brasil. Empresas que não tinham acesso a recursos de reservas, porque a nacionalização nos outros países aconteceu a partir de 60, e ela se materializou com o poder da OPEP a partir de 2005/2006, depois do fracasso dos choques de 73/79.
De 2005 para cá, a OPEP que produz cerca de 40%, junto com a Rússia, do que é consumido no mundo, mas nesses 40% estão aqueles recursos que têm necessariamente que ser importados para os demais países que são importadores, exceto Brasil e Canadá, que deviam estar associados à Opep. O que esses países importadores querem? Preços mais baixos. O que os países produtores precisam buscar? Preço equilibrado para abrir mão do petróleo agora – 60, 80 dólares por barril – e gerar excedente. Isto pode ser distribuído para a população, resgatar a dívida social – educação, saúde pública, vimos agora o papel importante do SUS (Sistema Único de Saúde) – e também favorecer os consumidores especialmente dentro daqueles segmentos de produção vinculados à modernização brasileira. Esse projeto político é fácil de ser feito. Ele está em conflito geopolítico, portanto.
EXCEDENTE DE 50 BILHÕES DE DÓLARES ESTÁ EM DISPUTA
O grande prêmio que está em disputa no Brasil. Em 2019, o consumo anual de derivados era 2,4 milhões de barris por dia, caiu quase 5% em 2020 por causa da pandemia. A produção brasileira de petróleo em 2020 era de 3 milhões de barris por dia, o que dá 1,1 bilhão de barris por ano. O excedente econômico médio nos últimos anos direto, dez dólares, capital e trabalho, desgastes das plataformas, etc. Com 80 dólares o preço ou 70 dólares por barril, vezes 1,1 bilhão de barris por ano, são 77 bilhões de dólares por ano de excedente econômico.
Os custos indiretos, royalties, participações, etc, mais impostos, Cofins, Imposto de Renda, consomem cerca de 20 dólares por barril, o que chegaria no máximo a 20 bilhões de dólares, eu botei 30 bilhões.
O excedente total é no mínimo, por ano, nas condições atuais, de 40 bilhões de dólares. É isso que, na minha opinião, está sendo retirado da riqueza que pertence ao povo brasileiro, que, pela Constituição, é dona do petróleo. Temos a Petrobrás com sua construção histórica capaz de cumprir a tarefa de retirá-lo. na trajetória adequada, para coordenar a produção brasileira de maneira soberana, com os demais produtores vinculados à Opep e à Rússia. Com isso podemos garantir um preço que compense o valor dessa riqueza. Podemos equilibrar o interesse da população geral, dona do petróleo, com o interesse dos consumidores.
Por que isso não foi feito até agora? Não foi por falta de proposta. Foi por falta de estruturação política, de força política, de vontade política, de acordos políticos, porque foi mais fácil, ao longo das últimas décadas, sucumbir às pressões dos interesses de grupos que mantiveram substancialmente a trajetória liberalizante de 95, cujos resultados têm sido dramáticos no setor elétrico e tem sido dramático também no setor de petróleo agora.
Qual foi a orientação da lei que citei a pouco? Até 2002, o preço do petróleo no mercado internacional estava relativamente estável, desde o segundo choque, variava de 14,15 a 20 dólar por barril. A reorganização da OPEP, liderada pelo Chavez e pela Rússia, que entrou como não membro da OPEP, mas coordenado com a OPEP, e a Arábia Saudita, fez com que o preço estratégico fosse esse que citei há pouco. Desde então passamos a ter no Brasil a dificuldade que citei, que nos coube a administrar de 2003 em diante. Como manter a lei, aplicar a lei, dizer que os preços da Petrobrás eram competitivos. Foi a teoria dos mercados contestáveis.
Os preços de 2002 a 2021, os preços internos no Brasil. Na gasolina e no diesel, de 2003 para cá nós mantivemos os preços em patamares, um pouco acima, periodicamente. Era um mercado contestável, se a Petrobrás mantivesse um preço muito acima do mercado internacional, se ela mantivesse muito abaixo, os dirigentes seriam acusados de fazer dumping e acusados pelos acionistas, pela CVM e pelo Cade de práticas anticompetitivas, e acusado na SAC de não defender os interesses dos acionistas e serem processados. Esse é o dilema. Foi o grande debate que tivemos lá no começo. Foi até o ano 2012 pelo menos.
