Os artigos que estão nesta página compõem a coletânea “Morte ao Invasor Alemão!”, de Ilya Ehrenburg, publicada pela Editorial Vitória, no Brasil, em 1944.
É um pouco chover no molhado dizer, hoje, que aquela foi uma época heroica. Após setenta e cinco anos da vitória sobre o nazismo, pareceria – ou devia parecer – algo tão óbvio, que dispensaria dizê-lo.
Entretanto, é necessário relembrá-lo, até porque detalhes, que revelam o conjunto, são fáceis de esquecer. Sobretudo considerando o torvelinho que foram os anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, sobretudo na União Soviética.
Konstantin Simonov, em um prefácio escrito para “A Jovem Guarda”, de Alexander Fadeiev, revela que um terço dos membros da União dos Escritores Soviéticos deram suas vidas na luta contra o nazismo.
O próprio Simonov, autor de alguns dos poemas e textos em prosa mais famosos da época da guerra, escreveria, 11 anos após o fim da guerra, em meio ao festival de oportunismo destampado por Kruschev no XXº Congresso do PCUS:
Inverno do ano de quarenta e um,
podemos ignorar o que custaste?
É mau que haja passado a moda
de acertar esse preço.
Apesar disso, em dias de mau tempo,
que não permitem esquecer a guerra,
aquele inverno de quarenta e um
revive dentro de mim, qual a consciência.
Ainda que se ponham tapa-orelhas às recordações,
aos amigos divides você
entre os que se esconderam em Tashkent
e os que tombaram para salvar Moscou.
Pelo visto não se poderá apagar
da minha memória aquela chacota vil
de que o mais importante na guerra
era sobreviver.
Não direi o nome, depois de tantos anos,
de quem, pensando assim, sobreviveu…
Mas a própria chacota não a esqueço,
esquecê-la seria um grande erro!
Não para censurar a este ou aquele,
mas sim para saber quem é inteiro.
Para isso o primeiro inverno da guerra
nos oferece a mais fiel das balanças.
Talvez também hoje em dia seja útil,
sem deixar que se apague a memória,
essa balança, justa e inflexível,
a alguém aplicá-la sem demora.
Palavras muito justas em 1956. Sobretudo de quem não se escondeu durante a guerra – como, aliás, a maioria dos escritores soviéticos.
É justo, entretanto, lembrar que, durante o cerco de Leningrado, mesmo a futura musa literária do anticomunismo (e, especialmente, do anti-stalinismo), Ana Akhmátova, portou-se com dignidade. Por exemplo:
Aquelas que hoje se despedem do amado
saibam a dor em força transformar.
Juremos às crianças e às tumbas
que ninguém nos poderá escravizar.
Mas também é justo recordar que essa fase da poesia de Akhmátova não resistiu ao seu posterior refúgio, ainda durante a guerra, naquela cidade do Uzbequistão mencionada no poema de Simonov: Tashkent.
O que hoje parece estranho – que tenham sido aqueles (como Zoschenko ou Akhmátova) que o Estado soviético e a direção do Partido Comunista tanto protegeram, retirando-os de Leningrado, onde um milhão de soviéticos morreram de fome, sob o bloqueio nazista, mas não entregaram a cidade, que se tornaram as figuras de proa do anticomunismo na literatura posterior – parece mais compreensível após a leitura do poema de Simonov, e, sobretudo, dos textos de dezenas, centenas de escritores, que foram para a frente de batalha contra o nazismo. O que se poderia esperar dos que não o fizeram – ou o fizeram a meio, de modo dividido?
O ESCRITOR
Dos escritores soviéticos que estiveram na linha de frente – ou como soldados ou como correspondentes de guerra – nenhum conquistou tanta notoriedade quanto Ilya Ehrenburg.
Teve admiradores, inclusive, insuspeitados – pelo menos na sua época. Em um dos seus livros de memórias, Zelia Gattai lembrou um deles: Getúlio Vargas.
“Ehrenburg tinha muita vontade de conhecer o Brasil e essa era a oportunidade, poderia parar no Rio de Janeiro, na volta de Santiago, onde o avião fazia escala. Havia apenas um problema, e grande: conseguir visto de entrada no país. A situação no Brasil andava crítica, convulsa, todo mundo tenso, a crise política crescia, Vargas atacado sem tréguas por seus inimigos, encurralado, acabaria encontrando uma única saída: o suicídio.
“Antes de viajarmos para Santiago, Jorge [Amado] fora direto aos altos escalões do governo a fim de pleitear vistos para os Ehrenburg. Procurara o ministro Oswaldo Aranha, a quem conhecia pessoalmente, pedindo-lhe sua intervenção junto ao presidente. Consultado, Vargas lamentara não poder atender ao pedido, era admirador de llya Ehrenburg, fora leitor assíduo de suas crônicas, escritas no front, durante a última guerra, mas, na situação em que se encontrava, mal podendo manter-se no poder, diante do crescimento da campanha para depô-lo antes da realização de novas eleições, um golpe de Estado em preparação… Lamentavelmente não podia autorizar a entrada do escritor soviético no país. Um visto para Ehrenburg poderia ser a gota d’água de que necessitavam seus adversários. Oswaldo Aranha lastimou, mas de fato o presidente tinha razão, não podia. Aliás, Getúlio se suicidaria dias depois da passagem de llya e Luba pelo aeroporto do Rio” (v. Zélia Gattai, Chão de Meninos, Companhia das Letras, 1992).
A fama de Ehrenburg era inteiramente justa – e tinha relação direta, evidentemente, com o fato de que ele era um dos principais romancistas do mundo desde a primeira metade da década de 30 do século passado, quando publicou “O Segundo Dia da Criação”, livro que tem como pano de fundo (aliás, mais do que isso, já que este é o próprio tema do romance) a construção do socialismo na URSS, na época do primeiro plano quinquenal.
Durante a guerra, Ehrenburg escreveu, entre outras, duas obras literárias decisivas: os romances “A Queda de Paris” (publicado no Brasil em tradução de Monteiro Lobato, realizada a partir da edição inglesa) e “A Tempestade” (publicado pela coleção “Romances do Povo”, dirigida por Jorge Amado), provavelmente, o melhor romance da II Guerra Mundial.
Por ambos, Ehrenburg recebeu o Prêmio Stalin de Literatura (de 1942 e de 1947), em seu grau máximo.
Sua obra é extensa – e compreende também a poesia, o conto e o ensaio crítico.
Mas, aqui, chamaremos atenção sobre sua obra jornalística.
O JORNALISTA
Desde 1923, Ilya Ehrenburg foi correspondente do Izvestia (o jornal dos soviets), baseado em Paris. Seus artigos dessa época, anterior à guerra, têm como tema uma série de países (14 ou 15 países), embora, antes de 1936, sobretudo cobrem a sociedade e a política francesas.
Como o golpe de Franco na Espanha, em 1936, e a consequente Guerra Civil Espanhola, Ehrenburg inicia sua trajetória como correspondente de guerra. Ele fez parte daquela plêiade de jornalistas e escritores – cujos nomes mais notáveis são Ernest Hemingway, o próprio Ehrenburg e Robert Capa (na época da guerra na Espanha este era o pseudônimo do casal de fotógrafos formado pela alemã Gerda Taro e pelo húngaro Endre Friedman; depois da morte de Gerda, na guerra espanhola, o pseudônimo continuou sendo usado pelo último) – que cobriram a luta heroica do povo espanhol e de sua república, antessala da Segunda Guerra Mundial e da unidade dos povos contra o nazi-fascismo.
Seria, naturalmente, na cobertura da invasão nazista de seu próprio país, a URSS, que Ehrenburg, já então um dos maiores jornalistas do mundo, se tornaria um – se podemos assim dizer – autor universal.
Deixaremos que o leitor, a partir dos textos abaixo, faça o seu próprio julgamento sobre a importância do jornalista Ilya Ehrenburg.
Aqui, abordaremos a questão que, devido à luta política, tornou-se a mais polêmica de sua obra.
Trata-se do que foi chamado – pelo próprio Ehrenburg – de “direito ao ódio”, isto é, o direito do povo soviético de odiar os nazistas. Não apenas o nazismo, mas os nazistas, isto é, qualquer alemão que, naquela época, enfiasse a bota (ou o sapato) em território soviético, ou em qualquer pedaço de chão pertencente a outros povos.
Em suas memórias, ele conta como despertou para o problema: durante o avanço nazista sobre a URSS, Ehrenburg assistiu a uma corte marcial. Os integrantes de uma bateria estavam sendo julgados por não terem atirado sobre os nazistas, e, com isso, permitido que o exército alemão passasse, afogando em sangue mais uma parte da terra.
O comandante da bateria se defendeu: os alemães eram um povo culto, entre os quais nasceram Goethe e Marx. Por isso, disse ele, tinha esperanças de que se convencessem a não obedecer as ordens de Hitler, a não se submeter ao crime.
Ehrenburg saiu do julgamento com um gosto amargo. O principal obstáculo a que os soviéticos vencessem os invasores, pensou ele, era que não odiavam suficientemente esses invasores.
Daí, um primeiro artigo, publicado no “Estrela Vermelha” – o jornal das Forças Armadas soviéticas – sobre o direito ao ódio do povo soviético contra os alemães que invadiam seu país, que torturavam e assassinavam seu cidadãos.
A invasão da União Soviética pelas hordas de Hitler, diga-se de passagem, foi o maior genocídio da história da humanidade, em que 15% da população – quase 30 milhões de pessoas – foram mortas.
Era necessário, portanto, odiar os invasores, os assassinos, os nazistas – e nazista devia ser considerado qualquer alemão que se submetesse a Hitler. Esses alemães não eram vítimas; eram carrascos, tanto quanto o próprio Hitler, ou quase isso.
Não se tratava de uma “narrativa”, de um artifício de propaganda enganosa.
Um autor tão anticomunista quanto Alexander Werth – correspondente da BBC na Rússia, durante a guerra – confirma que as tropas alemãs se portavam exatamente assim em território soviético, estimulados pela promessa de um pedaço de terra. A isso chamou-se (Deus!) “limpeza étnica” – o extermínio da população local, com o território esvaziado para a futura ocupação do “espaço vital” que Hitler designara para a Alemanha no Leste, isto é, na União Soviética. Isto, inclusive, em parte, diferenciou o comportamento das tropas alemães na URSS daquele das tropas italianas, romenas e húngaras (v. Alexander Werth, “Russia At War 1941-1945”, Avon Books, NY, 1965).
Foi assim, superando a inibição de odiar o inimigo, que a URSS esmagou os nazistas – e a humanidade derrotou a pior ameaça à sua existência.
Para que se tenha ideia da repercussão dessa atividade de Ilya Ehrenburg, talvez bastasse sentir essa repercussão na obra de outros artistas. Por exemplo, no próprio Simonov, em um dos poemas mais conhecidos dessa época:
Se você não quer dar
Para um alemão, com sua arma escura,
Sua casa, sua esposa, sua mãe
E tudo o que chamamos nossa terra natal.
Então saiba que sua terra natal não será salva
Se você mesmo não a salvar.
E saiba que o inimigo não será morto,
Se você mesmo não o matar.
Mas existe algo ainda mais significativo – ainda que nojento, muito nojento.
São as acusações do próprio Hitler de que Ehrenburg estava pregando o extermínio do povo… alemão. E a condenação à morte que o mesmo Hitler decretou para o escritor soviético em 1945, algumas semanas antes dos soviéticos entrarem em Berlim. Obviamente, não era Ehrenburg quem estava condenado à morte…
Após a guerra, na Alemanha Ocidental, alguns daqueles escritores que se cobriram com o rótulo roto da “imigração interna” (segundo diziam, sua oposição a Hitler não foi visível porque, corajosamente, optaram por não sair da Alemanha – ao que poderíamos acrescentar: também optaram por não fazer qualquer coisa contra Hitler), acusaram Ehrenburg de forçar os alemães a se unir a Hitler, com medo do extermínio por parte dos soviéticos…
Não prosseguiremos com esse rol de indignidades, pois o estômago reclama. Apenas acrescentaremos que nada disso teria importância se, dentro da URSS, não aparecesse um longínquo eco dessa sujeira.
Apareceu no Pravda, jornal do PCUS, quando sua direção foi assumida por Mikhail Suslov, o mesmo que, depois, seria “secretário de ideologia” de Kruschev.
O ataque a Ehrenburg foi assinado por um certo Alexandrov, na época chefe do Departamento de Agitação e Propaganda do Comitê Central, posteriormente destituído por comportamento imoral, incompatível com um membro do partido.
Ehrenburg enviou, então, uma carta a Stalin, protestando contra o ataque, que, então, cessou.
A série de problemas posteriores exige um trabalho à parte para que sejam abordados com um mínimo de profundidade. Aqui, nesta introdução, bastam essas poucas anotações, pois este texto já vai longe (e longo) demais.
Por fim, destacamos que a tradução dos artigos de Ehrenburg foi revista, para tornar alguns trechos de acordo com o português brasileiro atual, não apenas em termos ortográficos, mas, também, prosódicos. Por exemplo, em vários casos substituímos o verbo “gelar” por “congelar”.
Mas isso são detalhes. Essencialmente, a tradução é a mesma que Mose Wainer realizou para a Editorial Vitória, em 1944.
Quanto à palavra alemã “ersatz” (no sentido de produto de baixa qualidade ou adulterado ou falsificado), que hoje é menos comum que na época em que foi publicada a coletânea de textos de Ehrenburg, deixamo-la intocada, pois sentimos que substituí-la seria um abuso no que se refere ao estilo do autor.
Há pelo menos um título que gostaríamos de ter alterado: “Diário de um sadista pardo”.
Entretanto, não conseguimos. As alternativas (por exemplo, “Diário de um sádico pardo” ou “Diário de um pardo sádico”) nos pareceram de um ridículo atroz, no título de um dos textos mais sérios, mais graves, de todo o livro. Não valia a pena, portanto, cometer esse atentado, apenas para se livrar da antiquada palavra “sadista”.
Quanto ao mais, o resto é com você, leitor.
CARLOS LOPES
Morte ao Invasor Alemão!
ILYA EHRENBURG
PRIMEIRA PARTE
A nação em armas
“Camaradas, soldados do Exército Soviético e da Marinha Soviética, comandantes e instrutores políticos, guerrilheiros e guerrilheiras:
“Todo o mundo vos contempla como a força capaz de destruir as hordas de ladrões dos agressores alemães. Os povos escravizados da Europa, sob o jugo dos invasores alemães, veem em vós os seus libertadores.
“A grande missão da libertação vos foi destinada – Sede dignos desta missão! “A guerra que realizais é uma guerra de libertação, uma guerra justa. “Recordai as figuras magnas dos vossos grandes antecessores: Alexander Nevsky, Dmitri Donskoi, Kuzmá Minin, Dmitry Pozharsky, Alexander Suvorov, Mikhail Kutuzov.
“Que elas vos inspirem nesta guerra!
“Deixai que a bandeira vitoriosa da grande URSS flameje sobre vossas cabeças!
“Sob esta bandeira: Para a Vitória!”
(STALIN)
Dois mundos
Os homens de nosso Exército sabem o que defendem. Estão defendendo o país mais jovem do mundo, o país da juventude. Somos os primeiros do mundo a construir uma civilização que não se baseia na cobiça, mas no culto ao trabalho, na atividade criadora, na solidariedade humana. Defendemos o país da verdadeira cultura, contra a barbárie. Certa vez disse o “doutor” Goebbels: “A palavra cultura me provoca náuseas”. Nossa resposta foi publicar setecentos mil exemplares das obras de Goethe em oito idiomas diferentes.
Vi os fascistas alemães humilharem o povo francês em Paris. Em Varsóvia, destruíram o monumento do grande poeta polonês Mickiewicz, em nosso país, publicamos seus poemas em centenas de milhares de exemplares. Em nosso país os artistas kirguizes vêm a Moscou… Em nosso país, em qualquer região, jamais ocorreria a um cidadão ofender a outro por ter nacionalidade diferente.
Nossa juventude está lutando por nossa terra, por nossa liberdade. Luta, ao mesmo tempo, pela liberdade do mundo. Luta pela dignidade humana. Luta pela direito de Paris, profanada pelos verdugos. Luta pela Universidade de Praga, pela orgulhosa Noruega, pelas choças sérvias, pela Acrópole de Atenas.
Numa fotografia há um depoimento
A testemunha individual pode esquecer ou confundir, enegrecer ou embelezar seu depoimento. A objetiva fotográfica tem olho imparcial. Não pode haver mais terrível prova de convicção que a das fotografias.
Foi no outono. Os alemães agarraram cinco. Não sabemos os seus nomes. Por seu aspecto são kolkhozianos. Mas não importa seu aspecto. Há uma condição superior: são cidadãos soviéticos. Um deles é adolescente ainda. Tem cara de menino. Os alemães avançavam. Ainda acreditavam na vitória; estavam alegres. Nota-se que gozam, enforcando. Monstros enforcando homens livres.
Puseram os cinco em fila. Agora os amarram. Os cidadãos soviéticos olham serenamente os carrascos. Ali estão os soldados provando a solidez das cordas. Dois elegantes oficiais examinam as forcas. Observa-se agitação festiva. Preparam-se para enforcar. Levam os cinco para a forca. Já estão dependurados nas cordas. O fotógrafo, diligente, não quer perder um só momento… E os cinco cidadãos soviéticos olham serenamente para o horizonte.
As cordas não resistiram: duas quebraram… Consternação entre os verdugos. Mas, o fotógrafo, para fazer alguma coisa, impressiona… Dois são novamente enforcados. Agora, sem cerimônias e rapidamente. E já se balançam ao vento do outono os cinco enforcados. Na fotografia não vemos o fotógrafo, mas vemos a cara fria do oficial alemão com o monóculo assestado. Este oficial teve um bom dia: visitou a forca. Também tirou uma série de afortunadas fotografias. Queria enviá-las à noiva. É amante da fotografia e amante da forca. É um alemão voluptuoso e pervertido. Um alemão nazista.
Impressionou com sua máquina fotográfica todas as fases da agonia humana. Cinco cidadãos soviéticos morreram valentemente. Sabiam que eram mais fortes que seus verdugos. Sabiam que eram mais fortes que a morte. Morreram por seus compatriotas. Morreram por seu povo. Morreram por sua pátria. Mas, não, Ilya: não morreram. Não há morte para o homem que morre pelo próximo. Ele continua vivendo na memória e na carne de seu povo. Por isso, nos rostos dos enforcados se traduzia um sentimento de orgulho: o desprezo pela morte.
Talvez os verdugos pensassem que os soviéticos se lamentariam. Chorariam. Suplicariam piedade. Não! Do alto eles olhavam para seus torturadores. Sabiam que a vida triunfaria. Sabiam que triunfaria a União Soviética. Os cinco enforcados não pensavam que o povo soviético fosse saber algum dia de seu martirológio. Estas fotografias ficarão eternamente na memória do povo soviético. Miramos com veneração os rostos dos’ heróis. Miramo-los e uma cólera inaudita se apodera de nós. Os verdugos continuam profanando nossa terra. Ainda continuam montando forcas, preparando cordas. E, entre a neve, congelando-se, continuam tentando esquentar-se com o espetáculo do sofrimento humano.
Quem viu estas fotografias, jamais as esquecerá. Elas serão relembradas em Vyazma. Serão relembradas em Kiev. Serão relembradas ao cruzar as fronteiras. No mundo há verdade. No mundo há vingança! Os estranguladores não podem viver na terra. Eles serão aniquilados. Este é o nosso juramento. Este é o nosso último “adeus” aos cinco enforcados.
Todo o povo em armas
Esta correspondência telegráfica está sendo enviada do interior da União Soviética. O coração da pátria. Isto será útil: todos sentirão como pulsam num só todos os corações. Duzentos milhões pulsando como um só. Cento e oitenta e duas nacionalidades e um só povo. Um grande povo numa grande guerra patriótica.
Escrevi, há pouco tempo, um artigo sobre a defesa de Moscou. Escrevi-o em meu apartamento. Numa de suas paredes havia uma paisagem de Paris. Pelas janelas observava nossa Moscou. Formosa como sempre, mas solene. Concentrada na sua responsabilidade. Meu apartamento não existe mais. Foi destruído por uma bomba alemã. E aquele artigo nunca foi publicado. Mas Moscou é mais que um apartamento. Mais que um artigo. Mais que as bombas inimigas. Moscou é nossa fortaleza intransponível. Ela está firme, atenta em sua ira.
Agora não me encontro nem num apartamento nem num lugar habitável. Estrada para Kuibichev. Estou escrevendo no meio de uma praça. Minha máquina de escrever está em cima de um caixão. Isto é o solo da pátria querida. Longos trens passam sem interrupção para o Oriente. Levam máquinas e poetas, crianças e laboratórios, arquivos e artistas, papéis do expediente administrativo do governo e telescópios. Vão para além dos Urais.
Os ferroviários soviéticos demonstram que são formados da massa dos heróis. Sob o bombardeio inimigo, centenas de trens evacuaram de Moscou tudo que era preciso evacuar. Do outro lado do Volga e nos Urais começaram a funcionar fábricas que foram evacuadas do distrito de Moscou. O povo trabalha dia e noite na instalação de máquinas. Muitas vezes os operários dormem ao relento, sob os trens de carga. Recolhem lenha nos bosques, fazem fogo e se esquentam para poder trabalhar.
A juventude recebe instrução em dezenas de escolas de aviação. Em poucos meses preencheram os postos daqueles que tombaram na luta heroica. Estão sendo formados novos exércitos nos pontos mais distantes da União Soviética.
Não faz muito, andei pela estrada de Mojaisk, a oeste de Moscou. Uma jovem de olhos azuis passeava entre um bando de gansos. Ia cantando uma melodia de amor entremeada de ciúmes. Hoje apagou-se o eco daquela voz cristalina. Os canhões deixam ouvir seu troar incessante. A melodia fala de amor. Os canhões vomitam toda sua selvageria sobre um povo amante da paz. Um povo livre. Um povo que defende sua Moscou.
Moscou é um grande arsenal de guerra. Está livre de todas as fraquezas civis. Está disposta a defender-se como uma fortaleza. Moscou conquistou um direito grandioso: o direito de defender-se por si mesma. Vi os defensores de Moscou. Eles são lutadores valorosos. Lutam como poucos. São heróis autênticos.
Pelo sul, avançam as forças de Hitler. Cobiçam Rostov. Tentam abrir um caminho para o Cáucaso. Hitler se apressa em tirar o máximo de proveito no menor tempo. No meio deste espetáculo, a Europa está calma. Com exceção de alguns tchecos heroicos e reféns franceses que caíram nos campos da luta. Estes, sim, são irmãos dos defensores audazes de Moscou.
A frente soviética, de Murmansk a Rostov, é somente uma parte da frente mundial que se estende da Groenlândia ao Mar Vermelho. No entanto, só nós nos empenhamos totalmente na luta. Lutamos por nós e por todos os povos. Em cada quilômetro. Em cada hora. Um aviador inglês, que ouvia ontem uma transmissão em russo, me perguntou: “Quais as notícias que temos?” Disse-lhe que haviam sido repelidos todos os ataques na frente de Moscou. Ele sorriu e perguntou novamente: “E lá há alguma novidade?” — e apontou com a mão para o lado do Ocidente. Nada lhe respondi. O aviador me disse: “Churchill e Roosevelt são homens inteligentes. Não deixarão passar a oportunidade”.
Há pouco o senhor H. G. Wells disse-me:
– Temos muito pouco com que vos auxiliar.
Tive vontade de responder a este escritor, de grande valor, a quem conheço:
– Não, meu senhor. Não é assim. É possível que estejais fazendo muito pouco para auxiliar a vós mesmos.
O povo compreende que esta guerra será longa e dura. Não é possível medi-la com meses. Os sacrifícios serão muitos. Os maiores perigos estão por vir. Mas não vacilaremos. Estamos firmes. O inimigo não nos conhece. Ele nos vai conhecer.
A nossa pátria é cada vez mais forte. Ela jamais se entregará. Está preparada para tudo. Lutar heroicamente. Viver em grutas. Levar uma existência errante. Passar os maiores sofrimentos. Mas sempre unida e sempre forte. E no momento oportuno, desfechar o golpe demolidor. O inimigo calculou mal. Ele não terá êxito.
