Em entrevista na TV USP, o docente do IEE-USP e ex-diretor da Petrobrás defendeu que os recursos do petróleo sejam destinados ao desenvolvimento do país e sirvam para a melhoria de vida da população
O professor Ildo Sauer, docente do Instituto de Energia da USP e ex-diretor da Petrobrás, afirmou, nesta sexta-feira (10), em debate sobre política energética brasileira, no programa “Desafios” da TV USP, que o Brasil pode se beneficiar da produção e venda externa de petróleo e, ao mesmo tempo, aumentar a capacidade de refino interno com preços mais sintonizados com o poder aquisitivo da população brasileira.
RIQUEZA DO PETRÓLEO DEVE SER MELHOR DISTRIBUÍDA
No debate com o professor Luiz Roberto Serrano, Ildo falou das limitações atuais impostas à gestão da Petrobrás – principalmente, segundo ele, após às mudanças introduzidas na década de 1990 – e apontou que o novo governo do presidente Lula tem a possibilidade de criar políticas que garantam, além de preços mais estáveis, que a riqueza criada a partir das reservas de petróleo nacionais seja melhor distribuída, visando atender adequadamente as demandas do país e da população brasileira.
Ildo criticou a absurda distribuição de dividendos aprovada na última reunião do conselho de administração da empresa. Foram pagos R$ 215 bilhões aos acionistas no último ano. Uma decisão que, segundo ele, aponta para a dilapidação da capacidade de investimentos da empresa.
A Petrobrás teve um lucro de R$ 180 bilhões no mesmo período. Isso se deu, segundo Ildo, após a mudança no estatuto da empresa, que determinava apenas, antes da mudança, uma distribuição mínima de 25% em dividendos.
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Ele lembrou que a direção da estatal ainda não foi mudada e que, apesar da “elegância” do novo governo em respeitar os ritos da mudança – que só será concluída em abril -, o atual conselho “abusou desta elegância do governo. Segundo ele, este último ato, que é da política do governo derrotado nas urnas, “foi um atropelo deselegante”.
DIVIDENDOS PREDATÓRIOS
“Eu acho que esta decisão – de distribuir o R$ 38 bilhões referentes ao último trimestre – deveria ter sido deixada para o novo conselho, já que houve uma mudança entre as visões divergentes que haviam no debate público entre o governo anterior e o novo”, argumentou Ildo Sauer.
“Até agora o único membro que foi incluído na nova direção foi o ex-senador Jean Paul Prates, que assumiu a presidência da empresa”, acrescentou o professor da USP, destacando que conhece Prates de debates públicos, e que teve com ele “concordâncias e discordâncias em várias questões”.
Ele apontou que o novo governo tem como mudar políticas da empresa e garantir que os lucros obtidos pela Petrobrás sejam utilizados em novos investimentos, em maior capacidade de produção de derivados e em políticas públicas que beneficiem a população brasileira.
QUEIMA DE ATIVOS
Ildo afirmou também que, mesmo com as restrições impostas à estatal, que limitam a atuação de seus dirigentes, a atual diretoria, nomeada pelo governo Bolsonaro, enxergou espaço para praticar uma política de dilapidação do seu patrimônio.
Fez isso, segundo Ildo, e ainda computou toda essa queima de ativos da empresa como se fosse lucro. Foi exatamente esse “lucro” – e mais, evidentemente, o que foi obtido com a exportação de petróleo – que a direção da empresa, nomeada por Bolsonaro, acabou repassando quase integralmente aos acionistas, denunciou o ex-diretor da estatal.
Ildo Sauer diz que há quatro grandes grupos de interesse que disputam o excedente econômico criado com a produção e a venda do petróleo brasileiro. São eles, os consumidores, que justamente, segundo o professor, querem preços mais baixos; os acionistas, que querem o lucro máximo para terem mais dividendos; a população como um todo, que seria, em última instância, e pela Constituição, a dona de todo o petróleo, e que quer que essa riqueza seja usada para melhorar sua vida; e, por fim, os países importadores de petróleo, que querem controlar as reservas brasileiras em benefício próprio.
IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO
Ildo Sauer apontou o imposto de exportação de petróleo bruto como uma das medidas que o governo pode tomar – e efetivamente tomou – para obter mais recursos para investimentos e até mesmo para criar mecanismos de estabilização dos preços internos. Ele, no entanto, criticou o fato da decisão tomada pelo novo governo ter sido definida por apenas quatro meses. Ildo sugeriu que o imposto deve ser permanente e que a exportação de derivados, na hipótese de o Brasil vir a fazê-lo, com a retomada do refino e investimentos na área, também seja taxada.
Sauer criticou não apenas a venda de gasodutos e campos de petróleo, mas também o abandono de obras de novos projetos, e a venda das refinarias da Petrobrás. Esta queima de ativos foi determinada por uma decisão que, segundo Ildo, é inadequada ao país. A queima de patrimônio da empresa reduziu a capacidade de refino do Brasil e criou espaço para o surgimento de um forte lobby de empresas importadoras de derivados, que pressionam sempre por preços mais altos dos combustíveis.
Na opinião do especialista, o controle de preços dos derivados também poderia ser adotado, apesar de ser, segundo ele, de difícil aplicação. A conclusão do professor Sauer é de que há diversos mecanismos, “inclusive dentro das leis de mercado”, que o governo pode lançar mão para garantir que a maior parte da riqueza do petróleo beneficie o país e a população e que os preços internos sejam mais estáveis.
Segundo ele, essa é uma contenda que será resolvida, não principalmente pela direção da Petrobrás, mas na esfera do Poder Executivo e da política.
MUDANÇA DO MODELO
Nesse quadro, ele argumenta que as diversas opções, entre as quais, a mudança do modelo de exploração de petróleo no Brasil – substituindo os contratos de partilha por contratos de prestação de serviço, principalmente com a Petrobrás – é a proposta que mais o agrada. Serão decisões que, se tomadas, o serão na esfera política, avaliou.
“São questões de governo”, argumentou. Ele, como membro da academia, acha que o papel que pode cumprir hoje é de ajudar a esclarecer a opinião pública, já que boa parte da imprensa ajuda a confundi-la. “É necessário um maior esclarecimento da população sobre estas questões para que ela possa participar desse processo e, inclusive, ajudar a mudança da atual correlação de forças sobre os assuntos de energia”, defendeu.
Segundo Ildo Sauer, o modelo de contrato de serviço que está previsto na atual legislação brasileira é o mecanismo que a maioria dos países produtores de petróleo adotam.
Em sua opinião, esse modelo poderia garantir cerca de R$ 300 bilhões livres anualmente aos cofres do Tesouro Nacional – que poderiam, segundo ele, ser usados em investimentos em Saúde, Educação, Infraestrutura, Ciência e Tecnologia e em pesquisas para viabilizar a necessária transição energética. Esta é, em sua opinião, a melhor forma de garantir que o petróleo seja explorado em benefício do povo e do país.
PETRÓLEO PARA O DESENVOLVIMENTO
Esses cálculos, que apontam a existência deste potencial enorme de recursos, são feitos pelo professor Ildo Sauer com base no diferencial entre os custos de produção do petróleo do pré-sal, que é de 8 a 10 dólares – impostos inclusos -, mais 10 dólares que seriam pagos pelo serviço prestado, o que garante um bom lucro para a Petrobrás, com o preço do barril de petróleo hoje na faixa dos 80 dólares.
O Brasil está produzindo cerca de 3,2 milhões de barris de petróleo por dia, dos quais 75% pela Petrobrás. Esta produção chega a 1 bilhão de barris por ano. Com o ganho de 60 dólares por barril, que seria conseguido com o modelo de contratação de serviços, isso significaria 60 bilhões de dólares por ano para o governo, ou seja, R$ 300 bilhões livres, pelo câmbio atual.
Para Ildo Sauer, que é uma das maiores autoridades em energia do Brasil, essas são opções que estarão na ordem do dia do novo governo e que poderão ser adotadas no sentido de se resolver as necessidade de estabilização dos preços dos combustíveis.
Segundo Ildo, mais do que isso, serão opções que, se adotadas, “poderão garantir recursos que viabilizarão o desenvolvimento do país, a estabilidade dos preços e também o pagamento da enorme dívida social que o país tem com a população pobre deste país”.