Houve aqui um período em que o preço interno era superior ao preço internacional. Em média estava internacionalizado. A coisa muda a partir de 2014, não de 2016 apenas. A primeira vez que nós passamos a ter sistematicamente preços internos acima dos internacionais inclusive. Depois veio, com o Temer, a política do presidente da Petrobrás de então, que já tinha notória experiência em promover racionamento elétrico em 2001/2002, quando ele era chefe do comitê de crise. Ele assumiu a presidência da Petrobrás e começou a praticar oscilações diárias dizendo que isso era uma exigência da lei. Não!
“Depois veio, com o Temer, a política do presidente da Petrobrás de então, que já tinha notória experiência em promover racionamento elétrico em 2001/2002, quando ele era chefe do comitê de crise. Ele assumiu a presidência da Petrobrás e começou a praticar oscilações diárias dizendo que isso era uma exigência da lei. Não!”
Nós demonstramos antes que havia um outro jeito de fazer e depois poderia ter sido melhorado, se fizesse um fundo de estabilização, para estabilizar mais ainda se usássemos. Semelhante foi a trajetória no diesel. Um pouco abaixo, um pouco acima, em média iguais, e a mudança novamente vem a partir de 2014/2015, quando os preços internos eram superiores aos preços internacionais. E a tragédia disso, a combinação disso com a redução do uso da capacidade de refino no Brasil.
Quem olha de fora acha que houve uma grande conspiração. Não estou dizendo que isso aconteceu, mas houve sim, além de abandonar a política de preço e patamares, com o governo Temer, a Petrobrás passou a ter oscilações diárias que gerou aquela crise com os caminhoneiros, em parte para resolver esse problema passaram a parar de refinar petróleo no Brasil.
A média histórica de uso da capacidade de refino que era semelhante, se nós produzimos cerca de 2,3 milhões de barris por dia, capacidade de refino brasileiro é de 2,3 milhões, não necessariamente temos que refinar tudo aqui, porque têm problemas de ajustes técnicos a serem feitos, tipo de petróleo e de custo. Nós passamos a usar apenas 75% da capacidade. Ficamos com 25% de capacidade ociosa no refino brasileiro. Então parece que houve uma ação concertada de 2014 para cá de mudar a lógica de operação do sistema, que era precária antes, é verdade, devia ter sido diferente, mas mal ou bem atendia às necessidades.
Nota-se que o que havia no Brasil sempre se manteve próximo do internacional porque senão os aviões aqui e lá fora teriam dificuldades, etc. Então esse é o quadro da prática de preços que não está vinculado à direção da Petrobrás, ela é uma implementadora, está vinculada à legislação nacional. Agora estão votando coisas novas.
Sobre a capacidade de refino, a maior parte das refinarias estava sob o controle da Petrobrás. Agora, infelizmente estão cometendo a tragédia de vender as refinarias, sob a mentira de que isso vai reduzir os preços, não vai. Que vai aumentar a competição, não vai. Se a Petrobrás tem uma coordenação nacional, ela tem capacidade de implementar uma política para repartir o benefício econômico entre os grupos que não têm petróleo e não têm nada, os pobres, que precisam de educação e saúde, de uma fração do dinheiro para isso, uma fração para os consumidores.
PRIVATIZAÇÃO DAS REFINARIAS NÃO VAI BAIXAR PREÇOS
Quando privatiza uma refinaria como a da Bahia, o operador privado olha, qual o custo contra o qual eu compito aqui? É o petróleo refinado que vem de Pernambuco, que vem do Rio de Janeiro, ou vem de Minas Gerais, ou vem do exterior, pratico esse preço. É o que está acontecendo lá na prática. Quando o discurso do governo atual é de que privatizar o refino é melhorar a competição, não vai, não irá. É uma falácia fazer essas afirmações que, infelizmente, grande parte da mídia brasileira repete a exaustão ajudando a passar a ideia de desmantelar a Petrobrás como se uma empresa pequena que produzisse óleo de interesse dos acionistas apenas.
Eles não a veem com sendo do país. Não é da população brasileira e não é de um projeto de desenvolvimento soberano para usar o setor de energia elétrica, recursos eólicos, recursos hidráulicos, sol, potencial agrícola, potencial mineral no Brasil, usar o petróleo como instrumento de gerar excedente de gerar a expansão da produção, redistribuição da produção e mudar o país. Como foi o que nós sonhamos quando anunciamos o Pré-sal.