A guerra mudou profundamente seu caráter. De encontros políticos e batalhas que pareciam próximas de definir a luta, transformou-se numa verdadeira guerra. Numa guerra de defesa da mãe-pátria que durará até a vitória. É a epopeia de uma nação. Pela primeira vez, está claro para todos, que neste jogo se encontra a sorte da União Soviética. Suas conquistas. Suas realizações. Seu futuro. Os soldados que marcham para o “front” dizem: “Isto será uma guerra dura. Mas triunfaremos, camaradas! Esmagaremos sem piedade os répteis!”
A União Soviética não foi ocupada. Isto nunca aconteceu. Isto nunca acontecerá. Não é porque entre Baikal e Mojaisk haja uma distância longa. É porque a União Soviética sempre detestou as forças de ocupação. Ou aniquila ou expulsa. Aqui nunca ficaram, nem ficarão jamais. A União Soviética em geral não odeia, é fraternal. Mas também é capaz de agir severamente. É capaz de vingar-se. Ela sabe revidar. Os nazistas tombam mortos não somente em Moscou. Ninguém sabe melhor que os próprios nazistas que muitos dos seus tombam ainda em Kiev, em Minsk, em milhares de aldeias ocupadas.
Na verdade, o general alemão Guderian, comandante das divisões motorizadas, é um homem inteligente e capaz. Não negamos. Mas poderá ele sustar os kolkhozianos de Novgorod e Melitopol? O exército alemão não conquista nada. Avança tão somente de uma localidade a outra. Deve lutar em dezenas de frentes. A União Soviética é um país raro. Para os homens de Kaizerdam ou de Wilhelmstrasse é muito difícil compreender nosso povo.
O importante não é propriamente Moscou. São os homens de Moscou. Moscou não será entregue. O inimigo não passará. Eu posso dizer isto. Vivi anos a fio em Moscou. Conheço a grandeza de seus filhos. Sei o que há no Kremlin. Moscou em perigo, é uma maravilha. Uma fortaleza intransponível.
Assisti a queda de Paris. O desespero do exército francês. A tortura do refúgio de milhões. Podia-se ter levantado a resistência. Isto não se deu. Tudo foi arrastado na frieza criminosa de Pétain e dos anciãos. Espera Hitler o aparecimento de um Laval na União Soviética? Seria uma alucinação inútil. Há ainda em nossa terra anciãos maus. Mas não há Pétains. Pode haver ainda ladrões. Hão duvido. Mas não os há da espécie de Laval. Pensa Hitler entrar em Moscou como entrou em Paris? Sentimos muito. Não serão satisfeitos os seus desejos. Moscou não é Paris.
Uma União Soviética mobilizada, uma União Soviética que marcha sobre as estradas, é duas vezes mais perigosa que uma União Soviética na construção e na paz. Os sofrimentos do povo vêm do inimigo. O inimigo pagará cada sofrimento. Os cidadãos soviéticos nunca se vangloriaram de sua pontualidade ou de serem metódicos. Mas nestas horas de perigo, todos os que ainda estavam habituados à lentidão e eram desorganizados, se transformaram em homens de aço.
Vestindo o uniforme das forças armadas soviéticas, o cidadão deixa para trás o calor e o aconchego de sua vida diária mais ou menos complicada. O que o preocupava ontem, hoje desapareceu. Esquece as dores de cabeça da companheira, a posição do sofá no canto ou junto à parede. Esquece as pequenas manias de colecionar selos ou cachimbos. Só pensa numa coisa: defender a pátria. Toda a União Soviética está envergando hoje os uniformes das forças armadas. Viaja em caminhões. Marcha sobre as estradas. Dorme em trens. Está firme nas trincheiras. Investe contra o inimigo invasor.
Não há lugar para sentimentalismos. Dnieprostroi foi dinamitada. Ao mesmo tempo outras explosões realizadas pelos soviéticos destruíram fábricas e pontes. As bombas acabaram com Novgorod. As bombas arruinaram os formidáveis palácios de Leningrado. Cobrem com fendas o distrito de Moscou. Milhares de pessoas abandonam seus lares. Pelo direito ilimitável de respirar livremente, os cidadãos soviéticos renunciam ao mais caro, quer individual, quer coletivo. Nada está fora da luta. Tudo se encontra subordinado à luta. O inimigo talvez consiga irromper e penetrar mais a fundo na União Soviética. Mas a União Soviética está preparada para isto. Sabia que haveria de chegar esta hora. O povo foi mantido sempre alerta.
A União Soviética perdeu, ou melhor, abandonou a ideia normal do tempo. A nova vida se concentra agora no comunicado da madrugada e da noite. O país está preparado para a guerra. A mãe-pátria passa em revista seus defensores. O nosso grito é um só: “A vitória será nossa!” E o eco ressoa entre os bosques, uiva entre os furacões, ruge nas águas dos rios, troa em cada bateria, em cada formação de tanques, em cada trincheira. É a voz da terra soviética.
Moral nazista
O comando alemão resolveu tomar medidas severas contra os prisioneiros ingleses. Segundo dizem, isto foi devido ao propalado maltrato aplicado pelos ingleses aos prisioneiros alemães. Não é esta a ocasião de falar sobre os protestos ingleses, mas das acusações dos nazistas. Estas feras selvagens transformaram a Europa num deserto. Fuzilam publicamente os reféns. Incendeiam cidades. E conduzem escravos para a Alemanha.
Na União Soviética torturam centenas de mulheres e de crianças. Vi uma criança que veio da aldeia de Novino, na região de Moscou. Os oficiais alemães amarraram-na a uma mesa e cortaram-lhe os braços com um serrote. Em alemão isto quer dizer: “Alta missão da raça alemã”.
Acontece, porém, que agora alguém resolveu amarrar os braços dos carrascos. Então, não é isto um escândalo mundial? Os nazistas protestam contra o agrilhoamento, por parte dos ingleses, dos prisioneiros alemães. Embora isto seja apenas por dez minutos. Os alemães estão enfurecidos: os assassinos ficarem dez minutos atados… Será possível consentir semelhante coisa?
Mas eles podem meter toda a Europa em ferros. Sob os grilhões dos nazistas padecem cientistas franceses, operários tchecos, padres noruegueses, camponeses sérvios. Isto significa, que de acordo com o ponto de vista alemão, grilhões em cidadãos de outras raças é um acontecimento natural, mas grilhões nos Fritzs significam uma violação do direito internacional. Quanto cinismo! Quanta miséria!
Os alemães declaram atrevidamente: “Os soldados ingleses, que são culpados de sabotagem e terror, serão tratados como bandidos”. Em Dieppe, um Fritz violava uma moça francesa e é atacado no ato por um soldado inglês. Querem então culpar o soldado inglês?
Olhemos as coisas por outro prisma: pelo sentimento humano. Quando os alemães assassinam na França os refugiados — como denominar isto: guerra ou banditismo? Quando os alemães atacaram a indefesa Belgrado — como chamar isto: cavalheirismo ou banditismo? Quando os alemães incendeiam as cidades e moradias russas e ucranianas, violam moças, metralham dezenas de milhares de cidadãos civis — que significa isto: direito internacional ou crimes monstruosos?
Os alemães escrevem que “tratarão os ingleses como bandidos e não como soldados”. Nós aprisionamos os alemães, não porque eles sejam soldados, mas porque somos realmente soldados. Sabemos que os alemães não são soldados honestos, mas bandidos e covardes. Há um ano atrás, eles propalavam que eram os senhores do mundo. E agora? Com que poderão os nazistas sonhar? Naturalmente, com grilhões.
Por que os nazistas odeiam
Mas “gretchens” não são mulheres degeneradas.
Os fascistas assaltaram o poder, massacrando o povo. Mussolini pregou a escravização dos povos. Hitler executou a exterminação dos povos. Muitos povos foram aniquilados. Muitos outros gemem sob a bota opressora da “nova ordem”. Os judeus são eliminados sem piedade. Por que os fascistas odeiam os povos? Olhai, por exemplo, o caso do povo judeu. Os judeus são martirizados. Hitler prometeu a eliminação de todos os judeus. Por que os fascistas odeiam tanto os judeus? Por que tanta miséria? Assim se interroga a si mesma, muita gente de todas as partes do mundo. Muitas respostas são dadas: que o antissemitismo é o socialismo dos imbecis; que na Alemanha os “nacionais socialistas” receberam o antissemitismo como herança da pequena burguesia prussiana; que o alemão dos Bálcãs, herr Rosemberg, atraiu o jovem Hitler para o programa político da corja negra czarista.
Tudo isto é certo. Mas, não esclarece o essencial. Na época de Pedro, o terrível, viveu na Espanha o judeu Sam Tob, que fazia poemas. O rei contou a este judeu suas mágoas e pediu que escrevesse para ele canções de consolo. O poeta Sam Tob fez então um livro com o título “Conselho”. O livro começa dizendo que não há nada no mundo que cresça eternamente. Quando a luz enche, logo começa a minguar. O rei ficou enfurecido. O poeta então esclareceu: “Isto é o melhor consolo para os mendigos e os reis”. Pedro ordenou ao poeta da corte, marquês Santiliano, que respondesse na altura ao “Judeu ignorante”. O marquês fez então umas quadras em que procurava ridicularizar o poeta judeu.
Assim como o vinho bom se acha muitas vezes em barris empoeirados, da mesma maneira muitas vezes a verdade parte dos lábios de judeus. E desta vez Sam Tob escreveu linhas admiráveis:
“Quando o mundo surgiu, algumas pessoas receberam vinho e outras ficaram com os lábios sequiosos.
“Por melhor que seja o vinho, ele sempre se acaba, mas os lábios sequiosos são benditos eternamente.”
Com este pequeno poema, Sam Tob traçou o papel dos intelectuais judeus: lábios sequiosos, sede eterna.
Os fascistas odeiam os judeus como amantes da inteligência, da luz e do gênio criador. O fascismo vive nas trevas da história. Os judeus amam a luz. Saíram da idade média do “ghetto” e puseram-se a estudar. Auscultaram a vida e tornaram-se rebeldes. Os fascistas não pensam: são autômatos. Reconhecem a hierarquia que põe os prussianos acima de Einstein e Bergson.
Trancaram à força os judeus nas sinagogas e nos “ghettos”, como para que se isolassem e fenecessem; nem por isso os judeus aceitaram a hierarquia e as estufas do culto. São progressistas e são rebeldes. Na própria religião há passagens de revolta das massas populares que não acreditavam na justificação das leis escritas. Seguiam a harmonia da natureza.
Os judeus deram à humanidade, não somente o velho testamento, mas também a sede do saber e o almejo ao direito social.
Goebbels queima as obras de Heine. Isto não é somente ridículo: é assombroso. É a revolta da máquina selvagem contra a inteligência. A revolta do autômato que se considera autor. Para justificar o aniquilamento dos judeus, os fascistas afirmam que os judeus são inimigos da cultura nacional dos povos onde eles vivem. Mentira. Quem melhor que Heine descreveu a alma alemã no tempo do Romantismo? Quem defendeu com mais habilidade e sabedoria a Grã-Bretanha da era vitoriana que Disraeli? Quem escreveu melhor sobre a vida e a morte da Áustria-Hungria que Joseph Roth em “Marcha de Radetzky”?
O heroísmo dos judeus que participam da guerra patriótica destrói os pensamentos falsos a respeito dos judeus. Os fascistas espalharam que os judeus não têm pátria: são renegados e humilhados. Na luta dos povos soviéticos, o povo judeu abraça-se à terra, estreita os filhos e as esposas e escreve páginas de grande heroísmo. Quantos judeus tombaram nos campos de batalha? Quantos feridos? Quantos receberam as mais altas condecorações? Heróis da União Soviética! Aqui não se fazem estatísticas discriminadas sobre a nacionalidade dos combatentes. Não excluímos os judeus dos outros cidadãos. Todos são conhecidos: cidadãos soviéticos. A nossa terra comum está molhada com o sangue valoroso de todos os nossos povos. Se há também sangue judeu é porque os judeus respiram o ar soviético, é porque nos campos soviéticos os frutos amadurecem para todos.
A luta aqui é sem precedentes na história. Nos campos de batalha estão os nossos destinos. Joga-se com os destinos de todos os povos. Por isso, apesar de tudo, tenho vontade de gritar: Os judeus devem estar na primeira fila. E a primeira fila quer dizer a primeira linha.
O jovem judeu que é capaz de manejar uma arma, deve se achar no “front” se não quer viver no “ghetto”. Lutamos por nossa honra e pela honra da humanidade. Os judeus não cultivam a força: espalharam o amor. Não elevaram mais alto os músculos que a ironia. As granadas, mais alto que os livros. Mas na luta entre os povos e o fascismo, os judeus e os monstros, Hitler escolheu as armas. Escolheu os tanques. Que fazer? Seremos então lançadores de granadas, perfuradores de couraças. Seremos tanquistas. Seremos aviadores. Seremos marinheiros. Ninguém exige dos judeus mais que de outros lutadores. Mas a nossa consciência nos diz: devemos ser duplamente valorosos. Por nós e pela cultura. Por nós e pelos nossos irmãos. Por nós e pela humanidade.
Hitler escolheu os judeus como alvo. Vamos mostrar a Hitler que os judeus não são alvo e sim atiradores. Não são corpos para fuzilamentos. Não são gado para a matança. Não são cadáveres para os cemitérios de Kiev e Feodosia. Somos soldados. Lutadores soviéticos. Cidadãos livres que juram aniquilar os fascistas. Combatentes da liberdade. A baixeza de Hitler nos arrastou a isto. Mostraremos a Hitler do que somos capazes.
Um velho judeu me disse: “Já é tempo de recolher as pedras e jogá-las”. Falando assim, falava pelos judeus e por todos os povos. Houve uma época para pensar e criar obras imortais. Houve uma época para construir e trabalhar para os nossos filhos. Agora é tempo de atirar, de lutar!
A primavera não foi feita para Hitler
Na Austrália e no Canadá, na China e no México, se fala de nossa luta. Em todo o mundo se fala do valor do exército soviético. O inimigo iniciou a retirada. O povo soviético era um povo pacífico e se transformou num povo vingativo. As linhas dos comunicados são sóbrias: “Libertamos uma série de povoados”. Atrás destas palavras se ocultam milhares de feitos heroicos. Os nazistas não retrocedem por sua própria vontade. Defendem-se como podem. Sabem que perto deles está a sepultura. Sabem que o fim os espera. Agora nos cabe escolher. Somos nós que avançamos.
Hitler alimenta suas esperanças na Primavera. Quer vencer nosso valor com seus tanques. Espera compensar os soldados mortos com motores. Acumula reservas para a batalha decisiva. Mas, derrotados em março, não poderão brilhar em maio. O kolkoziano do Volga avança para o Ocidente. Não quer que sua família conheça em Magnitogorsk, os sofrimentos de Kerch. Para libertar a Ucrânia, avança para o Dnieper, para a Bielorrússia.
Os alemães fortificam febrilmente suas posições. Transformaram nossas ruas, nossas casas, em fortalezas alemãs. Ainda são fortes. Possuem a velha disciplina prussiana e velhos generais competentes. Têm tanques, canhões, morteiros e aviação. Não têm outra saída e se defendem com desespero.
Difícil é o caminho para o Ocidente. Mas a coragem é a nossa salvação. Quem marcha para a frente não se detém. Esperam-nos a Ucrânia, a Bielorrússia e a Crimeia.
Quem poderá descrever os heróis de Leningrado, a cidade mais formosa do mundo, que suportaram privações sem conta? Cada dia os obuses alemães a ferem. Em ajuda de Leningrado marcham nossos combatentes. Preparamo-nos para a primavera. As máquinas soviéticas não se detêm uma só hora.
Os operários da Skoda ou Creuzot trabalham como forçados. Os operários dos Urais trabalham como heróis. Hitler prepara tanques. Sabemos isto. Não importa. Contra tanques, haverá tanques. Poderá Hitler responder: contra o povo, o povo? Não. Hitler não tem povo. Tem milhões de assassinos fundidos em sua cumplicidade. Mas delinquentes não são afeitos aos atos heroicos. A jovem Natacha, que recolheu debaixo do fogo inimigo a 26 feridos, relata este feito heroico com palavras simples. O povo soviético é modesto. Modesto, mas avança firme. O grande país pensa no exército soviético. Esta primavera não será a primavera de Hitler. A história não se repete. Também nós acumulamos reservas. Não para a defensiva: para a ofensiva.
Terrível e difícil é o caminho do exército soviético. O império alemão se armou durante 10 anos seguidos. É possível obrigá-lo a safar-se em 70 dias. Os alemães, como os escorpiões, querem que tudo se pareça com eles. Defendiam seu direito de inundar Paris e saquear Belgrado. Temem pôr as mãos para o alto, pois estas mãos ainda gotejam sangue. O inimigo quer deter a ofensiva soviética. Contra-ataca. Mas é derrotado duplamente. Não se dá trégua. Sobre a União Soviética ressoa, simples e deliciosa, uma pequena frase: Para a frente! Os nossos irmãos nos esperam; esperam- nos as nossas cidades. Os campos estão se enfeitando de flores para receber os lutadores soviéticos, os libertadores intrépidos.
Ódio e esperança
Veio a primavera. Na Crimeia já faz calor. Em Murmansk há noites claras. Na Rússia Meridional há dias quentes em vésperas de tempestades. A nossa terra ouve a voz das armas. No outono tivemos que recuar. Abandonamos cidades, aldeias, kolkhozes, regiões. Estávamos acostumados à paz. Hoje, somos outros. Não há aquela União Soviética nem aquele exército soviético. Sentimos mais forte a realidade. A luta nos temperou. Uma grande amargura nos invade ao perder cada pedaço de terra. E não perdemos com facilidade. O inimigo paga muito caro por isto. E pagará cada vez mais caro.
“Estreito de Kerch” — no comunicado do “Bureau Soviético de Informações”. O rancor se inflama em nossos peitos. O ódio ao inimigo se multiplica. “Na direção de Kharkov” — diz a emissora de Moscou. A esperança inunda nossos corações.
Os combatentes nas estepes do Donetz e nos campos da Carélia procuram imitar o exemplo magnífico dos heróis da frente sul. E eles imitarão. Aqui todos somos feitos de uma mesma têmpera. Ontem, a emulação nas fábricas. Hoje, a emulação nos campos de batalha. Construimos uma civilização num quarto de século. Esmagaremos dentro de pouco tempo aqueles que procuram arrastar a história para as trevas.
Dentro em pouco completará um ano que estamos lutando, que vivemos para a luta. Nossa vida foi transformada. Não temos tempo de viver de recordações. Estamos lutando. Mudamos muito. Os simples se tornaram prudentes. Os fracos se tornaram estoicos. Os pacíficos são hoje impiedosos. Vivíamos de nosso trabalho, com nossos livros, com nossas canções. Hoje vivemos somente pela luta e na luta. Dantes, despendíamos tempo para cultivar árvores milenárias. Hoje, sabemos que durante as 24 horas, atiraram os canhões. O inimigo pensou em quebrar a nossa resistência. Pura ilusão nazista. O inimigo se equivocou. Fortalecemos a nossa unidade. O inimigo viu que a União Soviética tem um coração blindado.
O nosso exército avançou na direção de Kharkov como um rio que se expande na primavera. Os alemães fugiram em terra enxuta. Os tanques alemães estão quebrando as árvores que novamente ficaram verdes. O sol de maio ilumina os campos, onde jazem os cadáveres dos invasores. A população das regiões libertadas recebem numa alegria intensa o exército soviético. É a sua primavera. Sabemos que as batalhas da primavera serão pesadas. Começaram agora. Nestas batalhas pode haver derrotas isoladas, mas não nos arrebatarão jamais o triunfo para onde estamos marchando a passo firme. Avançamos para a vitória através da neve espessa. A primavera dá asas aos heróis num instante! Pedimos silêncio aos nossos campos, ao solo querido, aos nossos caros irmãos e irmãs. Queremo-vos falar. Queremos vos dizer alguma coisa para a primavera: “Estamos marchando’’. Nossos passos ressoam no solo da mãe-pátria. Escutai: “Marchamos apressados”. Os canhões troam. Os aviões cruzam os céus. Escutai: “Esperai por nós”. Os soldados avançam; “Chegaremos breve”.
Assim são as “gretchens”
Eu vi muitas carteiras dos Fritzs. Em algumas, eles carregam fotografias de mulheres nuas e endereços de prostitutas. Em outras, eles levam as fotografias de uma alemã loura, com olhos redondos de porcelana. Esta é a mulher de Fritz: Frau Müller ou Frau Schmidt. Muitas vezes os Fritzs levam em lugar da fotografia da mulher, a fotografia da noiva.
Na aparência, a “gretchen” é uma dama inofensiva. Na realidade, é um monstro. Sem sua “gretchen” o Fritz não saberia como agir em Paris. A “gretchen” o anima: “Rouba!” A “gretchen” é a musa do banditismo.
Estas sonhadoras de olhos azuis têm apetite devorador. Martha Simel escreve ao seu noivo: “Deixei o chocolate para o pequeno. E o quilo de banha de porco e o mel, comi-os sozinha de uma só vez. Nem sequer pensei no que estava fazendo”. Que jovem notável esta que tem a capacidade de devorar um quilo de banha de porco com mel “sem pensar no que estava fazendo”.
Certa Frau Tez pede ao seu marido: “Também passei um inverno de dificuldades. Vê se achas para mim qualquer coisa de lã”. Que significa a guerra para esta fêmea? Sangue? Morte? Seu marido há muito que tombou morto próximo de Voronezh. E ela ainda lhe pede uma “sweater” de lã.
Uma outra “gretchen”, Frau Solpeter, pediu que seu maridinho lhe enviasse de Stalingrado “um maillot elegante”. Que desavergonhada! Seu marido apodrece sob o solo russo. Essa “gretchen” chama ao seu Fritz de “meu maridinho”, “meu tesourinho”… E ela chama a si mesma de “teu pedacinho”, “tua mulherzinha”, “tua bonequinha”. Por detrás destas palavras melosas se esconde um ser monstruoso, sem alma.
Frau Anna Siguer escreve de Prenswan: “Você pode matar os russos sem piedade; até mesmo as crianças, porque de cada criança russa sairá um bolchevique”. Todos guardarão a lembrança da carta de uma alemã que exigia de seu marido que da União Soviética lhe enviasse objetos de crianças e acentuava cinicamente: ….”não importa que estejam manchadas de sangue; poderemos lavá-los”.
Todos os jornais alemães estão cheios de palavras de ordem: “Não esquecer a higiene da raça alemã”. Mas as “gretchen” são educadas como vacas leiteiras. E o mundo ainda não conheceu uma vaca que atentasse na higiene da sua raça.
O soldado Hans Klein, que esteve de licença, escreve a um amigo: “Dormir com uma mulher é a coisa mais fácil. Nem é preciso convidar nem suplicar”. O agente dos “S.S.”, Wilfred Robe, que tombou próximo a Leningrado, recebeu uma carta de um amigo nas vésperas de ser aniquilado: “Sua noiva uniu-se a um francês. Ela me disse que é loucura esperar por um alemão, quando há melhor saída”.
Outra “gretchen” escreve de Coblentz para o oficial Rauts: “Entre as mulheres dos soldados que se encontram na frente, conheço oito em estado de gravidez. É verdade que uma fugiu com um funcionário que a sustentava. Uma outra encostou-se a dois italianos: e agora ela não sabe quem é o pai”…
Mas as “gretchens” não são mulheres degeneradas apenas. Elas também são covardes. Hilgred, que vive em Sichelberg, queixa-se ao noivo: “Ontem levei um susto tremendo. Acordei à noite e ouvi gritos horríveis. Era um polonês. Nunca mais sairei à noite sozinha.” Para que esta Hílgred se apavore bastam-lhe apenas os gritos de um pobre polonês. E só porque foi enforcado pelos seus parceiros perto de onde dorme.
As “gretchens” lavam o sangue dos objetos que foram de nessas crianças. Mas não poderão lavar o sangue de nossas crianças com o qual estão manchadas suas mãos. São as inspiradoras de salteadores. São as mulheres de carrascos. São as “musas” de assassinos miseráveis.
Mulher! Uma palavra sagrada. Nela se encontram a sensibilidade e a honra. Nela se encontram a beleza da juventude, a abnegação da companheira, o heroísmo materno. Mas é possível chamar mulheres a essas “gretchens” monstruosas?
Sebastopol
“Sebastopol está de pé” — estas palavras ecoam pelo mundo e são pronunciadas com orgulho pelos homens que amam a liberdade. Nos primeiros dias do ataque nazista, os amigos que olhavam de fora, pesavam as possibilidades de ambas as partes. As forças eram desiguais. Os observadores militares profetizavam: “É questão de dias ou talvez de uma semana”.
Os nazistas possuíam milhares de aviões. Muitos tanques. Muitos capacetes de aço. Cercaram Sebastopol. Todas as vias de comunicação foram cortadas. Os nazistas diziam: “Não escapam: render-se-ão”. Mas eles esqueceram que Sebastopol não é somente uma cidade. Sebastopol é uma ilhazinha. Em três lados se encontram os alemães. No quarto a água toda minada. A água ferve de granadas inimigas. Os aviões fascistas empesteiam os céus. Os alemães bombardeiam a cidade cada vez mais. Canhões de todos os calibres. Quinze divisões fascistas. Dois mil aviões diariamente. E Sebastopol não se entrega. Vimos como na Europa capitulavam cidades, fortes famosos, estados inteiros. Mas Sebastopol não se entrega.
O lutador soviético não pronuncia a palavra “entrego-me”, mesmo quando o inimigo tem no tabuleiro de xadrez duas, três ou mais vezes peças. Não. Os homens soviéticos lutam. Toda a Alemanha repete estarrecida: “Sebastopol! Sebastopol!”.
A mulher do tenente Ludwig Richard escreve: “Sonhei que te via perto de Sebastopol, mas não podia te encontrar. Em toda parte havia sepulturas e mais sepulturas. Que coisa horrível!” Simforopol está cheia de alemães mutilados. Ialta está cheia de postos de socorro. O oficial Oskar Graizer escreve em seu diário, encontrado por um lutador soviético perto de Se- bastopol: “Próximo de Bachtchisaray existe um vale que é conhecido pelos habitantes como ‘O Vale da Morte’. Agora este nome assenta bem para o vale. Encontra-se entulhado de uma parte apreciável da população de Erfurt, Iena e do meu Aizenbach”.
O prisioneiro Kneidler se queixa: “Não esperávamos esta resistência. Cada pedra de Sebastopol atira. Só por milagre escapei vivo deste inferno”. Os alemães ficaram nervosos. Não esperavam encontrar os habitantes de Sebastopol em Sebastopol. Com pavor sobrenatural os nazistas chamam os marinheiros de Sebastopol: “A morte negra”. Um marinheiro soviético exterminou ultimamente trinta alemães. Foi levado ferido para um hospital. Em torno de si falavam: “Que bravo! Lutou sozinho contra trinta!” O marinheiro respondeu: “Não sei quantos eram. Não os contei. Sei que aniquilei até o último”.
O chefe de uma bateria defendia uma elevação. Não havia mais granadas. Os tanques alemães subiam a elevação. O chefe da bateria ordenou à nossa artilharia: “Atirai sobre mim!”.
Uma companhia repeliu três ataques inimigos. Os alemães começaram o quarto. Um tanque da vanguarda inimiga avançava sobre as trincheiras soviéticas. O comissário Trachenko atirou-se debaixo do tanque com um cinturão de granadas. Os soldados soviéticos reforçaram o fogo e o restante dos tanques nazistas teve de recuar. O quarto ataque foi repelido. Trachenko morreu, mas os lutadores soviéticos venceram. Em Sebastopol há muitos Trachenko. E assim Sebastopol está detendo a investida dos alemães para o Oriente.
Todos os jornais do mundo falam da defesa de Sebastopol. E dizem: “Um milagre!” Os comentaristas militares procuram esclarecer o “milagre”. Escrevem sobre as rochas. Elogiam as baterias de costa. Tudo isto é pouco. Só a coragem dos lutadores soviéticos pode esclarecer o “milagre” de Sebastopol.
De qualquer forma que termine o choque tremendo, esta batalha desigual pelas ruínas de Sebastopol será sempre uma vitória das armas soviéticas. Na história será registrado o duelo admirável da pequena guarnição contra quinze divisões inimigas. O heroísmo de Sebastopol enche de maior força o exército soviético, que repele, agora, nos campos da Rússia Meridional e da Ucrânia, os ataques dos inimigos detestáveis.
“Lutaremos como Sebastopol” — dizem os combatentes da frente de Kharkov e de Kursk. “Lutaremos como Sebastopol” — Dirão amanhã os soldados da segunda frente.
Duas palavras se entrelaçam agora na consciência dos povos: Sebastopol e Heroísmo.
Moscou ama Paris
14 de Julho. As ruas de Paris estavam desertas. As casas estavam fechadas. Somente passos de soldados alemães ecoavam na cidade morta. Dois anos se passaram. Os nazistas ainda se encontram em Paris. Afixaram avisos e anúncios em alemão. Retiraram todos os tesouros artísticos de Paris. Destruíram a torre Eiffel. Macularam palácios e museus com a “suástica”. Transformaram a velha e querida cidade da Europa, a cidade que inspirou páginas maravilhosas a Heine e Belinski, Dickens e Turguenev, Hertzen e Herweguen, Anderson e Strindberg, Mark Twain e Maiacovsky, numa zona de cabarets para seus oficiais, em bordeis para seus oficiais, numa base militar alemã.
Paris flutua. Os nazistas retiraram os mastros do navio. Acorrentaram os marinheiros. Mas Paris é um grande navio que é impossível paralisar. As correntes estremecem. O navio se movimenta.
“Paris Soir”. Quarenta mil exemplares. O maior jornal de Paris, assalariado pelos nazistas. Está à venda em todos os pontos. Ninguém o compra. A imprensa ilegal de Paris tira 200 mil exemplares diariamente. Fuzilam-se todos aqueles que são apanhados lendo os jornais ilegais. Mas não há um só parisiense que não leia “L’Humanité”, “France Livre’’, “Frontier”.
Diariamente os muros de Paris são cobertos de “suásticas”. Diariamente os muros amanhecem cobertos com a palavra sagrada: “Franceses!”.
O general Stulpnagel, o carrasco de Paris, está nervoso. Ainda não foram enterrados os reféns fuzilados em maio, e o general Stulpnagel já mandou prender outros reféns. A sombra de Heidrich não deixa o general dormir. Há um mês Heidrich bebeu champanhe em Paris. Hoje apodrece sob a terra.
“Mandemos Laval para a forca” — cantam as crianças de Paris. As crianças enganam os alemães. As crianças lutam. Os Gavroches estão novamente em Paris.
As luzes de Paris estão apagadas. Paris não é mais a cidade da luz. Mas quando Laval for enforcado, Paris se iluminará outra vez. A França e a Europa aparecerão mais iluminadas. Haverá uma festa de luzes.
Os patriotas franceses tombam heroicamente. O correspondente do “Essener Zeitung” conta os feitos de um destes patriotas: “Este era operário. Um fanático selvagem. Antes de ser executado, o oficial lhe disse: “És meu inimigo, mas és um valoroso”. E o louco respondeu: “Não és meu inimigo: és um boche e um carrasco”.
14 de Julho de 1942. Paris ergue a cabeça. Paris sabe como os carrascos estão sendo exterminados na União Soviética. Da América, chegam transportes com tropas. As divisões aliadas se preparam para a luta. A segunda frente trará a libertação de Paris.
Paris não aceita a liberdade como outras cidades. Pagou um preço elevado por seus erros antigos.
Em 1942 ela se joga na luta. Os patriotas resistem. As sabotagens aumentam. Crescem as guerrilhas. 14 de julho é muito caro ao povo francês. As luzes voltarão a brilhar. Quando pela primeira vez vier a luz para a França, para o Ocidente, estaremos de todo o coração com Paris.
Fazemos muito em auxílio da libertação da França. Há 350 dias que estamos ocupados em exterminar os seus carrascos. Cumpriremos até o fim nossa incumbência. Moscou ama Paris. A União Soviética não esquecerá a França. Os franceses são nossos irmãos.
O coração humano triunfa
Quando Leonardo da Vinci se ocupava dos planos da máquina voadora, nunca lhe passara na mente as bombas incendiárias, mas a felicidade humana. Muito jovem ainda, vi certa vez os desenhos do francês Pegu. Os mais velhos diziam então: “É uma glória ver o homem voar como um pássaro”. Vários anos depois vi os “Junkers” voarem sobre Madri, Paris e Moscou.
Foi durante a grande revolução francesa. O cientista Labon descobriu um motor com pressão interna. Ele dizia então: “Cidadãos! Vocês verão um carro que anda por si e isto será uma fonte de felicidade para os homens e uma aproximação entre os povos”. Cento e cinquenta anos depois, os tanques alemães esmagavam com suas cadeias os netos de Felipe Labon.
A máquina pode ser boa ou má. A máquina faz o que o homem ordena. Ela não pode ser condenada porque destrói o que os homens querem. As palavras de Felipe Labon encontraram sua materialização nos campos soviéticos que antigamente eram semeados com o suor dos camponeses. Os tratores substituíram as máquinas primitivas. Com os tratores as nossas aldeias foram transformadas em cidades florescentes. Por acaso podiam os camponeses de antes de outubro, arrasados pelos sofrimentos, ler romances, organizar espetáculos, criar em suas casas de campo futuros acadêmicos?
A máquina pode ser boa ou má. Hitler transformou a máquina num instrumento de destruição. Os homens olhavam o céu com admiração. Hitler decidiu que os homens olhassem o céu sempre aterrorizados. Os homens pensavam alegremente: num automóvel iremos passear fora da cidade. Hitler decidiu o contrário: ao escutarem o ruído de um motor, os homens fogem com pavor.
Com o nazismo, toda a indústria alemã ficou mobilizada para a construção de tanques e bombardeiros. Outros povos também constroem máquinas. Uns para atacar, outros para se defender. O povo soviético constrói aviões e tanques. Mas nunca dissemos aos nossos jovens que a máquina pode substituir o homem. Sempre dissemos, a máquina auxilia o corajoso e apavora o covarde.
O monstro caiu sobre nossa pátria. A princípio, parecia que os nazistas, conduzindo seus tanques, atravessariam toda a Europa. Suas “lagartas” esmagaram a França e retalharam os campos da antiga Grécia. Os “Junkers” deformaram Londres. Depois, os alemães jogaram suas máquinas sobre a União Soviética. Mas aqui, as máquinas não quebraram a vontade do homem.
Esta guerra deu à humanidade uma grande lição: o revide do homem. Os hitleristas tentaram substituir o coração do lutador por um motor. O estoicismo do soldado pelas “panzers” couraçadas. A grande guerra pela pátria demonstrou o triunfo do espírito humano.
Como é possível parar um tanque? Eles respondem: com o tiro certeiro de um fuzil anti-tanque. Tudo isso é verdade. Mas antes de tudo é preciso coragem para deter o tanque. O homem deve deixar avançar o monstro sem se alarmar. E não correr. E não disparar antecipadamente. Quando o homem corre do tanque, o tanque se transforma num gigante que cresce, que persegue e esmaga o homem. Quando o homem aceita a luta, o tanque não é mais que uma máquina. E o homem é o homem, o rei da natureza.
A bateria comandada pelo oficial Boikov repeliu um ataque de tanques. Cinquenta máquinas nazistas avançavam sobre as posições soviéticas. Como um relâmpago, passaram por um pequeno bosque. Quando as máquinas nazistas estavam a uns 800 metros, os artilheiros soviéticos começaram a disparar. E o campo ficou cheio de máquinas: 20 tanques alemães fora de combate. Quanto gastaram os escravos de Hitler para construí-los? E todos puderam verificar que esses tanques não eram extraordinários e insuperáveis. Não eram coisa do outro mundo. Eram metal que pode ser esmagado pela vontade do homem. E dez marujos repetiram a façanha dos homens de Boikov: destruíram 23 tanques com seus fuzis anti-tanques.
Pensando na força do ideal humano, não posso esquecer Sebastopol. A defesa de Sebastopol foi um triunfo da coragem humana. A pequena guarnição, quase sem aeródromos nem tanques, repeliu, durante 25 dias, quatorze divisões inimigas. E divisões com técnica poderosa, que os alemães concentraram naquele pedacinho de terra. A história dirá que a defesa de Sebastopol foi uma vitória das armas soviéticas. Sebastopol deu 25 dias à pátria, deu 25 dias aos nossos aliados, deu 25 dias pela vitória.
Hitler está inquieto. Ele sonha com outra primavera ou outro verão. Seus escravos lutam desesperadamente nos campos da Rússia. Os tanques alemães movimentam apressadamente as engrenagens. Mas nosso heroísmo não lhes dará mais tréguas. Os historiadores soviéticos não se esquecerão dos tanques alemães que foram incendiados em Ieletz, em Kalínin, em Rostov. E eles paralisarão e aniquilarão os tanques nazistas.
Os tanques nazistas foram assassinos monstruosos que apavoraram toda a Europa. Hoje, os lutadores soviéticos fecham a passagem aos tanques. Os nossos homens dispõem de canhões formidáveis. Isto é certo. Mas não se devem esquecer as granadas que são jogadas pelo lutador audaz. Ou das garrafas inflamáveis que partem das mãos dos guerrilheiros na retaguarda. Há alguma coisa mais simples que uma garrafa assim? Mas os tanquistas alemães temem as garrafas tanto como as bombas. O mais importante é o braço que lança a garrafa. O braço do homem sem medo. O homem descobriu o motor. E o homem pode destruí-lo: é o coração humano que triunfa.
SEGUNDA PARTE
Resistir para triunfar
“Camaradas, combatentes do Exército Soviético e marinheiros da Esquadra Soviética, comandantes e comissários políticos, guerrilheiros e guerrilheiras! “Neste dia glorioso eu vos ordeno:
“Combatentes da infantaria: aprendei a manejar o fuzil de todas as maneiras; tornai- vos especialistas no manejo das armas; aprendei a atirar contra o inimigo sem falhar. Atiradores de tiro ao alvo, que tão corajosamente aniquilastes tantos inimigos: isto cabe particularmente a vós.
“Tripulantes de tanques, artilheiros, aviadores: aprendei a utilizar vossas máquinas de qualquer maneira; tornai-vos especialistas em vossas armas; aprendei a combater o inimigo até o seu completo extermínio.
“Comandantes: desenvolvei tôda a vossa tática para que possais utilizar os soldados sob vosso comando. Tornai-vos especialistas na arte de comando; mostrai ao mundo inteiro que o Exército Soviético pode realizar a sua grandiosa tarefa de libertação.
“Combatentes guerrilheiros: continuai as vossas guerrilhas na retaguarda das linhas inimigas; destroçai as linhas de comunicação e de transporte do inimigo; destroçai os estados maiores e os centros técnicos; não poupai as balas para os invasores de nossa pátria.
“A todo o Exército Soviético: fazei do ano de 1942, ano do completo extermínio do exército fascista alemão e da libertação da terra soviética da putrefação hitlerista.”
(STALIN)
A pátria está em perigo
Foi no dia 14 de Julho. O povo parisiense tomou a soturna e célebre Bastilha. Tomar a Bastilha era fácil. Mais difícil era defender a liberdade contra os vizinhos saqueadores. Os prussianos e austríacos invadiram a França. A jovem República está ameaçada de morte. Então os patriotas se dirigiram ao povo com palavras imortais: “A pátria está em perigo”. E os soldados da República defenderam a liberdade de sua pátria.
Cento e cinquenta anos depois, os prussianos novamente invadiram a França. Que fizeram os franceses? Aguardaram os acontecimentos. Não procuraram encarar firme a situação. Contaram os quilômetros quadrados dos territórios dos aliados, de um lado, e, do outro lado, os quilômetros quadrados da Alemanha. E repetiram com confiança: “Somos mais fortes”. Ninguém, naqueles dias fatais, lembrou ao povo francês que a pátria estava em perigo. Os alemães entraram em Paris e o terror da Bastilha diluiu-se ante as monstruosas prisões nazistas.
Há um ano atrás, num amanhecer de julho, o nosso Stalin disse ao povo soviético: “A pátria está em perigo”. Desde então muitos dias se passaram. Atravessamos todas as etapas da guerra. E defendemos Moscou.
Os alemães concentraram suas forças e novamente avançaram. Olhando o mapa, sentimos o alarma sagrado: “A pátria está em perigo”. Aproximaram-se de Bugotschar. Continuam tentando avançar sobre Stalingrado. Stalingrado é o ponto cardeal do país. Ameaçavam Rostov. Têm sede do Kuban e do norte do Cáucaso. Os alemães não estão ameaçando esta ou aquela cidade, este ou aquele território. A ameaça nazista pesa sobre toda a URSS.
Nas margens do Don, nas estepes do Sul, os siberianos estão defendendo a Sibéria. Os uralianos os Urais. O cossaco se bate por sua estepe. E o armênio por suas montanhas. A ponta de lança alemã procura dilacerar as terras queridas do sul da Rússia. Mas os combatentes do exército soviético repelirão esta ponta de lança e expulsarão os nazistas.
Os nazistas estão marchando para o Oriente. Mas sabemos que os nazistas também podem marchar para o Ocidente. Não tardará o dia em que a Alemanha será apertada entre duas frentes. Os prenúncios da segunda frente se fazem sentir no horizonte. E os alemães querem derrotar a União Soviética antes que os exércitos aliados executem o desembarque no Continente. Isso não acontecerá. Enquanto a segunda frente não vem, aguentaremos sozinhos. A luta é dura, mas aguentaremos. Aguentaremos e venceremos. Os nazistas não dominarão Stalingrado nem o Cáucaso!
A vitória não cai do céu. Deve ser extraída das entranhas da terra. Deve ser arrancada. É um problema de vida ou de morte. Será a nossa querida URSS dominada pelos nazistas? Não! Nem um só cidadão em nossa pátria pensa nesta calamidade. Quanto maior é o perigo, mais forte é o nosso povo. Nosso querido guia adverte: “A pátria está em perigo!” Todos os povos da URSS respondem em uníssono: “Aniquilaremos todos os nazistas!”
Sabemos que há alemães bons e há alemães maus. Mas hoje não sei que dizer. O que vejo aqui me faz calar. Nesta guerra, as coisas têm sido muito diferentes. Os Fritzs que vêm para a União Soviética só se tornam bons quando os mandam para o outro mundo. Disto estou certo. Não tem acontecido de outra maneira.
Há na Bíblia, ao lado de muitas outras, a história de duas cidades: Sodoma e Gomorra. Nestas cidades havia muita gente degenerada e alguns indivíduos honestos. Deus pensava: não seria melhor ter piedade? Não havia ali 40 fiéis? Talvez seja possível se pensar assim quando se está no céu. Mas nós estamos na terra. Os nazistas também estão na terra. E acima de tudo, em nossa terra.
Estou aqui no “front”. Em plena batalha. Sentindo o cheiro da luta, vou lendo uma carta de Martin Berger ao seu irmão Herbert. Martin está na cidade alemã de Halle. Herbert até há pouco estava vivo na União Soviética. Martin escreveu: “Assististe fuzilamentos em massa? Apesar de tudo, isto deve ser horrível. Entretanto, como é possível tratar de outra maneira a esses canalhas? O mais simples será forçá-los a cavar as próprias sepulturas e depois meter- lhes uma bala na espinha dorsal. Só assim esta corja não devorará o pão que deve ser nosso”.
Os salteadores nazistas invadiram nossa terra, devoraram nosso pão. Discutem a melhor forma de exterminar o povo soviético. E dizem: “para que esta corja não devore o pão que deve ser nosso”. Que pão? O pão que roubam dos territórios invadidos.
Não é preciso dizer que Herbert seguiu os conselhos de Martin. Herbert já não existe: foi aniquilado por nossos lutadores. Mas é possível ficar com a consciência tranquila sabendo que Martin vive? Que hoje ou amanhã ele pode vir de Halle para a União Soviética? Que os milhares de patrícios de Martin podem seguir os conselhos desse oficial degenerado?
Alemanha. Hitler. Sodoma e Gomorra. Os nazistas saqueando nossa pátria. Os nazistas saqueando muitas pátrias. Onde estão os 45 fiéis? Ninguém os ouve. Ninguém os vê. Onde os fiéis? Eu procurei e não encontrei. Em nossa terra, só há carrascos alemães. Todos compreendemos isto. E o nosso coração está agora duro como a terra que se congela no inverno.
O mais importante para a vitória
Estamos tendo alguns revezes militares nas estepes do Don. São, porém, revezes temporários. Eles não devem ocultar à nossa vista a grandiosa resistência dos lutadores soviéticos. É que os nossos lutadores são invencíveis.
Desde o início do século passado, a princípio na Prússia e depois na Alemanha unida, os “senhores do poder” trabalharam para construir uma potente máquina militar. Os alemães ganharam facilmente a guerra de 1870. No decorrer da primeira guerra mundial, lutaram contra a Alemanha países como a Rússia, a Grã-Bretanha, a França, os Estados Unidos, o Japão e a Itália. A Alemanha triunfou militarmente durante cerca de quatro anos. Depois não aguentou mais e se desmoronou.
Durante vinte anos os alemães forjaram, nos fornos do Ruhr, armas para a agressão. Começou a segunda guerra mundial. A Alemanha destruiu rapidamente a Polônia. Invadiu a Bélgica e a Holanda. Escravizou a velha França de tradições guerreiras. A Inglaterra trancou-se em sua Ilha. Os alemães avançaram até os Bálcãs. Não foram paralisados. Nem as montanhas da Grécia puderam detê-los. Nem o mar pôde barrar-lhes a passagem. E conquistaram Creta. Os alemães consideravam-se “invencíveis”.
Atacaram a União Soviética. Então os observadores ingleses e americanos perguntaram a si mesmo: “Quantas semanas a União Soviética suportará?” Aguentamos todo esse tempo. Nós sozinhos. E aguentaremos até a vitória. Destruímos o melhor do exército alemão. Sofremos muitas dores. Mas infligimos ao inimigo os mais sérios desastres. Hitler lançou contra a Rússia todos os seus vassalos. Os finlandeses transformaram-se em fantasmas. Toda a juventude da Finlândia sucumbiu. A Rumânia está devastada. Hitler trouxe da Hungria dezenas de brigadas. Extraiu da Itália mais carne para canhão. Do mesmo modo que os escravos da antiga Roma, os infelizes soldados de dez países europeus seguem para a morte a serviço de Hitler. As fábricas da Alemanha, da Bélgica, da Holanda, da Tcheco-Eslováquia produzem armas e munições para o exército fascista.
E investem como monstros contra a nossa querida URSS. Mas combatemos. Aguentaremos invictos. O mundo inteiro fala da coragem e da força do exército soviético. Não somente os amigos, mas até os inimigos reconhecem que os soldados soviéticos lutam com uma bravura sem precedentes na história. Retrocedemos ou avançamos. Por um lado ou por outro, marchamos para a vitória.
A inquebrantável defesa de Sebastopol, demonstrou ao mundo a essência de nossa resistência. A ofensiva de Timoschenko indicou como sabemos ir para o ataque. Hoje, os nossos exércitos lutam com uma energia extraordinária contra o inimigo que se lança sobre Stalingrado e Rostov. Perdemos muita terra querida. Cidades e aldeias. Mas os nossos lutadores, que agora recuam, desfecham sobre o inimigo golpes mortais. E o momento de passar à ofensiva, chegará. Os alemães depois de perderem dezenas de divisões nas suas ofensivas, estremecerão sob os ataques maciços dos lutadores soviéticos.
No mar de Barentz nossos submarinos atacam os navios inimigos. Nossos aviadores atacam a longínqua Koenigsberg. Nossos guerrilheiros não descansam. Em todo o “front”, de Voronezh a Murmansk, nossos lutadores estão quebrando os dentes do exército alemão em batalhas diárias.