Sobre a capacidade de refino. Em 2018, 72%, 73%, 74% da capacidade de refino. 28% de ociosidade no Brasil, exigindo importação de 500 mil barris de derivados combinados com a exportação de 1 milhão de barris por dia. O Brasil exporta 1 milhão de barris por dia, porque produz cerca de 3 milhões, consome pouco menos de 2,5, então exporta 1 milhão de barris e importa 500 mil de derivados. Isso foi feito em grande parte abrindo espaço para operadores.
Eu vou mostrar aqui quando essa história começa. Em 2014, usávamos 96% da capacidade. Isso foi caindo para 84%, 72% em 2017. Os anos anteriores a utilização era acima de 90%.
O que está em disputa no Brasil é o grande prêmio do excedente econômico atual. E a maior tragédia que nós temos é que não sabemos sequer quantos bilhões de barris existem no Pré-sal. Era um investimento relativamente baixo, que podia ter sido feito via governo com a ANP, contratando a Petrobrás para executar isso e definir se nós temos 80 bilhões de barris, 100 bilhões de barris, 150 ou mais, sabendo que a maior reserva do mundo está pouco abaixo de 300 bilhões de barris é na Venezuela, a segunda próxima dela é da Arábia Saudita e outro bloco de países que situa entre 80 e 120 bilhões que é a Rússia, Canadá, Líbia, os países do Oriente Médio, etc. Sequer isso não sabemos. E fazemos lei.
É intolerável que a gente não saiba quanto tem, organizar uma estratégia de produção, pegar uma parte desse recurso que custa 80 dólares, não sabermos o preço, hoje estava em 93, então o que está em disputa no Brasil é isso. São cerca de 50 bilhões de dólares pelo menos que equivale a 250 bilhões de reais por ano que podem ser usados para investir em educação pública, saúde pública, infraestrutura, reforma urbana, reforma agrária, transição energética para as renováveis, subsidiar e regularizar os preços dentro do mercado interno quando necessário, quando politicamente justificável.
E agora? O povo brasileiro tomará a construção do futuro em suas mãos se quiser fazê-lo com o setor energético, como foi historicamente nos anos 30 para cá no Brasil e no mundo inteiro? A coordenação dele no interesse público é fundamental. A história do Brasil demonstra, a história do mundo, o fracasso das tentativas recentes de fazer diferente também o demonstram.
E qual o desafio real? Na minha opinião, fora a mudança, a organização da indústria, do modelo regulatório, da repartição econômica dos benefícios do setor energético é a garantia do abastecimento, do instrumento para alavancar a produção no Brasil, para distribuir melhor o produto, para transformar esse país no que ele pode ser, um país de bem estar para todos.
“Na minha opinião, fora a mudança, a organização da indústria, do modelo regulatório, da repartição econômica dos benefícios do setor energético é a garantia do abastecimento, do instrumento para alavancar a produção no Brasil, para distribuir melhor o produto, para transformar esse país no que ele pode ser, um país de bem estar para todos”
Além do modelo setorial energético, nós precisamos de um novo modelo de organização social e política capaz de fazer com a que a vontade popular se expresse concretamente no poder que é exercido em Brasília e em todos os lugares e que então converta esse anseio em instrumentos reais.
Portanto, a tarefa do Clube de Engenharia, e de todos nós, vai além da engenharia. Está na hora de voltar para a planície, todos nós, andarmos cada um lado a lado com todos os brasileiros para enfrentarmos a tragédia das últimas décadas no setor elétrico e a disputa encarniçada e ocultada do povo em relação ao petróleo. Devemos também destacarmos a grande vitória que representou a descoberta do Pré-sal para ser aquilo que nós esperávamos que ele fosse. Temos a tarefa de construir as instituições, os mecanismos para usar esses instrumentos e transformar o país.
Isto está na esfera da sociedade e da política e foi nessas esferas que o Clube de Engenharia deu sua contribuição extraordinária ao longo da história para construir o país, inclusive nos momentos críticos, atuando claramente no campo da política e do interesse coletivo. Então é esta a mensagem com que encerro minha participação aqui. Muito obrigado.