Cada nazista é uma máquina. Para destruir a máquina é preciso uma pontualidade absoluta. Minuto após minuto lutamos para aniquilar a máquina. Os homens não podem dar trégua à máquina. Quando uma companhia se atrasa, ela pode transtornar tudo. Pode contribuir para o fracasso de um ataque. Pode ceder a passagem ao inimigo. Lutemos, pois, sem perder um minuto. Perder um instante, significa, muitas vezes, perder uma batalha.
Que é preciso para a vitória? Uns dirão que são os recursos materiais. Outros afirmarão: são os homens. Outros mais, dirão que é preciso boas armas. Muito bem. Tudo isto é muito certo. Agora, porém, o mais importante é o tempo. Não perder nem um instante. A hora não deve ser regulada pelo motor, mas pelo momento propício. Cada comandante deve sentir o tempo, como se se encontrasse sempre diante do mostrador de relógio. É nisto que está o milagre da coordenação. E é nisto que descansa a garantia da vitória.
Não é em vão que os nossos soldados lutam em Voronezh. Os habitantes de Ieletz, Linzi, Lipetsk, Borisoglebsk, já estão respirando com mais facilidade. Mas, no sul, os alemães continuam a atacar. Ameaçam muitas cidades. O exército soviético lhes barrará o caminho.
Os alemães estão se dirigindo para Stalingrado. Que é Stalingrado? Uma cidade muito amada por todos. Um centro industrial. Um porto do Volga, o grande rio soviético. Um recanto de nossa terra. O exército soviético não os deixará jamais passar em Stalingrado. A hora é grave. Mas o lutador soviético é duro. E não deixará que monstros sanguinários ultrajem sua pátria.
Por que odiamos os nazistas
Conversei certa vez com um oficial numa trincheira. Então ele me disse: “Parece-me que em toda a minha vida nunca pensei tanto como neste par de noites em que estou aqui. A vizinhança com a morte, o domínio do medo, o sentimento do dever histórico, transforma em herói o homem que às vezes duvida de si mesmo. E um dos nossos maiores acontecimentos nesta guerra, foi talvez, o do auto-domínio do homem. O homem se enriquece com novos sentimentos, com uma mentalidade nova”.
O grande e vivificador ódio ao inimigo não cheira a tinta tipográfica, mas a sangue. Dizem que o rancor é cego… O nosso ódio ao inimigo nos mostra as coisas com mais clareza. Para os nazistas, o ódio aos outros povos é uma atitude normal. A República Soviética nasceu como um transbordamento de sentimentos elevados, de fronteiras ilimitadas. Olhávamos com simpatia o drama alemão desde 1920. Naqueles dias, mesmo com fome, dividíamos o nosso pão com os alemães. Tivemos muitas ilusões. Os nossos vizinhos cresceram. Muitos dos nossos subestimaram as particularidades do nazismo, acompanhado com a tradição e a psicologia da Alemanha.
Quando a Alemanha Nazista nos atacou traiçoeiramente, nosso povo estava longe de sentir esse ódio profundo. Nossos lutadores modestamente distribuíam cigarros com os prisioneiros. Mesmo com os agentes “S.S.”. Os russos acreditavam então que aqueles homens eram enganados. Que depois de roubarem os kolkhozes e de gastarem toda a munição, suspirariam tristemente: “Não somos culpados, fomos forçados”
Muitos de nós, esperávamos que os alemães ao meditar um pouco, se sentissem envergonhados. Enxergariam claro e se rebelariam. Mas, nesse meio tempo, os nazistas se preocupavam em discussões acadêmicas sobre qual a banha de porco melhor: se a banha da Sérvia, se a banha da Ucrânia. Os nossos homens descobriram que não se tratava de seres humanos. E então o caráter da guerra tomou um aspecto diferente. Desde esse instante, começamos a trocar a palavra “fascista” pela palavra “monstro”, porque compreendemos que essas palavras são irmãs siamesas.
Nosso ódio não é dirigido contra uma Alemanha qualquer ou contra o povo alemão ou contra esta ou aquela personalidade. Nosso ódio é contra a força bruta. Contra a perversidade. Contra a moral nazista. Contra os costumes selvagens dos escravizadores da Europa. Contra o terror sem limites. Contra o banditismo elevado ao mais alto grau. Contra a ignorância pretensiosa. Contra tudo que representa o caráter alemão da época da Alemanha de Hitler.
Odiamos os nazistas. Nossa luta tomou uma importância universal e humana. O ódio contra os nazistas não nos temperou somente para a luta: incentivou mais ainda os nossos sentimentos fraternais.
Sabemos dos sofrimentos do povo da França. Vimos nos céus as cinzas de Lidice. Sentimos a coragem sem par dos kolkhozianos. E nosso lutador sente cada vez mais estreita e profunda a fraternidade para com os outros povos. O desprezo para com os nazistas nos contagiou, assim como o ódio à “nova ordem”. Foi rápido e de vez.
Era grande o fetichismo acerca da cultura material alemã. No começo nossos lutadores não podiam imaginar que do pioneiro da imprensa, do país da indústria exemplar, da Alemanha higienizada, pudessem sair essas feras bípedes.
A instrução, a quantidade de sabão por pessoa, a rede de comunicações, o ruído das máquinas, eram os sintomas indicativos da cultura de um povo. E através dos Fritzs verificamos que monstros também podem carregar, nos bolsos, diplomas de universidades.
Nos campos de batalha percebe-se um grande cansaço. Olhos que há muito não sabem o que é sono. Mas isto é para os nossos lutadores uma fonte de energia que se transformou em persistência. Nosso povo redobrou agora sua força. Perdeu muito; mas ganhou muito. Não há melhor forma para experimentar a força e o amor do que nas dificuldades. Não procuramos a experiência. Nunca a nossa pátria a procurou. O inimigo nos forçou a isto. E a experiência demonstrou a fidelidade dos nossos homens para com a sua pátria, para com a União Soviética.
A fidelidade do nazista para a Alemanha se baseia no convencionalismo estúpido e idiota da superioridade. Os lutadores soviéticos amam a URSS, não porque outros países possam ser inferiores, mas porque a URSS é a nossa terra.
O patriotismo dos lutadores soviéticos é vivo, real, forte. As suas fontes vêm do lar, do banco debaixo da árvore, até da ruazinha simples. É difícil amar o grandioso, não amando os pequeninos acidentes. Não sentindo a unidade das coisas.
Não é possível crer que um homem que não ame a sua velha mãe ou aos filhos, possa um dia ser um humanista autêntico. Quando um ucraniano canta nas trincheiras as canções do Dniéper, recordando a sua casa, em cada modulação há a defesa sincera de seus irmãos de Tula, de Leningrado e do Volga.
Os nossos soldados nas trincheiras distantes, novamente se tornam namorados românticos de suas companheiras. Olham os filhos com um novo amor. Apegam-se com mais carinho ao pedaço de terra onde nasceram, foram criados, brincaram e estudaram, a guerra patriótica é um renascimento. Nas frentes de batalha vivificou-se ainda mais a fraternização dos povos de nossa pátria.
Na mesma companhia, às vezes, cerram fileiras filhos de dez povos. E vivem todos como irmãos que se querem com ardor. Vivem como velhos amigos. O uzbek defende Leningrado. Os homens do mar lutam peias aldeias caucasianas. Como é pueril a tentativa dos nazistas para jogar os ucranianos contra os russos: as balas batem nas rochas e ricocheteiam. Nunca Kiev foi tão sagrada para todos os nossos povos. Em cada regimento há diferentes lutadores juntos a outros lutadores da pátria comum.
Nosso sangue é derramado por todos. Não há nada que nos separe. Tudo nos une indissoluvelmente. Foi assim na paz. É assim na guerra. Será assim na reconstrução. Quando derrotarmos os invasores, quando limparmos a nossa terra dos hunos, precisaremos reconstruir a pátria. A destruição é vasta. Quantas famílias aniquiladas! Quantos órfãos! Perdemos muito. Muito mesmo. Mas os homens que voltarem da guerra serão outros. Mais capazes. Mais fortes. Mais experimentados. E as cidades arruinadas serão não somente reconstruídas, mas completadas com uma vida sempre melhor e mais elevada.
No passado, nossos homens deram a vida por grandes ideais. Hoje, entre o sangue e o fogo da guerra patriótica, nossos homens aprendem a defendê-los. Esses aprendem também a elevá-las a uma realidade mais poderosa. Nossos homens não sabem olhar para trás.
Os nazistas fazem uma guerra de rapina e de destruição. Eles roubam tudo. O que não podem roubar, destroem num prazer satânico. Os lutadores soviéticos defendem nossos tesouros. O monstro invasor pagará muito caro pelo que está fazendo. Não perdoaremos. Seremos implacáveis.
Os nazistas cometem loucuras desde que descobriram o nazismo. Eles procuram fazer a história andar para trás. Mas, não! A história não anda para trás: anda para a frente. Nós defendemos a história. A história avança: a sociedade avança. Na luta continuamos a edificação. De outro modo, mas continuamos. Temos ganho muito. Mais amadurecimento. Mais compreensão do dever. Os ânimos estão mais sólidos. A cultura se eleva de mais em mais. Mais acelerado é o ritmo da produção. Lutamos como ninguém. Lutamos para vencer, A sociedade soviética triunfará.
Devemos paralisar os monstros
Estamos passando por outra prova: Rostov sofredora caiu mais uma vez sob a garra dos bandidos nazistas. A dor de Rostov aumenta o nosso ódio. Hoje repetimos com todo ardor: os monstros devem ser paralisados. Sabemos que o exército de Hitler pagou caro por Rostov. Os nazistas semearam cadáveres na sua longa caminhada. De Klim ao Don. De Malensky a Rostov.
Nos últimos tempos, Hitler lançou sobre o Don 14 divisões de infantaria e duas divisões de tanques retiradas da França. Que significa isto? Que na França ficaram apenas dez divisões com capacidade de combate, não incluindo a polícia e os guardas. Isto significa que Hitler se vê obrigado a jogar para o Don, os soldados que até ontem estavam guardando as costas do Atlântico. Isto indica que as forças de Hitler se esgotam. Também indica que os alemães podem ser paralisados. Podem e devem.
Hitler também movimentou a África. Fez vir dos desertos africanos não poucos comboios para o Don. Que significa isto? Significa que os nossos pilotos e artilheiros destruíram muitas máquinas alemãs. Isto quer dizer que Hitler está jogando o máximo de suas forças na luta. Ele trouxe para as margens do Don mais um corpo de soldados italianos, as últimas divisões romenas, brigadas húngaras e até alguns eslovacos infelizes. Nas margens do Don também foi localizada a 722.a brigada finlandesa. Se os hitlerianos até precisam trazer os finlandeses da Carélia para as estepes do Don, é porque os alemães estão se tornando um produto raro. Se Hitler precisa apoiar-se nos eslovacos, quer dizer que a “raça eleita” desgastou-se muito.
Os alemães estão procurando avançar a qualquer preço. À sua frente está seu terror: os lutadores soviéticos. É preciso paralisar os alemães. Estamos no momento de ajustar as contas. Chegou a hora também de bater os vassalos de Hitler. O mundo inteiro sabe que os italianos são mestres em correr. É tempo de fazer os italianos se lembrarem disto. Também é o momento dos romenos detestáveis. Eles precisam receber agora o que lhes cabe. Já saquearam bastante a nossa terra. Muitos romenos já estão apodrecendo no solo soviético. É hora de mostrar aos sobreviventes o caminho de volta. Também vieram aos nossos campos muitos húngaros beberrões. Devem ser eliminados de nossa terra todos estes beberrões cínicos e sem escrúpulos. Mas, neste ajuste de contas não devemos esquecer, por um instante sequer, o mais importante: os monstros nazistas.
Não se deve pensar nos mortos, mas nos vivos. Nestes que ainda estão procurando avançar. Devemos paralisá-los. Devemos acabar com eles. Que não fique um só para contar a história. Os combatentes soviéticos sabem de uma coisa sagrada: encarregaram-se de defender esta passagem, aquela casa, esta estrada, aquele lago. E para eles toda a responsabilidade está concentrada numa casa ou muna estrada, numa passagem ou numa elevação, num lago ou numa rodovia. Esta casa é para você um lar e uma pátria. Você recebeu ordem de defendê-la e você a defende. Você está defendendo, hoje, não somente esta casinha kolkhoziana, mas a grande URSS. E isto é tudo para o combatente soviético. Para Ilya ou para Valentina Grizodubova. Para o marechal Timoschenko ou para o soldado Balalykin. Querido e próximo. Vida de nossa vida. E o Fritz é o Fritz: máquina, monstro. O Fritz é “valente” até que se lhe quebrem os dentes. Logo ele esmorece e se torna um trapo. Mas se se dá margem ao Fritz, ele sabe correr como uma gazela. Quando o deixam livre, ele engole o mundo de um extremo ao outro. Quando se aperta o Fritz, ele para e foge. Temos o exemplo de Rostov. Precisamos recordar. Ele é muito frisante. Muitas lições se podem tirar. Rostov era o último triunfo alemão. Rostov se tornou a primeira derrota de Hitler. Da coragem e do estoicismo de nossos combatentes depende que estes sejam os últimos feitos nazistas. Os últimos. E para sempre.
Através da luta, para a vida
Quando ao amanhecer de junho se ouviram os primeiros tiros, formou-se uma grande dissonância. As coisas em volta não se ajustavam a estes sons estranhos. Em nossas regiões pacíficas o trigo amadurecia normalmente. E as crianças brincavam despreocupadas nas ruas das cidades fronteiriças. Mas logo todo o ritmo mudou. Em lugar de aldeias, chaminés. Nem as fisionomias são as mesmas. Tinham a expressão de carinho. Hoje, são rígidas. Nos olhares vê-se severidade, confiança.
O homem que luta na frente, só de raro em raro, se lembra da vida que levava. Mesmo assim parece-lhe que lá na retaguarda a vida continua como dantes. Ele vê Moscou com seu mar de luzes. Por trás das janelas, homens jantam, riem, leem romances agradáveis, crianças preparando as lições, jovens que se preparam para os bailes.
E de repente, o homem que luta na frente se lembra: guerra! Também em Moscou há guerra. Ruas escuras. Olhos cegos. As moças racham lenha. Os músicos transformaram-se em sapadores e artilheiros. As crianças estão nos Urais.
Um refletor varre o céu negro. Se procurares voar sobre o país, encontrarás sempre a guerra como num conto de fadas. Verás as cidades que os alemães incendiaram. Verás as fábricas em barracões. Fábricas que percorreram milhares de quilômetros. Ouvirás como suspira uma mãe velhinha: “Dois meses sem uma carta”. Presenciarás como as crianças, esfregando as mãozinhas nos olhos amortecidos, perguntam :”Onde está papai?”… Verás muita dor e muita tenacidade. Não é só a frente que luta. É toda nossa pátria querida.
Perdemos muito. Perdemos muitos homens honestos, abnegados, inteligentes e honrados. Perdemos represas formidáveis. Fábricas onde empenhávamos nossas almas.
Fomos os primeiros pesquisadores da humanidade. Abrimos caminho através de bosques espinhosos. Quando construíamos uma creche, chegavam más notícias do Ocidente: lá se construíam bombardeiros que numa só noite matariam muitas crianças.
Sabíamos que as crianças precisavam de brinquedos. Mas seria possível crianças brincarem sossegadas na terra enquanto os hitleristas surgiam no cenário? Então construímos tanques. Dez anos antes da guerra, a Alemanha já havia tentado imiscuir-se em nossa vida. Não consentimos. Revidamos. Ao mesmo tempo construíamos cidades, escolas, campos para férias, teatros, todo o nosso jardim florido.
As pessoas se desenvolvem maravilhosamente na guerra. Como os bosques nos contos de fadas. Vivem com o pulso da morte. Conhecem-se perfeitamente como ao vizinho. E tomam-se prudentes. Afastam o medo e isto eleva os homens. Enche-os de fé, alegria íntima e força. Durante esta guerra, penetramos até o fundo da força da amizade. E quantas esperanças semeia este sentimento formidável! Próximo a ti, na mesma bateria ou na mesma trincheira, se encontra o teu amigo querido. Se ele é ferido, procurarás salvá-lo da morte. Se ele for morto, não o esquecerás até o fim da vida. E jamais perdoarás ao inimigo.
Quando nos chocamos com o fascismo bárbaro, compreendemos como foi caro e elevado aquilo que os povos da União Soviética construíram num quartel de século. Por isso nos armamos de ódio. Nosso ódio está maduro. No entanto, nem assim deixamos de ser humanistas. Hoje ainda somos muito mais. Dia a dia cresce a nossa fé nos homens. Unicamente descobrimos que existe uma falsificação de homens, que o hitlerista é um “ersatz” do homem. E odiamos. Tempo houve em que os alemães nos causavam pena e até enviamos trigo para os habitantes esfomeados do Ruhr, num período muito difícil para o povo soviético.
Muitos de nós não se lembram das tradições históricas da Alemanha, nem da psicologia dos alemães, formamos um tipo de alemão de acordo com nossa imaginação. E quando os alemães nos atacaram, o nosso bom povo ainda acreditava que os fascistas estavam forçando os alemães. Que o alemão enganado logo bradaria: “Fim a Hitler!”. E escutamos mesmo estas palavras dos prisioneiros que foram transformados em alemães miseráveis. Mas sabemos que eles não estão sendo enganados.
A guerra implantou em nosso povo não só o ódio nos nazistas, mas também um ódio profundo à técnica militarista alemã. Por nenhum preço aceitaremos seu método de vida. Avaliamos o heroísmo do povo espanhol, mas era difícil compreender que um camponês semi-analfabeto da Espanha sentisse mais o valor da cultura de que um professor de Berlim. Hoje compreendemos isto perfeitamente. Vimos alemães com aparência de europeus civilizados, mas na realidade eles ofendem até mesmo os sentimentos morais dos habitantes das longínquas ilhas de Sandwich. Sabemos agora que o mais importante não é a quantidade ou qualidade externa dos órgãos de imprensa, mas o próprio texto destas publicações. Que as cidades alemãs com ruas limpas, com hospitais modernos e escolas espaçosas, são locais onde se pregará o mais estúpido e nojento barbarismo.
Não negamos naturalmente a significação da cultura material. Agora, porém, vimos que sem riqueza espiritual, esta cultura degenera rapidamente em selvageria.
Perdemos grandes territórios. O segundo verão nos trouxe ainda muita dor. No entanto, podemos dizer que estamos mais fortes do que no dia 22 de junho de 1941. Mais fortes pela consciência, pelo raciocínio, pelo coração. Muitas vezes pensamos como será difícil curar as feridas, reconstruir as cidades destruídas, restaurar a vida pacífica.
Pensando no que perdemos, lembremo-nos do que ganhamos. Vejamos que o homem que voltar da frente vale por dez homens de antes da guerra. E os homens trabalharão diferentemente, para a vida. Na guerra adquirimos mais disciplina, mais capacidade de iniciativa, mais confiança íntima.
O primeiro amanhecer depois da vitória será estupendo. A União Soviética, a primeira que paralisou os alemães, então, com a cabeça bem erguida, forte, mas sem jactância, pacífica, mas orgulhosa, tirará o fuzil do ombro e exclamará: …”e agora, para a vida!”
Três anos
Faz três anos. Há três anos em Berlim reinou alegria. A cidade enlouquecia. Hitler acabava de comunicar aos alemães que a guerra havia começado. A tão esperada guerra… Os nazistas ficaram fora de si: “Guerra, finalmente!” “A verdadeira grande guerra!” As “gretchens” cochichavam no ouvido de seus Fritzs: “Não se esqueçam da água de colônia francesa. Na Polônia há ótimas mortadelas. Na Inglaterra encontrarás boas casimiras para ternos”. Nas livrarias esgotaram-se os mapas. Os sinos repicavam. Os tambores ensurdeciam. Os alto-falantes propagavam os latidos roucos de Hitler. Os alemães estavam certos que a guerra acabaria em três meses. Foram-se três anos.
Os alemães descobriram que é mais difícil esperar a paz do que esperar a guerra. Hoje, diante dos armazéns, veem-se filas intermináveis. Não vêm comprar mapas. De modo nenhum. Tentam conseguir pelo menos um pouquinho de margarina.
A Alemanha ficou deserta como o bosque no outono. Sua população é uma coisa estranha. Parece mais um jardim zoológico. Só há anciãos, escravos e estrangeiros. As alemãs vivem com romenos ou com italianos. As “gretchens” se entendem com os homens “ersatz”; até mesmo por mímica. Os soldados de Hitler apodrecem nas areias africanas e nos lagos gelados da Carélia. São aniquilados nas estepes russas como nas montanhas do Cáucaso. O drama é o mesmo. Os tambores silenciam. Os sinos já não plangem. Foram derretidos para forjar canhões. Anoitece. As sirenes apitam. As bombas estouram. As cidades alemãs não cheiram a água de colônia francesa. A mortadela acabou. Tudo acabou: o pão, a invencibilidade, a grandeza, as esperanças…
Os nazistas destruíram a Europa no decorrer de três anos. Há três anos os nazistas viram a Europa florescente. Quiseram conquistar um paraíso na terra. Conquistaram um deserto. Ultimamente, um burgo-mestre alemão declarou que Roterdam poderia ser reconstruída… dentro de quinze anos. Para destruir Roterdam, os nazistas precisaram somente… um dia. Há três anos que os nazistas continuam destruindo a Europa. Não será possível reconstruí-la dentro de quinze anos.
Os pescadores noruegueses já não pescam. As videiras francesas estão espezinhadas. Todos os dias, nas ruas de Atenas são recolhidos os cadáveres de gregos mortos de fome. Varsóvia foi transformada num quartel disciplinado e num hospital. As cidades sérvias ficaram desertas. Seus habitantes fugiram para as montanhas. Dormem as fábricas de Minsk e Dniepropetrovsk. A Europa silencia como as colmeias saqueadas e abandonadas. Os nazistas aniquilaram escritores e sábios, engenheiros e médicos, vinhateiros e metalúrgicos.
“Luz!” — exclamou Goethe a falecer. A Alemanha de hoje vive nas trevas, porque não suporta a luz. Os nazistas assassinaram os cientistas franceses e os escritores tchecos. Na aldeia Krutesk, nos arredores de Leningrado, os alemães enforcaram um velho kolkhoziano. Por quê? Por “haver participado de uma exposição agrícola em Moscou”. Se estes bárbaros noturnos pudessem, assassinariam até o alvorecer do sol.
Os alemães se dizem organizadores. Muito bem. Por que, então, eles não organizam os países ocupados? Não dispõem de tempo. Escrevem em seus comunicados: “Perseguimos os inimigos”. Mas não é somente por isto. Eles se apressam porque os persegue a hora da vingança. Chegaram na Normandia, a terra do queijo e da manteiga. Não puderam esperar: o bando estava esfomeado. E os alemães aniquilaram todas as vacas leiteiras. Hoje, na Europa, as casas constituem raridade. Ou foram destruídas ou são ocupadas por alemães. Os alemães devoraram todas as aves. Não há agasalho. Não há roupas. Não há papel. Precisam de carvão, bombas e minas. Os alemães levam tudo. Quando não podem levar, arrasam.
A expressão “alemão” transformou-se em insulto em quarenta línguas. Os alemães falavam muito em restrições. A única culpada foi a própria Alemanha. Está sendo apertada num cinturão de ódio. Nas planícies da Ucrânia e nos vales da França. Nas montanhas da Iugoslávia e nos rios soviéticos. Hitler arrastou para a Alemanha milhões de escravos. Estes escravos também são inimigos. São soldados na barriga do cavalo troiano.
“Vede como é grande agora a Alemanha” — dizem os jornais nazistas. Mas os alemães assustados dizem: “Como ficaram desertas as cidades alemãs! Otto está morto. Karl está morto. Kurt está morto”. E em coro respondem as casas, as ruas, os quarteirões: “Morte! Morte! Morte!”.
Hitler afirmou há tempos aos alemães: “Sois um povo sem espaço”. A Alemanha ficou deserta. ”É um espaço sem um povo” — dizemos nós.
Os comunicados, por mais otimistas, não podem esconder a verdade aos alemães. Ela é grave. O destino que preparavam para outros povos, transformou-se no destino da própria Alemanha. As ruínas de Kiev, Lubek, Rostov, Nurenberg e Koeningsberg pouco se diferenciam das ruínas de Belgrado, Roterdam ou Minsk. Os soldados alemães que viram as rochas da Noruega e as elevações do Épiro, olham agora o Cáucaso. Mas os soldados não se alegram. Eles compreendem que não tornarão a ver os Alpes de Brenner nem de Gratz.
A corrida alemã atrás da vitória é uma corrida louca. É em vão esta corrida. Ela está correndo atrás de sua própria sombra. O sol está baixando. Cada vez mais se estendem as sombras. E é impossível alcançar a sombra de si mesmo. Atrás ficam as sepulturas e as cruzes onde jazem milhões de alemães. Que resta na frente? A morte.
A Alemanha seguiu em marcha forçada de Narvik a Piatagorsk, de Roterdam a El Alamein. Mas não marchará para trás. O caminho de volta está minado pelo ódio dos povos. A Alemanha nazista é o carrasco da Europa. Houve tempo em que a Alemanha forjava máquinas e publicava livros. Hoje a Alemanha decepa cabeças e levanta guilhotinas. Admiramos a Alemanha de Gutenberg e de Heine. Odiamos a Alemanha de Krupp e de Hitler. Esmagaremos esta, para libertar aquela.
Três anos de miséria, fome, opressão. Fuzilamentos. Destruição. Homens pendendo das forcas. Cabeças pulando das guilhotinas. Sangue. Lágrimas. Mas a fenix renascerá. Lutamos. Venceremos. A aurora é o terror dos monstros. A aurora é a festa dos povos.
Já é tempo
Um covarde me disse: “Disseram que a lenda da invencibilidade do exército alemão se extinguiu. Mas os alemães estão avançando novamente”.
Nunca dissemos que os alemães não podem ganhar uma batalha. Dissemos que é possível vencer o exército alemão. E venceremos. No primeiro inverno todos viram isto. E em primeiro lugar, viram-no os próprios alemães.
O exército de Hitler conseguiu uma série de triunfos. Nem por isso ele é um exército vencedor. A realidade nos mostra outro panorama. Disto não se pode esquecer. Os combatentes soviéticos paralisaram os alemães em Voronezh. Se os alemães conseguiram penetrar com seus tanques em Rostov, se eles conseguiram avançar, foi porque encontraram uma falha na defesa soviética. Nunca porque são “invencíveis”.
Mas os lutadores soviéticos não deixarão os alemães passar em Stalingrado. Há várias semanas que os alemães tentam irromper pelo Volga. Vãs têm sido suas tentativas. Quem os impede? As montanhas? As trincheiras? Não. São os homens. São os nossos lutadores. Onde estão os alemães da conquista de Paris? Os orgulhosos e risonhos nazistas com capacetes de lado sobre a orelha? E os tanquistas em mangas de camisa? Os alemães atacam agora com fisionomias aflitas. Nem os vinhos caucasianos os alegram. Eles esperam sempre um ataque. A surpresa dos lutadores soviéticos.
Os jornais alemães falam muito sobre a colheita soviética. Escrevem sobre trigo, arroz, batatas. Os jornais alemães só não falam sobre as cruzes alemãs. E são as únicas plantações que florescem desde Voronezh até Piatigorsk. O sargento Rudolph Knoivitz escreve a seu irmão: “No trajeto de toda a marcha até Amarvir se viam as sepulturas alemãs. É um espetáculo muito triste”. Quando nós encontramos em nossas investidas este espetáculo, não ficaremos sentidos. Os nossos combatentes ficarão muito alegres. São bandidos a menos. Não temos pena. As colheitas de Hitler serão cada vez maiores: cruzes e mais cruzes alemãs…
Os alemães estão lutando agora com as últimas forças. Vieram para a União Soviética vinte e duas divisões do Ocidente. Deixaram desprotegidas as costas do Atlântico. Hitler envia contra a Rússia todas as suas forças. Além disto, lutam contra nosso exército, noventa divisões dos vassalos de Hitler.
Os alemães vêm agora para lugares muito distantes de seus lares. Milhares de quilômetros têm que percorrer através de um território inimigo. Em toda parte há sentinelas: são os guerrilheiros soviéticos. Os trens alemães estão sendo dinamitados. As pontes são destruídas. As linhas de comunicações são cortadas. Os guerrilheiros matavam os alemães por unidades. Agora estão aniquilando os alemães por atacado. É fácil à artilharia alemã atirar uma granada. Mas é custoso trazer esta granada de Breslau à Piatigorsk.
Os alemães se espalharam por vastos territórios da União Soviética. Para tudo isto há somente um problema: encontrar muitas vassouras russas. Assim limparemos nossa terra querida de tanta imundície. Durante o verão de 1941, os alemães cercaram grandes forças soviéticas. Já é tempo de lembrar aos nazistas que a palavra “cerco” não existe somente na língua alemã. Ela também existe na língua russa. Mas, não só na língua russa. Também nos 149 idiomas soviéticos.
Cada alemão na União Soviética está cercado. Ele está cercado pelos combatentes soviéticos. Ele está cercado pelos cidadãos soviéticos. Cada soldado, marinheiro, homem, mulher, criança, velho, aviador, guerrilheiro. O cerco é feito por todos. Os soldados de Hitler não saíram. Em 1941 os alemães atacaram em todas as frentes. Depois da ocupação de Smolensk, avançaram logo sobre Kiev. Ao mesmo tempo avançavam sobre Odessa e Leningrado. Ocuparam Kiev e iniciaram o avanço sobre Moscou. Agora atacaram exclusivamente no Sul. Em Voronezh já foram forçados a passar à defensiva. Cada dia de guerra nossos lutadores assestam golpes mortais sobre os alemães.
Em 1941, os alemães estavam muito mais fortes. E apesar de tudo, eles não passaram. Procuraram melhorar e encurtar as linhas do “front” e investiram. Mas eles possuem muito menos elementos e a frente é muito mais extensa. Os alemães gostam de procurar falhas nas defesas soviéticas. Já é tempo de lhes mostrar que não somos cegos. Eles têm não poucas falhas e brechas. Não podemos deixar de aproveitá-las convenientemente.
Quando a coisa lhes vai bem, os alemães se fazem de .modestos. Quando as coisas lhes vão mal, começam a mentir. No outono de 1941, os alemães avançaram sobre Moscou. O comando alemão sabia que as forças nazistas estavam esgotadas e que a ofensiva estava sendo sufocada. Mas Hitler resolveu estimular seus soldados e declarou histericamente: “O exército vermelho está aniquilado!” Dois meses mais tarde, os alemães correram do exército soviético. Deste exército “aniquilado”. Em julho de 1942, os alemães falam compungidos. Avançam lentamente e descrevem com que dificuldades estão avançando. Cada dia o avanço se torna mais difícil. Cresceu a resistência soviética.
E os jornais alemães tentam animar os Fritzs e escrevem: “O exército vermelho está aniquilado”. Isto é um bom sintoma. Isto quer dizer que estão avançando com um esforço sobre-humano. Isto quer dizer que já é tempo de paralisar os nazistas. Já é tempo de expulsá-los de nossa pátria.
Nós não tememos a verdade. Sabemos o que já perdemos nesta guerra. Sabemos quanto é terrível para nós o caso do Kuban. Vemos como está ardendo o petróleo de Maicop. Recordamos que os alemães arruinaram as nossas regiões florescentes e escravizam milhões de nossos irmãos e irmãs. Depois das vitórias do inverno nos era difícil suportar a dor de recuar. Mas essa dor despertou feridas antigas. O nosso povo não pode continuar a sofrer sob o jugo nazista. Já é tempo de parar. Já é tempo de começar a vingança. Nem um passo atrás. Nossos lutadores fincaram os pés na terra. Não mais retrocederão. Todos temos um único desejo ardente: retribuir aos nazistas o que lhes cabe por tanta miséria.
Heróis do povo soviético
Os nazistas não conheciam o peso de .nossos peritos na luta dos mares. Os nazistas sabem muito bem afogar crianças no Dniéster e no Dniéper. Não têm coragem de enfrentar os marujos soviéticos. O comandante de submarino Israel Fizanovitz, herói da União Soviética, mostrou aos alemães que os soviéticos são peritos em afundar bandidos arianos. O submarino de Fizanovitz afundou quatro transportes alemães. Os peixes receberam de presente os Fritzs afundados. Não sei se os peixes gostaram desse presente. Mas até mesmo os peixes devem odiar os nazistas. Os piratas alemães jogaram 329 bombas sobre o submarino de Fizanovitz. O submarino voltou a um porto soviético. O pai do comandante Fizanovitz era um pacífico guarda-livros. Também Fizanovitz escrevia poemas ucranianos. Mas Fizanovitz compreendeu que não é com poemas líricos que se expulsam os alemães da querida Ucrânia.
Com torpedos, eles saem mais facilmente. E o poeta Fizanovitz se transformou no comandante Fizanovitz. Que dirão os pedantes arianos sobre os afundamentos de seus navios por Fizanovitz?
Os tanques alemães marchavam sobre nossas posições. Na trincheira estava David Katz. E David não recuou diante do avanço dos Golias blindados. Katz jogou sobre o primeiro tanque uma garrafa de inflamáveis. O tanque explodiu. O segundo tanque procurou recuar. O lutador soviético, porém, não permitiu: lançou debaixo do tanque uma granada. O tanque ficou paralisado. Mas as metralhadoras do tanque continuaram atirando sobre os nossos soldados. David Katz meteu a baioneta na boca do fuzil. Unicamente depois de ferido pela segunda vez, Katz consentiu em ser conduzido ao posto de socorro.
Os marechais de Hitler estão enfurecidos: Stalingrado não quer cair. Stalingrado não amadurecerá para ninguém. Os nazistas estão estourando de raiva. Os David Katz estão destruindo os tanques alemães. Sim, “senhores” marechais! Stalingrado não deixará passar.
Há um ano atrás os alemães marchavam sobre Moscou. Próximo de Mojaisk toparam com Chaim Diskin, ex-estudante de literatura, filho de um kolkhoziano da Crimeia. Chaim Diskin almejou ser um escritor. Quando a guerra começou, ele tinha a idade de 17 anos e partiu como voluntário para o “front”. Em Mojaisk viu os tanques alemães. A ordem era simples: “Defender a posição”. Os tanques avançavam. Diskin esperava. Com um tiro certeiro destruiu o primeiro tanque. Os alemães saltaram fora da máquina. O lutador soviético ordenou por sua própria responsabilidade: “fogo sobre os fascistas!” Ficou ferido. Rapidamente atou as mãos com gaze. O chefe, então, gritou para ele: “Diskin, estás nomeado chefe da bateria! Fogo!” Diskin foi ferido pela segunda vez. Sobreviveram ele e mais um artilheiro. Os tanques alemães atacavam os dois lutadores pelo flanco direito. Diskin não cessou de disparar. Desfaleceu. Mas foi só por um instante. Logo voltou a si. Os tanques avançavam agora pela esquerda. Diskin disparava sem interrupção. Aniquilava tanques. Sangrava muito. Outra vez desfaleceu. Só voltou a si num posto de socorro. O chefe disse-lhe: “destruíste cinco tanques”. O corpo de Diskin teve quatorze ferimentos. Hoje Diskin é um herói da União Soviética.
Judeus, ucranianos, bielo-russos dos territórios temporariamente ocupados! Cidadãos soviéticos! Irmãs e irmãos torturados pelos bandidos, atenção: estais sendo vingados. Os Fizanovitz afundam corsários. Os Katz aniquilam Fritzs impiedosamente. Os Diskin de 17 anos incendeiam tanques alemães. Sabemos que Kiev, Kerch, Feodosia e Odessa nos esperam. Dizei a Kiev, Kerch, Feodosia e Odessa que lá chegaremos.
Outros heróis lutam nos céus. Os alemães agora estão conhecendo o peso de nossos intrépidos aviadores. Leonid Rapoport é um “falcão” audaz. Quatorze vezes atacou os tanques inimigos e aniquilou algumas dezenas. Destruiu um trem de munições. E já aniquilou mais de 200 Fritz. Num combate, uma granada atingiu o radiador de seu avião. A água fervente esguichou na cara de Leonid. Mas Rapoport conservou a calma e conduziu a máquina à sua base. Pela estrada marchavam colunas alemãs. Rapoport não resistiu, desceu e descarregou as metralhadoras. Os Fritz gritavam com pavor: “Deus nosso é o Gustav de ferro”. É assim que chamam aos “stormoviks” soviéticos. Mas o “Gustav de ferro” era um herói soviético: o jovem judeu Rapoport.
Outros são artilheiros. Os artilheiros soviéticos conquistaram a opinião mundial. As suas façanhas são realmente impressionantes. Próximo de Leningrado, quatro rádio-telegrafistas de uma seção de artilharia orientavam de um posto avançado, o fogo do artilheiro Schprintzson. Rubén Schprintzson, herói da URSS. Ele transmitia os comunicados: “O inimigo se aproxima’’. Nos intervalos, corria com o fuzil-metralhadora e aniquilava dois ou três Fritzs. Quando os alemães se aproximaram do posto de observação onde estava o grupo soviético, Schprintzson transmitiu: “Atirar sobre nós!” No quarto dia de luta, os soldados libertaram os heroicos observadores. Os alemães fugiram do artilheiro Schprintzson. Rubén Schprintzson, herói da União Soviética, viu o brilho das botas nazistas.
O suboficial Grintzveig comandou uma seção de artilharia em Stalingrado. Os artilheiros de Grintzveig defenderam suas posições durante três dias. Quando a infantaria chegou, não encontrou Grintzveig nas posições indicadas. Grintzveig havia passado à ofensiva e repelido os alemães. Em Stalingrado se diz: “Bravos! Pelos Grintzveig!”
Os nazistas assassinam cidadãos pacíficos. Velhos. Mulheres. Crianças. Jovens. Todos. Mas os nazistas não topam a luta aberta com nossos lutadores. Eles já conhecem o coração do lutador soviético.
Nossas irmãs também são heroínas. Elka Iutirian viu que os alemães estavam recuando. Os alemães não devem fugir. Devem ser caçados. Se não eles podem voltar. Elka tomou uma metralhadora e começou a atirar contra os bandidos. Muitos foram ceifados por Elka.
Recebi uma carta. É de um soldado soviético. Salomon Karminsky me diz: “Sou judeu e me orgulho. Orgulho-me porque os judeus estão lutando ao lado dos russos, ucranianos, kirghizes e tártaros. Estou pronto para morrer. Quero, porém, que os alemães morram. Não desejaria morrer logo, porque quero ajustar as contas com os nazistas por Kiev, Odessa e Kharkov. Tenho que fazer isto com as minhas próprias mãos. Mas se eu morrer, morrerei com o coração descansado. Sei que meus filhos viverão na União Soviética. Minha família foi evacuada e meu filho de 4 anos de idade me escreveu: “Papaizinho: liquide Hitler e volte para casa”.
Assim são os heróis da União Soviética. Nossos heróis são simples. Eles vêm do povo e têm a força do povo. A tentativa para dividir os povos que vivem sob a bandeira vermelha, se esfacelou em nossa unidade indestrutível. Uma coisa é assassinar nos “ghettos” de Varsóvia, anciãos desarmados, outra é enfrentar os Karminsky nos campos de batalha. Uma coisa é metralhar cidadãos pacíficos; outra coisa é enfrentar os “falcões” soviéticos. Uma coisa é escravizar povos divididos por “Quislings”, outra coisa é lutar contra russos, turcomanos, kazaks, ukranianos, yakuts. Cento e oitenta e dois grupos étnicos distintos, mas unidos por uma amizade profunda.
Sabemos que outubro trouxe a liberdade para todos os povos de nossa grande pátria comum. Todos são iguais. Todos têm as mesmas oportunidades. Aqui passamos a nossa vida feliz. Nesta terra viverão os nossos filhos. Por eles não a entregaremos a ninguém. Aniquilaremos até o último canalha fascista.
Escuta, irmão combatente: avança! Pela União Soviética. Escuta, irmão da retaguarda: trabalha! Pela República Soviética. Escutai, irmãs e irmãos: para a frente! Por Stalin! Pela liberdade de toda a humanidade! Os nossos antepassados falavam da terra prometida. Nós encontramos a terra prometida: a União Soviética. Agora, trata-se de defender a terra prometida: na linha de fogo.
A vingança nos fortalece cada vez mais. Hitler queria nos jogar na desgraça. Hitler nos glorificou. Seu ódio é o nosso orgulho. Os povos do mundo sentiram o que é o poder soviético. A aliança se fez. Os povos amantes da liberdade marcham de braços dados. Nós estamos lutando sem descanso. Nossos feitos são repetidos por mil lábios, como feitos sagrados. Nossos heróis são glorificados.
Os alemães estão aflitos com o heroísmo dos defensores de Stalingrado. O periódico “Berliner Boersen Zeitung” escreveu: “O sistema soviético, que criou os stakhanovistas, criou agora também o soldado vermelho que luta desesperadamente até nos momentos extremos. Os russos, não se sabe por que, lutam até mesmo quando a resistência é inútil”. Que é o “Berliner Boersen Zeitung”? A voz da alta finança. Os especuladores da Bolsa de Berlim ultrapassam sua sabedoria habitual. Mas nem assim isto deixa de ser mero palavreado. Palavras impressas com tinta tipográfica. E cada soldado soviético sabe que a guerra está se travando na terra e não no papel, com sangue e não com tinta.
Luta-se sobre o solo soviético. Para os nazistas, Stalingrado não é mais que uma grande cidade, um centro estratégico importante. Mas em Stalingrado vivem nossos amigos, nossos irmãos. Orgulhávamo-nos de suas construções, de suas escolas, de suas fábricas. Tudo isto edificamos na alegria e na dor, assim como a mãe que dá à luz um novo filho. Amamos Stalingrado. Veneramos Stalingrado. Não cederemos Stalingrado.
Para os nazistas, o Volga é uma via de navegação. Acaso, será preciso dizer o que significa para nós o grande Volga? Os nazistas viram o Volga e disseram: “Qual nada! Não passa de um grande rio”. E há 500 anos os russos chamam o Volga — “querida mãezinha”. Para os nazistas, nossos campos são “espaço vital”. Para nós, são a pátria. Para os nazistas, nossas riquezas são apetitosos botins. Para nós, é nosso suor, nosso sangue, nossa história.
Os alemães do “Boersen Zeitung” exclamam admirados: “Por que os russos se batem até em situações desesperadoras?” Para os lutadores soviéticos não existe essa espécie de situação. O sargento Ivan Babrik aproximou-se de um tanque alemão avariado, próximo das linhas alemãs. Penetrou no tanque e daí orientou com seu aparelho telefônico, durante treze dias seguidos, o fogo de nossa artilharia. Babrik encontrou no tanque um ninho de metralhadoras, mas não havia metralhadoras. Certa noite Ivan Babrik saiu do tanque a procura de uma metralhadora alemã. Descobriu uma. Arrastou-se com ela até o tanque, trazendo também uma boa quantidade de munição. Só no 14.° dia os alemães começaram a suspeitar da posição do observador soviético. Lançaram-se sobre o tanque. Ivan Babrik os recebeu com o fogo da metralhadora. Os alemães começaram a atirar sobre o tanque com canhões. O sargento Ivan Babrik pulou do tanque e se arrastou até as nossas linhas. À noite ele disse: “Pena é que deixei lá a metralhadora”. Pulou da trincheira. Foi até o tanque. E voltou arrastando a metralhadora alemã e toda a munição. Babrik esteve quatorze dias seguidos “em situação desesperadora”. Mas Babrik era valoroso e encontrou saída.
O rádio-telegrafista Rubén Schprinzan e mais três companheiros passaram cinco dias cercados pelo inimigo. Sem descanso. Sem direito ao sono. Sem comida. Daí orientavam o fogo da artilharia soviética. Os alemães se aproximaram cada vez mais das ruínas onde se achava o grupo cercado. Ruben Schprinzan comunicou então aos tanquistas: “Fogo sobre nós!” Parecia que não havia salvação. Os alemães tremiam sob o fogo da artilharia. Schprinzan e seus três companheiros pularam das minas e com os fuzis-metralhadoras começaram a aniquilar os alemães. Os Fritzes começaram a correr.
Assim são os lutadores soviéticos. De instante a instante são transmitidos comunicados de guerra. Não são comunicados comuns. São narrativas vivas do heroísmo sem par de nossos lutadores. Que entendem os especuladores da Bolsa de Berlim sobre a coragem soviética? Sobre o coração dos combatentes do exército do povo? Por que não flutua sobre Stalingrado a bandeira suástica? Em Stalingrado não há somente pedras: há homens de uma nova têmpera. Homens soviéticos. Os alemães se aproximaram de nosso grande Volga. Os alemães procuram se atirar sobre a nossa garganta. Mas para nós não há “situações desesperadoras”. Temos uma única saída. Uma saída certa: aniquilar os nazistas. E nós os aniquilaremos sem piedade.
Missão a cumprir
Recebi uma carta do comandante Katzantzev. Ele me escreve assim: “É preciso cultivar no povo soviético um tal ódio aos nazistas, que os cidadãos de nossa pátria os combatam com tudo que tiverem à sua disposição. Mulheres, anciãos e crianças, armados de machados, foices, pedras ou qualquer coisa, devem aniquilar os nazistas onde encontrá-los. Todas as nossas conquistas de séculos, tudo que os nossos antepassados edificaram, pode cair nas mãos do infame invasor. Nós, a nossa geração, somos os responsáveis pelo destino da União Soviética”.
Uma sagrada preocupação se encontra nas palavra do comandante Katzantzev. Uma preocupação pela sorte de todos os povos da União Soviética. Nestes dias difíceis, compreendemos que o inimigo está ameaçando nossa grande pátria. Um único pensamento nos envolve: devemos defender a União Soviética!
Os homens construíram pacientemente, ano após ano, a Rússia. Levantaram os alicerces do Kremlin. Construíram casas de madeira e tijolos. Igrejas com ornamentos de ouro. Palácios com colunas, arcadas e pontes. Na Rússia havia homens audazes: águias das montanhas. Abrimos uma nova página da história: num quarto de século edificamos uma civilização. Os rios foram domados. Há primavera nos desertos. A terra soviética é rica em bosques, carvão, petróleo. Mobilizamos tudo em proveito do homem. Mitchurin, Lizenko e Meller dominaram as plantas. O solo fértil da Ásia Meridional ficou coberto de algodoais. No Azerbadjão florescem laranjeiras. E pela primeira vez, as plantações de tomates de Arkangelsk deram frutos. As luzes surgiram nas Ilhas do Norte, nas montanhas do Cáucaso e nas casinhas alvas da Ucrânia. As fábricas produziram máquinas e telescópios, automóveis e cronômetros. No país soviético há de tudo: ursos polares e tigres, magnólias e cerejeiras, montanhas caucasianas e estepes infinitas, solos férteis e plantas de todas as espécies, videiras na Crimeia e taigas em Yakutia, milhares de cidades e florestas imensas.
A antiga Rússia foi transformada numa parte do mundo, num continente. Nos antigos territórios se ergueu a União Soviética. Nela viviam, brincavam e sorriam as crianças de muitos povos. Como uma grande potência, nunca se deixou intimidar. Foi a primeira no mundo que proclamou o amor e a fraternidade.
Agora está sendo travada a batalha pela União Soviética. Pela grande potência edificada com o trabalho de gerações e purificada com o sangue de gerações. A batalha está sendo travada pelos mais belos frutos da cultura soviética. Por nossos livros. Por nossos museus. Por nossas escolas. Por nossas crianças. Por nossa vida.
O grande povo abriu há um quarto de século, uma nova vida para a humanidade. Herdamos uma terra admirável. Nossa pátria é mil vezes amada! Nela ousaram penetrar os cães de fila de Hitler. Eles saqueiam tudo. Eles querem assassinar a União Soviética. Vemos claro o perigo. Sabemos quanto é grande a nossa responsabilidade.
Mas a União Soviética jamais será dominada por quem quer que seja. Os infames hitleristas pisaram nosso jardim. Eles serão justiçados! Depois de Kiev, Odessa, Smolensk e Novgorod os alemães ensanguentaram a cidade de Donbass e as estações pacíficas de nossos cossacos. O inimigo ameaça Stalingrado. O inimigo avança sobre Kuban. Os dias graves exigem de todos nós dupla energia, valor duplo.
As lutas no Don nos lembram que o inimigo só pôde passar sobre os cadáveres dos seus soldados. O inimigo ainda avança? Então a sua marcha não deve ser para o interior da nossa pátria. A marcha dos monstros de Hitler, deve se transformar na marcha para a morte. Devemos paralisar o inimigo. Devemos aniquilar o inimigo.
Se num setor acontece um intervalo na luta, entre o troar dos canhões poder-se-á ouvir o bater rápido do coração soviético. Duzentos milhões de corações pulsam como um só coração: impregnado de ódio impulsiona os nossos lutadores contra os bandidos invasores. Nossos corações pulsam forte. Sabemos amar, mas também sabemos odiar. Amamos os homens, odiamos os monstros. Salvaremos a humanidade, aniquilaremos os fascistas.
O monstro pardo ameaça nossa pátria. A chama da vida se acha em nossas mãos. Em nossas mãos está o futuro da União Soviética e dos povos. Lutadores valorosos: fazei brilhar com maior esplendor o futuro da pátria e a chama da vida!
Silêncio, Ilya! Silêncio, Katzantzev! Silêncio, cidadãos do mundo… O coração soviético está pulsando mais forte. Duzentos milhões sob uma só bandeira. A aurora brilhou aqui há um quarto de século. A aurora brilhará outra vez sobre o solo da sexta parte do mundo.
TERCEIRA PARTE
O começo da vingança
“Tudo demonstra que o Exército Soviético se encontra cada vez mais forte. O quadro de comandantes, como o aço, temperou-se no fogo das batalhas e os soldados se tornaram experientes e eficazes em combate. O espírito de tolerância para com o inimigo que reinava entre nosso exército, nos primeiros meses de guerra, já desapareceu. A ferocidade dos assaltantes fascistas, praticada contra a população civil e contra os prisioneiros de guerra, deu novas inspirações aos nossos soldados.
“Eles se tornaram mais enérgicos e mais severos. Eles começaram a odiar verdadeiramente os assaltantes fascistas e compreenderam que não se pode lutar contra o inimigo sem aprender a odiá-lo de todo o coração.
“E que dizem os nossos heroicos soldados? Eles dizem que nós devemos combater os assaltantes fascistas alemães até o seu completo extermínio.
“Nossa causa é justa! A vitória será nossa!”
(STALIN)
Os judeus também sabem lutar
Hitler se vangloria dos triunfos sobre os judeus. Cem mil “SS” assassinaram, “vitoriosamente”, judeus sexagenários na Avenida dos Inválidos. Assassinaram muitos. Assassinaram em massa. Não é isso uma vitória para as armas nazistas? Os nazistas organizaram um “pogrom” universal. Torturaram de Amsterdam a Salônica, de Livônia a Varsóvia. Assaltaram as humildes casas judias. Rasgam as barrigas de judeus. Decapitam, com baionetas, crianças judias. Espezinhando, Hitler gritava triunfante: “Os judeus são covardes!” E o sangue judeu subia até à cintura de Hitler.
Os nazistas invadiram a União Soviética. Embriagados pelos primeiros triunfos, incendiavam, ultrajavam, mutilavam, enforcavam. Com um sadismo particular, torturavam os velhos judeus e despedaçavam as crianças.
Kiev, Berditchev, Vinitza, Borisov, Kerch, Feodosia, Smolensk: o povo judeu recordará sempre o nome de cada uma destas cidades soviéticas.
A terra ficou coberta de cinzas. Foi um novo Átila que passou. E o pequeno tirano, com o coração de rato, continuava a repetir: “Está claro que os judeus são covardes!”
Na aldeia de Orkova, próximo de Rzhev, vim a saber de uma nova “vitória” hitlerista. Nesta aldeia vivia um professor russo, de nacionalidade judaica, com o nome de Osip Israilev. Tinha 56 anos e era muito querido entre a população. Há um ano atrás, os nazistas ocupavam Orkova. O professor Osip ao despedir-se dos amigos disse: “Que pena não ter um fuzil!” E enforcou-se no bosque próximo à aldeia. À noite os kolkhozianos o enterraram. Visitei sua sepultura. Está coberta com as folhas do outono. Os soldados soviéticos passavam perto. É a nossa ofensiva. Mas Hitler ainda pode gritar: “Então não é o professor Osip Israilev um covarde como os outros judeus?” Os nossos lutadores estão marchando agora para o Ocidente.
Em Rzhev, o soldado soviético Osip Rabinovitch, ex-estudante e agora franco-atirador, aniquilou a fuzil 43 nazistas. Continuarão esses 48 canalhas a dizer que os judeus são covardes? Agora eles já não pensam. Apodrecem sob a terra.
Hitler julgou transformar os judeus em alvo. Agora ele percebe que o alvo está atuando. Os judeus não foram nem serão alvo para Hitler. Eram cientistas e trabalhadores. Eram filósofos e músicos. Os judeus amavam a sabedoria e a palavra “paz” para a humanidade. Mas os judeus não são covardes. Seus filhos aceitaram o desafio. Hitler queria banhar-se em sangue judeu. Os judeus estão afogando Hitler em sangue ariano. Os judeus não abdicam seu direito de vingança. Junto aos russos, ucranianos, bielo-russos, lutam os judeus.
Os nazistas escreveram: “Os judeus são covardes!” Mas onde o sangue está sendo derramado, a tinta injuriosa é impotente. Os judeus da União Soviética não falam sobre a guerra: fazem a guerra.
Talvez que os nazistas só conhecessem os judeus de laboratórios. Aqueles de óculos montado no nariz e o nariz enfiado nos tubos de ensaio. Isto é bem certo. Os judeus sabem ler e amam os livros. Mas há ainda outra verdade. Os judeus também sabem matar. Os nazistas já conheceram os judeus sobre “esquis”. Leizar Papernik, antes da guerra, era um operário. Quando os alemães atacaram a União Soviética, Papernik se ofereceu para a luta. Como voluntário partiu para o “front”. Num dia frio, 25 esquiadores expulsaram os alemães da aldeia de Gludsevo. Quatrocentos alemães, com tanques, canhões e outras armas, defendiam-se obstinadamente. O esquiador Papernik aniquilava os alemães um após outro. Ao penetrar na aldeia, Papernik começou a exterminar os alemães com o fuzil-metralhadora. Uma bala feriu o chefe do grupo soviético. Papernik ocupou seu posto. Os alemães se aproximavam dos lutadores: “entreguem-se!” Não! Não! Os lutadores soviéticos não se entregam. Morrem, mas não se rendem. Somente Papernik ficou vivo. Gravemente ferido, caiu sobre a neve. Os alemães se aproximavam dos mortos. Então Papernik se levantou com grande esforço e jogou uma granada. Quase morto e sozinho batia os alemães. Restava-lhe a última granada. Com ela, Leizer Papernik, o herói da União Soviética, deu cabo da vida. Os judeus também sabem lutar. Assim lutam os judeus.
O chefe L. V. Schneider defendeu Leningrado nos graves dias de outono: incendiou um tanque alemão, destruiu uma dezena de metralhadoras, aniquilou à baioneta três Fritzs. Seus companheiros de armas escreveram uma carta: “Queridos pais de Lev Schneider: recebemos a vossa carta, que se acha impregnada de ódio aos nazistas detestáveis, que roubaram a vida do vosso único filho, Lev. Ele foi um herói de nossa frentec. Sabia que à retaguarda estava o orgulho do povo soviético — Leningrado. Lembraremos aos nazistas a morte de nossos amigos, o sofrimento de nosso país. Lembraremos Lev, nosso irmão e chefe. E nos vingaremos por ele. No “meeting” da divisão, o chefe disse brevemente: “Sede valorosos como Lev Schneider!” Lev Schneider alcançou a maior felicidade: com seu braço judeu vingador rasgou a garganta de três Fritzs sanguinários. Assim lutam os judeus. Os judeus também sabem lutar.
Volkovitch, um cidadão próximo dos 50. Era um filósofo. Passou a vida junto aos livros. Os nazistas pensavam então: “Os judeus são vítimas fáceis!” Mas não era assim! Volkovitch partiu para a frente como voluntário. Participava da guerra patriótica. Com amor e com ódio. Certa vez ficou cercado. Viu-se separado do batalhão. Foi então aprisionado. À noite fugiu. Logo conseguiu reunir 18 lutadores. E na mesma noite se empenhou em luta com uma companhia alemã. Volkovitch ordenava: “Para a luta!” Os 18 lutadores valorosos aprisionaram 30 Fritzs. O filósofo Volkovitch aniquilou oito nazistas com seu braço de judeu. Seria interessante saber o que pensam os oito carrascos sobre o valor do filósofo judeu. Volkovitch é velho e estudioso. Mas Volkovitch é também um bravo lutador. Os judeus, também, sabem lutar. Como todos os povos, os judeus se levantam. Lutam por si e por todos. Pela cultura. Pela arte. Pelo futuro. Pelo progresso humano. Pela paz. Assim lutam os judeus.
Como os alemães foram derrotados nas margens do Volga
Estou escrevendo agora num pedaço de terra libertado dos alemães há alguns instantes. Do lado direito, como do lado esquerdo, jazem ainda cadáveres alemães.
O ataque devia começar às 13 horas: mas às 12 e 30 os nossos lutadores já haviam quebrado as defesas do inimigo. O tenente Rezevsky, chefe da companhia, lançou seus soldados antes da hora marcada. Ainda não se tinha terminado a preparação da artilharia e já os alemães estavam às voltas com as “panzer” soviéticas. Os alemães estavam certos de que da última granada até o “hurrah!” dos soldados soviéticos transcorreriam pelo menos uns cinco minutos até alcançarem suas metralhadoras. Mas o tenente Rezevsky provou ter mais iniciativa do que os inimigos pensavam. E pela surpresa e ímpeto, apavorou e aniquilou os nazistas.
Foi assim que começou a derrota da 87ª divisão alemã. Este foi o início da limpeza da margem norte do Volga. Desta vez é para não ficar um só monstro de Hitler.
Espero que nossos amigos distantes reflitam bem sobre o exemplo do tenente Rezevsky. E depois perguntem a si mesmos o que é melhor: atacar o quanto antes ou esperar mais um ano? A meu ver a melhor resposta se patenteia aqui: num curto espaço de 16 horas ficou totalmente limpa de alemães toda a margem norte do Volga, foram libertadas 25 localidades e apreendidos importantes troféus do inimigo.
Em certo dia de agosto, o general Stunitz passou o comando da 87ª divisão ao general Richtik. Na ordem do dia, dizia em sinal de despedida: “Nossa gloriosa divisão chegou até Paris e o Loire, através da Bélgica, e depois, por Viazma e Gatsk, até Rzhev. Estou certo de que o mesmo espírito militarista continuará dominando a nossa divisão”.
Mas a “gloriosa” divisão já não existe. Agora os carangueijos roerão os Fritzs tombados e os vermes se encarregarão de enterrá-los.
A companhia que libertou a margem norte do Volga é nova e há pouco tempo recebeu seu batismo de fogo. Em suas fileiras há muitos uzbeks, kazaks e tártaros. Contra estes soldados soviéticos lutaram os velhos e treinados soldados de Hitler. Mas venceram os jovens soldados soviéticos. Venceram pela coragem, pela iniciativa, pela agilidade. Por outro lado, muito diverso é o destino destes homens. Vejamos, por exemplo, o uzbek Abdisamet Iultsiev. Muito longe, em seus campos iluminados pelos raios solares, ficou sua namorada Zveda. “Na luta Iultsiev ¡bradava: para frente! Pela Pátria! Por Zveda!”… Aqui está outro: o tártaro Bibaiev. Em Kazan estão os seus quatro filhos. Comandando um grupo que estava cercando os metralhadores alemães, gritava sempre: “Vamos fazer deles mingau!” O cossaco Muchamedor Osenresov, que comandava o grupo de artilheiros, aniquilou cinquenta Fritzs. Ele diz agora rindo: “Eu pessoalmente matei dois”. O tenente Doroviskov, mesmo ferido quatro vezes, continuou nas fileiras dos combatentes, dizendo: “Vocês me retirarão depois… avançai primeiro até o Volga”.
O tenente Rezevsky, também ferido, prosseguiu no comando de sua companhia. Com sua arma Rezevsky matou pessoalmente trinta alemães. Lutaram todos como os bravos dos bravos. Um ano de lutas acesas não decorreu em vão. Realmente é formidável a luta fraternal dos povos da URSS.
Hitler lançou na luta escravos e mercenários alugados. Os uzbeks, porém, avançam para Rzhev como que se encontrassem em frente de um jardim florido.
Um prisioneiro alemão me disse: “As batalhas estão sendo travadas não pelas ruínas de Rzhev, mas pelo inverno”. O Fritz compreendeu alguma coisa. Ele pronunciou a palavra “inverno” com um assombro fanático. Naturalmente os alemães temem o inverno russo. Muito mais que o inverno, porém, eles temem as operações durante o inverno. O mesmo Fritz me declarou: “Todos sabem que no inverno os russos atacam”.
Rzhev será uma página gloriosa na história das lutas soviéticas. Ela ficou também temperada no fogo. A nossa querida cidade é somente ruínas. Mas a defesa de Stalingrado vive também em Rzhev.
Um sonho que passou
Encontro-me na frente de Rzhev. Atravessando a terra onde dominou o “pogrom”, não se encontram as aldeias indicadas no mapa. Nem um sinal de casas. De longe Toriok ou Staritza pareciam cidades. Na realidade já não são cidades. No lugar das cidades só há ruínas.
De acordo com o mapa, no lugar onde estou, havia uma aldeia. Mas é difícil acreditar. Agora só encontramos aqui trincheiras alemãs. Sobre nossas cabeças as balas sibilam. E como numa ilha deserta, vagueia no meio desta paisagem kolkhoziana uma jovem com tranças leves e cabelos louros. Ela procura ainda na terra algumas batatas para encher um saco. Será que a jovem ainda encontra aqui tantas batatas?
De uma elevação se enxerga o forte do exército. São duas grandes construções. Os bombardeiros alemães estão baixando sobre a parte oeste. A artilharia está aumentando.
Próximo de Rzhev existe um pequeno bosque. Hoje os alemães estão contra-atacando ali com tanques e infantaria. O inimigo tentou dividir nossas formações que ocupam a margem da cidade. Lançaram na luta duas novas divisões: a 110ª de infantaria e a 5ª de tanques. No fim do pequeno bosque estão à vista os cadáveres dos soldados alemães e as carcaças de 21 tanques destruídos. É esta a conta de um dia de luta.
Aqui, tudo é uma imensa fogueira. Toda Rzhev está ardendo. Ou melhor, o que ainda resta de Rzhev. Muitos bairros da cidade não são agora mais que pontos convencionais. Nos lugares onde ontem existiam casas, hoje existem apenas trincheiras e fortificações. Os alemães se agarram a Rzhev como a uma cabeceira de ponte. Parece que eles ainda não renunciaram completamente a novos planos de ofensiva.
Os alemães ligam Rzhev ao seu sonho que passou: nossa querida Moscou. Também Rzhev é a barreira atrás da qual se encontram Viazma, Smolensk e muitas outras cidades ocupadas. E por isso os alemães não querem ceder terreno. Mas nossos soldados não pensam de outro modo. Eles apontam para a imensa fogueira e dizem: “Vamos para lá!” O major general Tschantschibadjo, ardoroso como o verão em Gruzia, ordena: “Enterrar os mortos, evacuar os feridos e o restante para frente”.
Numa escura trincheira estão sendo distribuídas medalhas entre os soldados. Todos têm as faces cansadas. Mas todos estão firmes como granito.
Que fizeram os alemães do nosso povo? Tínhamos jovens sonhadores que repartiam com os prisioneiros os últimos restos de seu fumo. Eram humanos e amadores de sanfonas. Elogiavam pateticamente a camaradagem em todas as línguas da URSS. O nosso povo agora já se acha diferente. As faces enrijeceram e os olhos ardem como labaredas. Os soldados ainda não terminaram de colocar as medalhas no peito e já estão marchando para o sul. E nesta marcha, “Lenin” e a “Estrela” os acompanham sobre o peito.
Nas proximidades de Rzhev entrei à noite numa casinha para esquentar-me um pouco. No meu automóvel ia um jornalista americano. Uma velha kolkhoziana, ouvindo língua estrangeira, ficou um tanto preocupada. E falou assim para mim: “Paizinho, acaso não será este um Fritz?”. Esclareci à velha kolkhoziana que era um americano. Ela então me contou seus sofrimentos: “Mataram meu filho perto de Voronezh. E minha filha os alemães também mataram. Resta apenas para mim um neto”. No berço uma criancinha tímida pedia que a acalentassem. Dirigindo-se ao americano, disse-lhe a kolkhoziana: “Não importa que eu esteja velha. Mesmo só poderei enfrentar os Fritzs. Temo, mas irei”. O jornalista americano, que esteve nas frentes da Espanha, China, Noruega e Grécia, afastou-se porque não pôde suportar o olhar cortante da mulher soviética.
Outro fato: Kusnietzof, um operário da cidade de Ufa, puxava um cabo de comunicação sobre o Volga. “A corrente era forte — contou ele — e agarrei-me a uma pedra para não ser arrastado. Então a água pulava… e os Fritzs atiravam… Saí da água. Estava com muito frio. Mas ardia por dentro. De repente um Fritz gritou: ‘Alto!’ Com minha metralhadora portátil, não lhe dei tempo de se coçar’’.
O baskirio Gachliopatov estudava agronomia. Há pouco tempo aniquilou ele só, quatro alemães. Ele queria tratar da terra natal e aprendeu a defendê-la. Quando os alemães se lançaram contra o uzbek Kasbekov, imediatamente êle abateu um. O soldado Estanov liquidou quatro Fritzs: três com a arma e o quarto com uma pancada na cabeça.
O soldado Pritkov era metalúrgico em Tschkalov. Ele odeia e despreza os alemães. Agora está inválido e ouve muito mal. Que fez Pritkov? Sua epopéia pode ser dividida em alguns episódios:
Quatro alemães lançaram-se sobre Pritkov. Ele tomou a baioneta do oficial e aniquilou-os todos. Arrastando-se com suas granadas, fez silenciar quatro metralhadoras. Avançou e expulsou os alemães de uma casa na região militar. Trezentos passos adiante, estava um paiol de munições do inimigo, guardado por metralhadoras. Pritkov não se conteve e conquistou o paiol. E Pritkov fez tudo isto por iniciativa própria.
Este filho dos cossacos dos Urais, antes era um jovem como todos os outros: cresceu, aprendeu um ofício, namorava, frequentava o cinema, vivia como outros milhares de jovens. Hoje, porém, sua face é impressionante, rígida, angustiada. Pritkov pensava que não havia com quem lutar. Mas os nossos foram arrastados à guerra. E estão lutando… Agora mesmo outro quarteirão da cidade ficou limpo de nazistas. Nem as minas nem as balas podem paralisar os combatentes soviéticos. Há muito a quem atacar. Os nazistas ainda existem. Muitos lugares da Rússia estão em poder dò inimigo. E os lutadores soviéticos olham impacientes para a frente. Eles se recordam de Stalingrado.
O que os alemães não dizem
Os alemães não se cansam de dizer: “Não somos contra a Rússia. Nós só lutamos contra o regime soviético”. Mas, entre si são um pouco mais sinceros. O “Frankfurter Zeitung” escreve: “A União Soviética é o mesmo que a Rússia. Lenin herdou as tradições de Pedro, o Grande. Os comissários do exército vermelho nos recordam um Suvorov ou Kutuzov. A Alemanha não pode permitir a existência da Rússia sob qualquer forma”.
Quando o ladrão penetra em nossa casa para roubar uma capa ou um saco de trigo, naturalmente não pode dizer que a cor das paredes não lhe agrada, porém, todos sabem que o ladrão veio atrás do saco de trigo e levou o saco de trigo. Os alemães não discutem conosco questões políticas. Eles nos roubam. Os alemães nos atacaram não só porque não lhes agrada o nosso regime, mas porque lhes agrada o nosso trigo, nossos minérios, nosso petróleo. Mais do que o ódio ao nosso modo de vida, eles cobiçam as riquezas de nossa terra.
Os nazistas esfacelaram toda a Europa. Então não falavam em regimes. Na Iugoslávia, na Holanda, na Bélgica e na Grécia dominavam monarquias. Os alemães ocuparam os países monárquicos. Na Tchecoslováquia e na França dominavam regimes republicanos democráticos. Os alemães ocuparam os postos dos presidentes.
Os alemães levam a guerra não só contra o nosso regime, mas acima de tudo contra a nossa pátria. Eles propalam aos quatro ventos que estão lutando contra os comunistas. No entanto, em casa, eles escrevem: “Todos os russos são bolchevistas”. Os alemães querem aniquilar todos aqueles que não dançam de acordo com a sua música. Eles assassinam diariamente centenas de tchecos. Por acaso, fuzilam somente comunistas? Não. Os alemães fuzilam homens de todos os partidos, professores e camponeses, escritores e operários, cientistas e artesãos.
Os alemães bestiais vieram à Rússia para aniquilar. Eles não pensam em convencer. Eles assassinam. Os alemães não pensam também em abandonar Kiev, Karkov, Minsk, Orel, nossa terra. Então, será preciso expulsá-los.
Os alemães querem conquistar a União Soviética para dominá-la, escravizá-la, torturá-la, viver às suas custas. Eles avançaram porque Hitler garantiu que poderiam viver às custas dos russos. Que é que pode paralisar, aniquilar e expulsar os alemães? Audácia. Nossa audácia paralisou os alemães nas frentes de Moscou e Leningrado em 1941. Agora nossa audácia tritura as forças de Hitler nas estepes do Don. O perigo sobre a pátria deu mais forças ao exército soviético. Também aqui a ordem de comando, não é somente a ordem de comando. Ela encarna ao mesmo tempo a ordem da pátria, a ordem da União Soviética. E esta é simples e clara: resistí e triunfai!
A palavra sagrada
O suboficial do 670º regimento de infantaria, Wilhelm Schusler, escreveu a seus pais: “Stalingrado é uma grande cidade, mas foi transformada num montão de ruínas. Não estou exagerando quando afirmo que nela não ficou nem uma só parede edificada. Entre as ruínas vivem mulheres e crianças. Abrigam-se nos porões, procurando defender-se da artilharia e dos bombardeiros. Com os russos é inteiramente impossível falar em outra linguagem. Desta forma, aqui a luta se aproxima de um fim vitorioso. Breve um comunicado especial vos dará a notícia da capitulação desta fortaleza”.
O oficial Henes comunicou a seus pais: “De amanhã cedo em diante atacaremos Stalingrado. O ‘Fuherer’ disse que Stalingrado deve cair… E nós dissemos: ‘Stalingrado cairá!'”.
Veio o comunicado extraordinário. Não do comando hitlerista: do “Bureau de Informações Soviético”. Stalingrado não caiu. Stalingrado ataca. Os lutadores soviéticos estão atacando pelo norte, pelo sul e pelo centro.
A emissora de Berlim transmite: “Sobre a situação militar em Stalingrado podemos informar apenas que chegou o inverno”. Em Stalingrado a temperatura baixou. Está chovendo. Há muita lama. Mas o inverno ainda não chegou. Os alemães dizem “inverno” para não dizer desgraça.
Sobre a situação militar em Stalingrado podemos dizer somente que para os alemães chegou o dia do ajuste de contas. Na Alemanha reina confusão. Começou com a fuga de Rommel. Depois os americanos vieram para a África. Em seguida, em lugar do comunicado sobre a queda de Stalingrado, os alemães liam notícias sobre “as lutas encarniçadas da ofensiva na curva do Don”. Mais tarde os franceses começaram a se sublevar. Em lugar da frota francesa, os alemães encontraram em Toulon um coro de explosões. Bombas e ódio. Explosão nos navios. Explosão dos corações soviéticos.
Os alemães começaram a abrir os jornais com o coração a pulsar descompassado. Uma nova surpresa? A “surpresa” não se fez esperar muito tempo: chamava-se Veliki-Luki. Que mais poderia dizer Goebbels, o capenga da propaganda? Falar sobre as bombas de quatro toneladas que estão destruindo as cidades dos “aliados” italianos?
Nós sabemos que isto não é mais que o começo. Ainda não é o tribunal. Estamos somente anunciando o processo: nas zonas de Rzhev jazem cadáveres alemães. Estou pisando sobre cadáveres. Estes são cabos e têm os bolsos cheios de cartas. Aqui temos Arthur Wolphen. Nas vésperas de sua morte, recebeu uma longa carta de Leipzig. Foi enviada pela “Sociedade Anônima Alemã para Construções Civis”. Que foi proposto ao cabo Arthur Wolphen? A construção de alguma casa de cimento em Leipzig? Não! A carta explica: “Na Crimeia ou nas ricas terras da região de Kursk”.
Ao cabo Heinrich Hendel escreveu sua “gretchen” de Klev: “Vivo como uma baronesa”. Muito bem, “senhora baronesa”… Agora estamos fazendo a limpeza dos arredores de Rzhev. Depois, faremos a limpeza dos arredores de Kiev.
O coração do mundo está sobrecarregado de ódio. Uma praga caiu sobre a terra: os bandidos pardos. Espezinharam metade da Europa. Mil dias arrancaram impunes o pão de bocas estranhas. Mil dias e mil noites metralharam, enforcaram e torturaram. Agora estão olhando espantados em redor de si. As sombras dos mortos os atemorizam. As horas os assombram. Os nazistas estão tremendo. Pelo inverno russo? Não! E por que tremem assim? Pela punição que se aproxima.
Os tchecos recordarão Lidice: “Façamo-los desaparecer da face da terra”. Toulon dirá: “Da superfície do mar”. Da Ucrânia, um coro se fará ouvir: “Kiev”. Os lutadores soviéticos olham para a frente, impacientes, rangem os dentes e lançam-se sobre os ultrajadores, sobre os infames nazistas. Eles pagarão por tudo! Pelas cidades perdidas. Pelos anos perdidos. Pelo sangue derramado. Pelas amarguras. Cada suspiro. Cada lágrima.
Quando havia paz, ouvíamos muitas palavras amáveis e elevadas. Muito mais teremos depois da vitória: tão grande será a nova vida. Agora, porém, estamos no fogo crepitante da luta. Estamos avançando. Temos poucas palavras. Só uma nos resta. A mais sagrada. A mais amável. A mais querida. Uma palavra breve: Avante!
Diário de um sadista pardo
Foi liquidado o nazista Fredrich Schmidt, secretário do 626º grupo da polícia secreta da Frente Oriental, adido ao 1º exército de tanques das forças alemãs. Este agente policial possuía um diário. Encheu esse diário em Budionevka, próximo a Mariupol. Temos aqui o texto do diário do polícia Fredrich Schmidt:
– “25 de fevereiro: A comunista Iekatarina Skoroiedova falava mal dos russos que trabalhavam para nós. Foi fuzilada às 12 horas… Liquidamos também o filho da mulher de Govilin. Pelas 16 horas conduziram à minha presença quatro moças de 16 anos de idade, que procuravam atravessar o gêlo de Ieisk… O chicote as fez mais obedientes. Eram quatro estudantes e bonitas.. . Além destas, trouxeram mais seis outras jovens. As chicotadas mais violentas nada arrancaram. As moças não derramaram nem uma lágrima. Três quilômetros ao norte de Budionovka, a nossa polícia prendeu cinco jovens de 17 anos de idade. Foram conduzidos à minha presença. Começaram a funcionar os chicotes. Despedacei o cabo de meu chicote. Eu e meu auxiliar chicoteamos juntos até cansar. Fiquei com o braço direito doendo”.
– “1 de março: Às 16 horas fui inesperadamente convidado para tomar café na residência do general von Ferschter… À tarde, trouxeram novamente à minha presença mais cinco jovens de Ieisk. Como é natural, ainda são crianças. Também, como é de costume, fiz funcionar o chicote. O tempo está melhorando”.
– “7 de março: Continuamos a viver bem. Receber carne, ovos, galinhas e leite. Comemos diariamente diversos pratos”.
– “8 de março: O suboficial Schpringwald e a senhora Reidman voltaram de Mariupol. Trouxeram o correio e uma ordem escrita sobre os fuzilamentos. Hoje já fuzilei seis”.
– “1° de maio: Devo matar ainda trinta jovens que foram detidos. Às dez da manhã trouxeram dois jovens e seis moças… Tive forçosamente que espancá-los terrivelmente. Depois começaram os fuzilamentos em massa. Ontem seis e hoje trinta e três. Não posso comer. Ai de mim se me apanharem! Não posso me sentir tranquilo em Budionevka. A vala já está cheia de cadáveres. E como morre heroicamente a juventude bolchevista! Alguns, particularmente as moças, não derramam nem mesmo uma lágrima. Antes de fuzilá-los, mandamos que se dispam áté ficarem nus em pelo (pois precisamos vender as roupas)”.
– “13 de maio: Devido ao excesso de trabalho, já faz tempo que não escrevo para casa. A verdade é que não tenho coragem alguma de escrever para minha família. Hoje ordenei o fuzilamento de Ludmila Tischucanova. Realmente tenho assassinado grande quantidade de crianças. E parece que é por isso que estou nervoso”.
– “17 de maio: O primeiro trabalho de hoje pela manhã se resumiu em mandar trazer numa carroça do Hospital o quinto paraquedista soviético e ordenar seu fuzilamento. Depois do almoço fiz um passeio”.
– “19 de maio: Temos um bom porco. Decidimos fazer salsichas”.
– “21 de março: Em Budionevka nunca tivemos um dia tão terrível. À tarde apareceu um bombardeiro e lançou 12 bombas. É difícil imaginar o susto que passei”.
– “28 de maio: Interroguei hoje dois jovens que tentaram atravessar o gelo para alcançar Rostov. Nós os fuzilamos”.
– “10 de abril: Espanquei novamente alguns jovens e moças por não se registrarem. Entre estes estava a filha do burgo-mestre. Quando começa a escurecer sinto um mal estar enorme e penso nos bombardeios”.
– “12 de abril: Todas as manhãs bebo leite momo e como bolo. Houve pouco trabalho. Nosso trabalho consiste em espancar e fuzilar”.
– “16 de abril: Reina ordem. Houve somente uma discussão entre o burgo-mestre e o chefe da milícia. Depois quebrei os ossos de três homens e uma mulher. Em seguida espanquei outra mulher que confessou ter sido uma enfermeira. Grosehek ordenou por fim que eu fosse condecorado com a cruz de segunda ordem por méritos nos serviços de guerra. Recebi a condecoração”.
– “17 de abril: Está chovendo. Mandei trazer algumas moças. Falam contra a polícia secreta militar. Todas foram espancadas”.
Com grande esforço estou copiando este diário de um polícia nazista que não mais existe. Parece que em toda a litreatura mundial não há história de um criminoso tão miserável. Fuzila crianças e teme os aviões. Não consegue dormir à noite, porque pensa nos bombardeios. Não é por acaso que foi condecorado por “méritos” em serviços de guerra. Assassinou “heroicamente” até uma criança de quatro anos de idade. Não possuía o mínimo sentimento humano. Não amava sua família. Nem escreveu uma só palavra de carinho por sua Alemanha desgraçada.
Peço aos chefes e soldados do exército soviético que leiam esse diário do policial Fredrich Schmidt. Lembrai-vos que em vossa frente se encontram ainda muitos Fredrich Schmidt. Nem uma palavra mais: com vossas armas lutai por vossa própria vida. Lutai até o aniquilamento do último nazista.
Eles têm a idade da revolução
Um quarto de século desde o dia da revolução. Para a vida humana é uma grande jornada. Os operários de Petrogrado que abriram uma nova página na história já tiveram tempo de encanecer. No “front” combatem aqueles que têm a mesma idade que o feito heróico. Mas para a história, um quarto de século não é mais que um instante. Uma civilização se sedimenta lentamente. Séculos separam Praxíteles dos blocos de pedra. Séculos separam as imagens e os afrescos de Rafael das inscrições desajeitadas que se acham nas catacumbas romanas. O tempo ruge hoje como uma torrente. E dia virá em que ele refletirá as imagens clássicas sobre a sua face polida. Nós não as veremos mais. Mas podemos, desde agora, considerar certos traços da revolução de outubro com os olhos da posteridade. Podemos, desde agora, declarar o que a história vai sublinhar no futuro: a revolução salvou a Rússia do perigo.
Em 1917 a Rússia sangrava. A ignorância e a desonestidade dos dirigentes tinham levado o povo ao desespero. Começava a desintegração do grande organismo. A circulação do sangue estava entravada. A revolução insuflou fé à Rússia. O sangue refluiu ao coração. A vida se fez deslumbrante. O povo chegou a repelir as tentativas do inimigo que procurava desmembrar nossa grande pátria. Esfomeados, nus, os soldados da república arrebatavam vitórias. E isto salta aos olhos do mundo. Se há um quarto de século a revolução não tivesse alcançado uma saída vitoriosa, uma grande Rússia independente não existiria — ela teria sido despedaçada.
Foi no fogo das provas que se verificou a força do homem e do Estado. Os georgianos, os armênios, combatem hoje por Leningrado, enquanto na montanhosa Ossetia os ucranianos defendem o Cáucaso. Lembremo-nos de que sob os golpes de Broussiev, o império dos Habsburgos se desmoronou. No verão passado, Hitler esperava que a Rússia se desmoronasse sob o peso das divisões motorizadas alemãs. Mas a união, a amizade dos povos da União Soviética estreita-se cada vez mais na luta patriótica.
Outubro de 1917 fez suas provas em Outubro de 1942. A única palavra “Stalingrado” é hoje repetida pelos povos das cinco partes do mundo. Em Paris e em Chicago. A bravura inaudita dos defensores de Stalingrado excede a tudo que a história militar conhece. Ela recorda ao mundo o acontecimento da revolução. Não é o material de guerra, nem a estratégia, que defendem Stalingrado. São os homens que cresceram numa sociedade nova: na sociedade soviética.
E, assim, a revolução de outubro, salvou a Rússia pela segunda vez. Se não tivesse havido Outubro, não teria havido defensores de Stalingrado; não teria havido operários capazes de, em uma semana, instalar uma usina em terreno baldio; não teria havido uzbeks que combatem com intrepidez em Ukjev; não teria havido o exército soviético que provoca a admiração do mundo inteiro.
As felicitações nos chegam de países amigos com alta consideração do Exército e do Estado que, sozinhos, há 16 meses, repelem o ataque da Alemanha nazista e de seus vassalos. Para o 25.° aniversário da revolução soviética, recebemos um editorial do jornal hitlerista “Das Schwartze Korps“, de 29 de Outubro. O artigo está cheio de “juramos”. Seu nível é o nível da Alemanha atual. O autor nazista tratava naturalmente os cidadãos soviéticos de “sub-homens” e de ‘’criaturas vis”. Não obstante, é preciso explicar aos seus leitores alemães o “milagre” de Stalingrado. E assim declara: “Ninguém poderia supor que tais criaturas sejam capazes de semelhantes façanhas”. Compreende-se bem o furor dos nazistas. Como, porém, não sublinhar que mesmo a opinião da Alemanha atual não fique estupefata ante a força de ânimo do exército soviético?
Certamente, o soldado russo foi sempre um soldado valente. Mas a coragem não é uma qualidade pessoal, individual. A coragem está ligada à educação, ao mundo íntimo da ideologia. Em um quarto de século, nós temos criado uma sociedade, onde cada cidadão está pronto para defendê-la até a última gota de sangue. Temos educado homens prontos para sacrificar a vida, não só do alto das tribunas, como também no campo de batalha.
A revolução de outubro proclamou a paz e a fraternidade dos povos. Mas o amor à paz não significa debilidade. Quando na Europa apareceu este mal que se chama fascismo, quando este mal se aliou às tradições de banditismo e pôs ao seu serviço a técnica moderna alemã, a União Soviética, fiel à sua missão histórica, manifestou-se claramente contra este mal. Pensavam os numerosos democratas do ocidente que fosse por intransigência ideológica. Era apenas o desejo de defender a nossa independência e a paz da Europa. E assim, quando outros esperavam ainda livrar -se do fascismo, por concessões, a União Soviética estendia a mão fraternal ao longínquo povo espanhol. Todos sabem que Azaña estava, ideologicamente, mais próximo dos radicais franceses que dos comunistas russos. Não defendíamos a posição da República Espanhola, mas sim o direito dos espanhóis à vida independente, arrancado pela dominação da Alemanha hitlerista e pelos fascistas italianos.
A nossa festa se enlutou. Os nazistas estão dentro de nossa casa. Os canhões alemães golpeiam as ruínas da heroica Stalingrado. Os alemães tentam avançar no Cáucaso. Nós não mediremos sacrifícios. Defendemos nosso território e nossa independência. Combatendo pela liberdade, aqueles que têm a mesma idade que a revolução de outubro, levam a liberdade à Europa escravizada pelos alemães de Hitler.
As feras caíram na armadilha
“Para os alemães a guerra é uma partida de caça. Primeiro cercamos os russos, depois os fritamos. Querida Elza: não sabe você quanto é divertido isto” — assim escreveu o oficial Konrad Chiller. Hoje o oficial de Hitler jaz morto sobre a neve. Os “caçadores” se transformaram em caça. Os restos das 22 divisões inimigas estão dando os últimos suspiros próximo de Stalingrado. Os alemães se aproximaram do Volga embriagados pelas histórias de um eldorado. Mas em lugar disto viram desfilar a morte. Até fins de novembro o comando alemão pôde guardar segredo para seus soldados sobre a catástrofe.
O general von Goblenz escreveu à sua mulher: “Querida Vita: Como sempre, aprimeira de quem me lembro acima de tudo, é de Você. Estamos atravessando aqui uma crise. Isto se parece com Moscou há um ano atrás”. Este general é muito modesto. Em Moscou, os alemães conheceram uma ofensiva em forma decunhas. Em Stalingrado estão sentindo o sabor de um cerco de ferro.
Mas von Goblenz não externou seu temor aos Fritzs. Os Fritzs não são o mesmo que Vita. Os soldados, porém, descobriram por si mesmos o que se está passando. Quando o Fritz descobriu o engano, perguntou alarmado: “Que é isto?” Os oficiais de Hitler responderam: “Isto é carne de cavalo”… O soldado Chultze retrucou: “Em primeiro lugar, isto não é carne de cavalo, mas carne de cachorro. Carne de cavalo comem os senhores oficiais. Em segundo lugar, tudo isto já está exasperando. Caímos numa armadilha”.
No aeródromo de Morozovsky estavam mais de 200 “Junkers-52”. Transportavam munições e provisões para os sitiados. No aeródromo de Tatchinskaya estavam outros para transportar alimentos. Todos os dias saíam dezenas de “Junkers-52” como uma revoada de pássaros. O grão para pão que eles levavam aos Fritzs começou a diminuir aos poucos. Depois o exército soviético ocupou os aeródromos de Morozovsky e Tatchinskaya. Os generais alemães continuavam a contar suas lendas aos soldados. O “Fuehrer” estava enviando socorro. Mas as divisões não chegavam.
Em princípios de dezembro, von Paulus declarou que sete divisões alemãs avançavam de Kotelnikov sobre Stalingrado. Os Fritzs esperaram. Nada. Os Fritzs caíram em desespero. O comando declarou que o cerco seria rompido exatamente no dia 23 de dezembro: “Vem em socorro um exército de tanques do general Gort”. Mas o general Gort não chegou. Nem chegará mais. O “Fuehrer” enviou o general Gort para outro “front”: o centro do Don. E do Don ele não sai. Nossos lutadores romperam novas defesas alemãs. O dia 23 é véspera de Natal. Na noite de Natal cada Fritz recebia 300 gramas de pão, em lugar das 100 gramas comuns. Agora em lugar de presentes, a cada Fritz o capitão Heinz, chefe do 23º regimento da 66ª divisão de infantaria, baixou uma ordem: Fez ver que se avolumava dia a dia o número de desertores e ameaçou os Fritzs com severas punições. Bom Natal este dos Fritzs: cerco, punições, aniquilamento. Os Fritzs em Stalingrado sonham: 300 gramas de pão. Arregalam os olhos: são as nossas granadas.
Correm os dias. Correm as semanas. Os alemães estão sendo chicoteados na bacia do Don, ao norte do Donetz, de Kotelnikov às estepes de Salsk. Estão cercados em Stalingrado. Embora entre os cercados se encontram poucos romenos, os Fritzs quiseram jogar toda a culpa do fracasso sobre os “aliados”. E trocaram os soldados da cavalaria romena por regimentos de infantaria alemã. Mas nem por isso os negócios de von Paulus melhoraram. O negócio vai de mal a pior. Cada vez mais se aperta o cerco.
No dia 28 de dezembro o piloto de transportes aéreos Oskar Paust bailava ainda nos “cabarets” de Montmartre. Ocupava-se em conduzir oficiais alemães de Berlim a Paris, de Paris a Berlim. De súbito, ordenaram-lhe: “O senhor conduzirá provisões para um corpo de exército cercado”. Não adiantaram as explicações. Oskar não tinha experiência de voos noturnos. Realmente Oskar transportou trigo: mas não para os Fritzs. Transportou para os soviets. Ele foi forçado a aterrissar com seu avião.
Os alemães estão ficando esgotados. Há pouco tempo, a kolkhoziana Ievdoneia Suchkova fugiu do território cercado. Suchkova narrou: “Um alemão devorou meu gato”. Os Fritzs não ligam muito ao ruído dos aviões. Interessam-se muito mais pelo “miau” dos gatos. O prisioneiro Bernard Chultze disse: “O cabo Albrecht era um gigante. Agora não tem força nem para levantar um fuzil”.
E olhos cheios de ódio devoram os Fritzs esfomeados. As forças soviéticas esperaram calmamente este cerco. Agora estão procedendo à caça valiosa: os lobos alemães que ousaram meter o focinho em Stalingrado. “Nós capitularíamos, mas não nos deixam” dizem os soldados alemães. O corpo de exército nazista cercado em Stalingrado é uma miniatura fiel daAlemanha hitlerista. Tem que ser cercada e depois conquistada. Não é possível conquistá-la com promessas. Só é possível com armas e homens. Com luta. Muitos milhares de alemães estão ainda opondo resistência em Stalingrado. Hitler condenou os alemães a isto: uma morte certa. E a morte destes homens é uma lição. Vieram a Stalingrado como conquistadores. Agora estão caçando gatos e sonham com urubus. Não há quem salve o exército cercado. Nem o próprio Hitler. As feras caíram na armadilha. Todas as saídas já foram fechadas. Os caçadores soviéticos estão vigilantes. Somos bons caçadores. O cerco está sendo apertado. Isto é tudo. Ou se renderão incondicionalmente, ou incondicionalmente serão liquidados.
O inverno vem
O correspondente de guerra do “Frankfurt Zeitung” escreve: “Os atiradores da divisão ‘Edelweiss’ lutaram na França e nos Bálcãs. Mas em nenhuma parte enfrentaram tamanhas dificuldades como as que encontraram no Cáucaso. Coroando a sabedoria diabólica dos bolchevistas, vêm ainda agora os males do inverno russo. E o inverno nas montanhas é mais terrível que nos vales”. Já os Fritzs que ficaram tiritando de frio nas margens do Don não pensam assim. Eles têm a impressão de que não há coisa mais terrível que o inverno nas estepes.
Pelas areias da Cirenaica fogem os restos do “exército invencível” de Rommel. Pelos desertos, erram as divisões italianas que Rommel abandonou. Os guerreiros de Mussolini perguntam: “Façam o favor de informar, onde é possível entregar-se prisioneiro?”.
Hitler perdeu as bases da Argélia e Marrocos. Perderá também a Tunísia. O rato velho Darlan reparou que o navio estava afundando e salvou-se a nado. Os alemães tiveram que ocupar a França “não ocupada”. Não confiam mais nos lacaios “à la Pétain”. Os comunicados alemães possuem um caráter cômico. Hitler prefere não falar sobre Stalingrado e declara com todo seu pedantismo que seus “poderosos” Fritzs ocuparam Vichy. Hitler precisa de não poucas divisões para garantir as costas francesas. Mas suas fileiras, seus exércitos, estão ficando desfalcados em Stalin- grado.
Há mais de 500 dias o exército soviético repele e assesta golpes no exército hitlerista. A União Soviética deu oportunidade à Inglaterra e à América de aumentar a indústria de guerra e acumular forças. A África do Norte foi a primeira investida. A segunda frente virá depois. Aproximam-se grandes batalhas. O exército de Hitler não suportará os ataques combinados da coalizão aliada. Hitler sabe disto. Disto sabe também até o Fritz mais estúpido.
O cabo Johan Kraus escreve da Alemanha ao cabo Rudolph Haguert: “O inverno chega. E isto não cheira à vitória”… É verdade. Para a Alemanha hitlerista não há mais cheiro de vitória. A Alemanha de Hitler cheira a defunto.
“Inverno!”… Dizem com horror os Fritzes que viram o primeiro inverno e foram aprisionados por nossos soldados. “Inverno!”… Repetem numa alucinação os Fritzes do outro lado das trincheiras. “Inverno!”… sussurra a retaguarda alemã em desespero.
No outono passado, os alemães sonharam ir para a África. Agora, o sol do deserto não os atrai muito.
Entre Hitler e os nossos aliados se encontram as águas do Canal da Mancha e do Mediterrâneo. Mas na Europa algo mudou. A esperança enche os corações torturados da França, três vezes traída. A França ainda não possui armas, mas tem sentimento e valor. A França combatente se prepara para ingressar nas fileiras dos exércitos aliados. Não como auxiliar, mas como igual. Roma perdeu o controle. Os funcionários fascistas se apressam em comprar dólares na bolsa. Mussolini pensa com pesar em seus “bersaglieri” que foram auxiliar o exército de Hitler. E agora, quem defenderá a Sicília ou a Sardenha? Os Fritzs na União Soviética, de Murmansk a Nalchik, bradam como loucos: “Inverno!”… “Inverno!”…
O pobre “bersaglieri” Bisoni não pôde correr como os nazistas
Na Itália vive o “Duce”. Também na Itália vivia um tal Bisoni. Este tinha uma cabra. O “Duce” gritava: “O Mediterrâneo é o Mare Nostrum!”. Enquanto isto, Bisoni dizia timidamente: “A cabra é minha”.
Mas chegou um gendarme e se foi com a cabra. Bisoni não havia pago os impostos. O “Duce” recebeu então de Hitler a ordem de mandar à Rússia novas divisões. E com estas meteram Bisoni num vagão que o conduziu à frente oriental. O “bersaglieri” Bisoni achou interessante fazer um diário. Vejamos agora alguns fragmentos do diário de Bisoni, que pertencia à 24ª companhia do 3º regimento de “bersaglieri”.
“Fevereiro. Estou muito triste e não tenho com quem partilhar minhas penas. Todos os oficiais nos tratam muito mal. Somos castigados sem a menor contemplação. O moral dos soldados é o pior possível”.
“Abril 18 — Chegamos a Cracóvia. Estamos em território polonês. Que situação miserável! As crianças aparecem nas estradas chorando e pedindo um pedaço de pão. É horrível ver tudo isto!”.
“Abril 19 — Já estamos na Ucrânia. O povo se encontra escravizado. Os alemães tratam a gente pior que a escravos. Os russos morrem de fome e estão esfarrapados. Dá pena vê-los”.
“Abril 22 — Meteram-me numa casa com mais cinco soldados. Ali vivem mulheres e crianças pequenas. Uma das mulheres perdeu o marido e dois filhos. Não faz mais que chorar e nos olha com ódio reconcentrado. Na realidade, tem razão”.
“Maio, 21 — Estamos na frente. Desesperamos e gritamos: “Abaixo o Duce”. Fizemos isto espontânea e insensivelmente. Mas o grito foi ouvido pelo tenente, que informou ao capitão Narvi. Este disse-nos que nos processaria”.
“Julho, 17 — Chegamos a Voroshilovgrado. Um de nossos batalhões ficou fora de combate, com muitos mortos e feridos”.
“Agosto, 1 — A artilharia russa esteve fazendo fogo por espaço de toda uma hora. Olhei para trás e observei que até os alemães corriam. Eu deitei a correr. Mas não pude continuar. Observei que caía sob o fogo da artilharia. Em nossa companhia há muitos mortos e feridos. O capitão Narvi está ferido. O coronel que comanda nosso regimento também. E há ainda outro coronel. Há muitos oficiais mortos e feridos”.
E aqui acabam os apontamentos do diário do “bersaglieri”. Bisoni morreu.
Era um homem rústico e obscuro. Mas, quando foi conduzido à frente, compreendeu muitas coisas. Junto com outros “bersaglieri” tentou desertar e gritou: “Abaixo o Duce!”. Bisoni diz que fez isto insensivelmente. As palavras se lhe escaparam naturalmente, de todo o coração. Hoje também se podem escutar essas palavras na Itália. Os moradores de Gênova e de Nápoles, de Milão e de Turim, depois de experimentarem as bombas de quatro toneladas que foram arrojadas pelos aviões ingleses, começaram “insensivelmente” a gritar: “Abaixo o Duce!”. E a tão higiênico desejo, vai unido o outro: “Fora os alemães!”.
O “bersaglieri” Bisoni compreendia que realizava uma ação de malvado. Viu como os nazistas oprimem os homens. E ele calava, submisso a seus superiores. Sua obediência lhe custou a vida. Queria salvar-se. E antes de sua morte escreveu: “Não consegui fugir”. Que outros “bersaglieri” tirem lições da sorte de Bisoni. Ele não pode tirar mais nenhuma lição. Bisoni foi estúpido. Obedeceu a Mussolini: perdeu a cabra. Obedeceu aos generais: veio à Rússia. Violou o jardim soviético: foi aniquilado.
Noite de Natal na terra de Fritz
“Envia-me alguma coisa para a árvore de Natal” — escreveu uma “gretchen” ao seu Fritz. Mas seu Fritz foi aniquilado. Jaz sob uma árvore. Este é o presente de Natal.
Na Alemanha nazista tudo é sombra e silêncio. Esta é a quarta noite de Natal na guerra. Pelas ruas tristes de Berlim os “SS” vendem bilhetes da loteria de Natal e gritam: “Comprai a sorte!”. Os próprios alemães não acreditam mais na sorte alemã. Dentro da noite, um ruído ensurdecedor os acompanhava: o exército soviético que avança, é a locomotiva da história que marcha.
Então não era uma “sorte” aquilo que o “fuehrer” prometeu à “raça eleita”? Tudo em profusão. Distribuiu muitos presentes. O dinheiro corria nas mãos dos Fritzs. Os Fritzs embriagavam-se de prazer. Eles nada compreendiam. Não descobriram que aquilo não era a sorte. Era “ersatz”. E avançavam embriagados. Países rolaram. Povos foram destruídos. Os judeus foram aniquilados. Mas chegou um instante em que os Fritzs cobiçaram o impossível: o paraíso soviético. Aroda começou a desandar. Só um bilhete saía sorteado: o bilhete da morte. Os Fritzs começaram a compreender o conto do vigário. O distribuidor da “sorte” mudou de tática. Começa a gritar: “A sorte grande em Natal!”. O exército soviético avança. Os Fritzs estão sendo triturados. Hitler não distribui mais a “sorte”. Agora ele distribui a morte.
Há pouco a Alemanha sonhava com a “paz”. Uma “paz nazista”. Com a “grande Alemanha nazista”. Sonhou com sua expansão do Volga ao Saara. Vivendo da desgraça dos outros. Uma vida às expensas de milhões de escravos. Chegou o dia. Os Fritzs meteram o focinho de porco no jardim soviético. Não procuramos saber se os Fritzs sonhavam. Investiam? Fogo! Apareciam nos céus? Fogo! Refugiavam-se nos bosques? Fogo! Os sonhos eram “ersatz”. Mas fosse ou não fosse, teriam o mesmo destino: morte! E os Fritzs com todos os sonhos e todos os “ersatz” são impiedosamente aniquilados pelos nossos lutadores.
Os nazistas apresentam a Alemanha como uma gorda Valkiria. Sua figura se acha espalhada nas praças de todas as cidades. Na realidade, porém, não é assim. Uma mulher de Baden escreveu ao seu marido: “Em nossa cidade existe agora um mal-assombrado medonho. É um francês. Ele fugiu e foi fuzilado. Mas depois, ele estrangulou a mulher de Kresser. Por um milagre, a mulher do barbeiro Haze se salvou. Não dormimos sossegados”.
A revanche está começando. Os nazistas torturaram meio mundo. Há três anos torturam a velha Europa. Há um ano e meio torturam na terra soviética. Torturaram milhões de criaturas. E pareciam tranquilos. Agora já se assombram até com a sombra dos mortos. Até que enfim os nazistas estão compreendendo que após o crime, vem o castigo.
No jornal “Berliner Ilustrite“, publicam agora uma página humorística. Em todos os números repetem esta anedota estulta: Uma mulher está agonizando. Seu marido se aproxima do leito e pergunta: “diz-me teu último desejo”. A mulher responde: “Tenho vontade de comer torta de maçã com creme”. Exasperado, o marido responde: “agora não é tempo de falarem comida. É tempo de morrer!”.
Ouve-se o ruído de passos: é a vingança que se aproxima. O redator do “Berliner Ilustrite” não compreendeu a repercussão de sua anedota. Ainda há alemães que duvidam da colonização da Ucrânia, da anexação da Noruega à “grande Alemanha”, da vitória do “eixo”. Estes ainda têm juízo. Ainda lhes sobrou alguma coisa. Há cartas escritas aos Fritzs que dizem: “Manda-me alguma coisa gostosa”. Mas o Friiz pode dizer à Fritzlandia impaciente: “Agora não é tempo de comer. E’ tempo de morrer”. Em vão a Alemanha espera “alguma coisa” da terra soviética. Fritz não enviará nada. Não é tempo de dançar… É tempo de morrer!
A força que vem do povo
A Rússia antiga era como o ser que se extingue. Tudo se esvaía em sangue. A ignorância e a intolerância dos dirigentes levavam o povo ao desespero. A gloriosa geração de Kirov inspirou fé à Rússia. Salvou a sexta parte do mundo. Com o maior heroísmo, criou as condições para o povo repelir a agressão estrangeira contra a unidade e independência de nossa pátria.
Hoje, lutam contra nossa pátria, os representantes de dez nações. Os senhores da “nova ordem”. Nada os unifica, a não ser o chicote prussiano. Nossa pátria, que abriga tantas nacionalidades, está unificada: é o milagre de uma harmonia autêntica.
O inimigo já sentiu a nossa força. Ela vem de longe. Toda a história da União Soviética formou entre nós uma população de lutadores invencíveis. A geração de Frunze salvou a pátria há um quarto de século. Os herdeiros de Frunze estão salvando a pátria nessa grande luta de libertação. Se não houvessem os cavaleiros de ferro, como Chapaiev, não haveria os defensores de Stalingrado. Os lutadores de hoje, são filhos dos lutadores de ontem.
Os eslavos viram a missão da Rússia no seu culto à originalidade e às tradições da velha Rússia, anterior a Pedro, o Grande. Os homens do ocidente encaravam a missão da Rússia na colaboração com os intelectuais progressistas da Europa. Os que marchavam com Sverdlov viam a missão da Rússia como vanguardeira de uma grande luta, que consultando o passado e olhando o futuro, construiu o presente em novas bases: mais seguras, mais harmoniosas, mais humanas. Aprendemos, então, que o culto às tradições não exclui o amor ao progresso. Admitimos os heróis de Kutuzov que defenderam a Rússia contra as baionetas de Napoleão. Admiramos também os “dezembristas” que trouxeram para a Rússia os ideais da França revolucionária. O lutador soviético leva no peito o retrato de Alenxander Nevsky.
A União Soviética está unida solidamente às nações que lutam por sua soberania. A União Soviética transformou-se no baluarte dos povos eslavos que estão sendo torturados pelos nazistas. Nossa pátria, defendendo sua liberdade, defende simultaneamente a liberdade de todos os povos. A característica principal do povo soviético é o seu sentido humano. A nova república deu oportunidade para todos. E a força criadora do povo se fez sentir. Das camadas profundas, brotavam energias ainda não conhecidas. Por isso, podemos lutar: lutar heroicamente. Por nós e por nossos amigos. Se o exército soviético repeliu os alemães em Moscou, se o mundo estremeceu pela epopéia de Stalingrado, não foi pela força material e sim pela força moral do lutador. Os povos das cinco partes do mundo, repetem uma única palavra: Stalingrado! Stalingrado não quer dizer fortes e canhões. Stalingrado quer dizer: homens que foram criados pela república soviética. Stalingrado foi uma epopéia levantada por peitos humanos.
Outubro, que nasceu num troar de canhões, proclamou a fraternidade. Os escravizadores pensam que fraternidade significa fraqueza.
Não sejais estúpidos! Fraternidade é amor. Amor é força que vem do coração humano. Quando na Europa surgiu esta perversidade que se chama fascismo, a União Soviética, fiel a si mesma, interveio contra esta perversidade. O mundo sabe que quando outros esperaram se libertar fazendo concessões e silenciando, a União Soviética auxiliou desinteressadamente ao grande povo espanhol. Agora já se passaram mais de 500 dias que arduamente estamos defendendo nossa pátria, a nossa independência. E nesta defesa se acha também a defesa de todos os povos, de todo o mundo.
O nosso heroísmo permitiu aos nossos amigos prepararem com calma suas operações. A vitória dos ingleses no Egito seria impossível, sem os atos heroicos dos soldados do general Rodintzev. Os sucessos americanos estão estreitamente ligados às perdas dos exércitos fascistas na União Soviética.
Há pouco se disse com razão que se não fosse a União Soviética, a Inglaterra já não existiria. A nossa pátria foi transformada no coração da aliança combatente das nações unidas. No exemplo de Stalingrado, os povos amantes da liberdade de todo o mundo estão aprendendo não somente a lutar com energia, mas também com persistência. Na União Soviética nem por um momento se extinguiu a flama sagrada e o ódio patriótico contra os escravizadores nazistas. E esta flama e este ódio alimentam o coração dos combatentes de nossas frentes longínquas.
Carta a Pablo Neruda
Lembra-se, Neruda? Encontramo-nos na Espanha condenada. Despedimo-nos em Paris pré-condenada. Faz bastante tempo. Desde então perdemos muito.
Quando nos despedimos, falamos sobre fidelidade: nós conservamos esta fé. Agora direi para você, que na terra soviética se trava uma grande batalha. E você anuncie aos nossos amigos do Novo Mundo que esta tremenda batalha não é só por nós, cidadãos soviéticos: é também por Paris, pela América, por nossa querida Espanha, pela humanidade, pela arte, pela vida.
Quero dizer também a você que lutamos sozinhos. Lutamos contra uma força monstruosa. Que todos os povos e todos os homens sintam a tempestade sobre o Volga e entrem na batalha.
Você, Neruda, escreveu sôbre a tétrica “ideologia” fascista. Lembra-se você, daquele dia terrível em que um couraçado alemão esfacelou aquela cidadezinha pacífica da Espanha e matou muitos pescadores, mulheres e crianças? Naquele tempo, isso foi um fato estranho, e nós ficamos revoltados. Hoje, não há mais por que se assombrar. Agora é preciso uma outra coisa: lutar. Lutar contra os que dirigem os couraçados às cidadezinhas pacífica dos povos pacíficos, dos cidadãos pacíficos.
Dirijo-me a você Pablo Neruda, poeta admirável da longínqua América. Dirijo-me aos seus amigos, que também são meus amigos. Todos esses escritores honestos do México, Chile, Argentina, Brasil, Uruguai, Cuba, Venezuela e Equador. Vamos falar de amigo para amigo, de irmão para irmão.
Querido Pablo: por seu intermédio quero falar a todos. A todos, Pablo. Dirijo-me aos intelectuais da América Latina. Quero dizer-lhes, amigos, que no Cáucaso defendemos os Andes. Que na União Soviética, lutamos não só pela nossa liberdade, mas pela liberdade do mundo. Que do resultado destas batalhas, depende o vosso destino. Vossa vida está intimamente ligada à nossa vida. Vossa cultura não é uma amálgama, mas uma síntese.
Para os “racistas” alemães sois uma mistura de raças. Para nós, sois os continuadores de uma grande, nova e independente civilização. Nós admiramos profundamente a arte da América antiga. Em toda a Alemanha não se encontra tanta riqueza e arte tão elevada como em um dos bosques da América onde se guardam relíquias incas e aztecas.
Vós tomastes da Espanha imortal o mais belo: seu culto ao homem; sua terna severidade; seu modesto orgulho; sua universalidade. O oceano vos separa da Europa ensanguentada. As ondas podem ameaçar, mas fazem também adormecer. As ondas do oceano embalam. Vós podeis despertar demasiado tarde. A Espanha despertou demasiado tarde no dia 18 de julho de 1936. Demasiado tarde despertou Paris no dia 14 de julho de 1940.
Uns dizem que a batalha se trava pelo direito da União Soviética ao seu regime soviético. Outros refutam isso dizendo que a batalha é a batalha pela terra soviética, pelo petróleo soviético. Pode ser que dentre vós alguém leia indiferentemente os telegramas, com nomes que vos são estranhos. Vós não tendes regime soviético; tendes a vossa terra, o vosso petróleo. Mas a batalha não se trava só pelo nosso direito ao regime soviético. Você, Pablo Neruda, sabe que à frente da França estavam os radicais. Você sabe que Giral e Azaña não eram comunistas. Você, Neruda, sabe que na Holanda havia uma rainha e na Noruega um rei. Não lutamos só pelo nosso petróleo e pela nossa terra. Lutamos por alguma coisa muito mais elevada: pelo homem.
A civilização alemã é uma máquina. Os alemães consideram-se a si mesmos uma raça superior. Os povos de outra cultura — latinos, eslavos, anglo-saxões — têm que se converter em escravos dos nazistas. Os homens têm que se transformar em máquinas. Os alemães negam a Renascença. Negam o humanismo dos enciclopedistas franceses do século XVIII. De que lhes serve um Leonardo da Vinci, com toda a sua complexidade? Que proveito lhes trazem Cervantes, Quevedo, Gongora, Rubén Dario, Machado ou Lorca? Têm a filosofia de Rosemberg. As canções dos grupos de assalto. E muitos tanques.
Todos os cidadãos soviéticos nas regiões ocupadas pelos alemães, são obrigados a trazer distintivos de madeira dependurados ao peito. Os alemães querem privar os homens até de seus nomes: convertem- nos em um número. Os alemães têm preparados estes distintivos para todos. Para os americanos, também. O oceano não vos servirá de salvação. A vós, só a coragem salvará. Despertai antes do alarma. Depois, já não podereis ser despertados! Vossa América tem a vantagem do oceano. Mas os alemães sabem atravessar os mares. Se não os aniquilarmos agora, lançar-se-ão para o Oeste. A Inglaterra será a prova. A seguir, será a vez da América.
Meu caro Neruda: você que já aspirou o odor da morte parda, diga aos seus amigos, diga ao seu povo, diga a todos os povos da América, que chegou a hora final. Se a América não empreende a campanha contra a Alemanha, a Alemanha empreenderá a campanha contra a América. A desgraça visitou a nossa pátria. Escrevo para você, Pablo, daqui, da nossa querida União Soviética ferida e entristecida. Silenciam as mães que perderam os filhos, silenciam as mulheres que perderam os maridos, silenciam as ruínas das velhas cidades de Kiev, Novgorod e Pskov. Silenciam os campos espezinhados, silenciam as musas, silenciam as ninfas, silenciam as crianças. Vós compreendeis este silêncio…
Agora, armas e não palavras! Se não lutardes na Europa, a guerra chegará à América, chegará às vossas cidades, aos vossos campos. Animai-vos, soldados valorosos. Evitai os que confiam demais. Afastai os covardes. Eliminai os traidores. Coragem! Hoje ainda se pode vencer para viver. Amanhã talvez já não encontreis a solução. A nós e a vós: vencer ou morrer!
QUARTA PARTE
A marcha para a vitória
“Que é preciso para libertar nossa pátria do odiado inimigo? Que é preciso para uma completa vitória sobre os invasores germano-fascistas?
“Isto apenas:
“Que se proceda continuamente ao aperfeiçoamento do adestramento militar e ao fortalecimento da disciplina, da ordem e da organização de toda Marinha, Aviação e Exército Soviético.
“Intensificar constantemente e com toda a tenacidade os golpes aplicados ao inimigo, não lhe dar oportunidade para consolidar as linhas de defesa, não lhe dar descanso, nem de dia nem de noite, cortar-lhe as comunicações, cercar-lhe as tropas e aniquilá-las se se negarem a depor as armas.
“Propagar as chamas da guerra de guerrilhas na retaguarda do inimigo, para destruir-lhe as comunicações; fazer voar pelos ares as pontes ferroviárias para dificultar o transporte das tropas inimigas e o transporte de armas e munições; dinamitar e incendiar depósitos militares; atacar as guarnições adversárias; impedir que o inimigo em retirada deixe em chamas as nossas aldeias e povoações; ajudar os avanços do Exército Soviético por todas as formas e com todos os meios.
“Nisto reside a garantia de nossa vitória.”
(STALIN)
Bilhete do combatente
Mais um ano que morre. Mais um ano que nasce. Estamos lutando. Há muito tempo que lutamos. Por nós e por nossos amigos. Nossa ofensiva progride. E os nossos amigos? Já libertamos muitas cidades. Os bárbaros estão sendo aniquilados. As cidades estão sendo reconstruídas. Os campos e as fábricas, voltam à atividade. A nova linha do Metrô de Moscou começou hoje a funcionar. Os lindos mosaicos refletem os feitos heróicos de nossa pátria. Foi este o presente dos trabalhadores de Moscou invencível.
Além dos Urais vive o velho Kovinchenko, operário aposentado. Escreveu a Stalin enviando 300 mil rublos. Pediu que se construísse um avião de caça com seu nome. E Stalin lhe respondeu: “Seu desejo será satisfeito”. Assim se encontra a retaguarda. No “front”, os lutadores soviéticos avançam. Eles não pararão mais. À frente vão Rokossovski, Golikov, Zhukov, Timoschenko, Tiulenev, Ieremenko. Os soldados e seus chefes: defensores de nossa pátria e de todos os povos amantes da liberdade.
No Kremlin está Stalin: vela por nós e por nossos amigos. Mas, nós temos hoje uma queixa a fazer: todo esse longo tempo temos lutado sozinhos.
Agora nos chegam grandes notícias: as armas de nossos amigos se desensarilham. O que não veio em 1942, virá em 1943. Segunda frente. Hitler sendo apertado por todos os lados, Hitler num cinturão de ferro. Os Fritzs subindo ao tribunal dos povos. Os Fritzs enlatados como salsichas.
Nossos lutadores descem as planícies. Outros descem os desfiladeiros do Cáucaso. Outros atravessam os rios. Estamos sentindo a vontade de luta da Inglaterra. Nossos amigos das Américas acendem o fogo da liberdade. Esperamos que ele atinja os céus da Europa Ocidental.
Está batendo a 24ª hora para o mundo. O novo ano pode e deve ser o ano da vitória. A vitória não vem por si. Tem que ser conquistada. Entra o novo ano e então, para nós e para os que nos cercam, nós bradamos: este pode e deve ser o ano da vitória.
Quando havia paz, nós desejávamos que o novo ano nos trouxesse saúde, prosperidade no trabalho, bem estar. Hoje não há mais paz: há guerra. Guerra em todas as partes do mundo. Ninguém escapou. Todos foram envolvidos. E os homens e os povos desejam uns aos outros uma coisa apenas: Vitória! Este brado encerra todos os desejos, todos os anelos, Vitória! Sinfonia de Shostakovich. Vitória! Gritam os nossos corações. Vitória! Palavra querida por todos os povos. Por que não a conquistamos em 1943? Podemos conquistá-la. Temos que conquistá-la. Os lutadores soviéticos estão lutando. Estamos na ofensiva. Libertamos muitas regiões, muitas cidades, muitos irmãos. Mas ainda falta muito. E estamos marchando.
1942 finda. 1943 se inicia. Sob um novo signo: Vitória!
O começo da vingança
Numa edição de janeiro de 1943 o jornal alemão “Der Angriff” escreveu: “No Bureau de Turismo qualquer pessoa se pode convencer do alcance das nossas vitórias. Há alguns anos atrás a distância de Berlim à fronteira oriental era curta e a passagem custava 5 marcos e 20 pfenigs. Mas hoje os funcionários do Bureau de Turismo responderão amavelmente, como outrora, que de Berlim a Nalchik a passagem custa 62 marcos”.
Os “turistas” fugiram a pé de Nalchik. Em Stalingrado os Fritzs sonhavam unicamente com um “expresso” de Stalingrado a Berlim. O suboficial Ernest Koch escreveu a um amigo: “Estamos como salsichas quando a cozinhar na panela”. Os Fritzs dizem que nossos cercos os conservam como numa fervura. Os fabricantes de salsichas se veem na situação de salsichas.
Os vassalos começaram também a receber os “knock-outs” do exército vermelho. Os romenos alcançaram Odessa com ímpeto. Passados alguns dias o jornal “Timpel” publicava um trabalho do presidente da Academia de Ciências da Romênia, Dr. Siminescu onde afirmava: “Os descendentes dos romenos habitam todo o território de Ticho ao Volga”. Mas logo que os tanques e os canhões soviéticos “T-24” tomaram a palavra, os ladrões romenos tiveram uma única saída, a mais banal: erguer os braços para o alto.
Seria um erro pensar que os romenos ou os italianos traíram os alemães. A verdade é que foram os alemães que traíram seus lacaios. E não traíram somente nas estepes do Don. Na Líbia, os alemães foram os primeiros a correr. Desta vez não houve nenhum imprevisto. Hitler não pode jogar a culpa sobre o inverno antecipado. Os alemães fugiram das fortificações. Nove décimos dos seus exércitos estavam nos campos russos. O exército alemão estava sob o comando do chefe supremo: Hitler em pessoa. Que argumentos pode ele encontrar para uma justificativa? Hitler vive agora murmurando contra “os sucessos locais dos russos” e tenta convencer os Fritzs de que “as divisões cercadas em Stalingrado foram deixadas na retaguarda do inimigo”.
E o que pensarão os Fritzs cercados — essas salsichas na panela — depois que ouviram pelo rádio estas palavras de consolo? Os russos sabem como é forte o exército alemão, que mestres são seus oficiais, de que espécie de disciplina mecânica são dotados os seus soldados. Quando o exército alemão abandona territórios que foram conquistados à custa de tantos sacrifícios, é porque um exército muito mais forte o obriga a retroceder.
Ainda é cedo para falar no desmoronamento do exército alemão. Mas já é tempo de falar da potência do exército soviético. Em 1941 possuíamos instrução militar, bons soldados, ideais, audácia, capacidade. Faltava-nos, porém, experiência militar. Até então, vivíamos para nossa construção pacífica. Fomos atacados por guerreiros profissionais. A guerra para os nazistas se tornou o único objetivo da vida. Os nazistas não possuem ideais e fins elevados. Eles guerreiam pela rapina. Por isso, não causa espanto que fugissem os nazistas ante um exército bem armado, disciplinado e forjado na chama de grandes ideais.
Cada soldado soviético sabe por que luta. Eliminar o soldado alemão, tornu-se para nós, o nosso pão, o nosso ar. Se isto nos falta, não poderemos viver.
Próximo a Stalingrado os tanquistas do coronel Ianov, meia hora antes de seguirem para o ataque, leram o diário do alemão Fredrich Schmidt, que torturava moças russas. Fizeram pior do que os fabricantes fazem com as salsichas.
O exército soviético marcha para a frente por ser um exército libertador. Temos aqui uma carta do operario Gazarov da Fábrica de Tratores de Stalingrado, que foi libertado da prisão por nosso exército: “No dia 3 de novembro caí prisioneiro dos alemães. En- viaram-me para a estação de Tchir. Ali se encontravam 3 mil civis num campo de concentração cercado de arame farpado. Expostos à chuva, sem abrigo, anciãos, mulheres e crianças morriam congelados. No dia 8 de novembro nos enviaram a todos para trabalhar em fortificações. O cidadão Krilenko, incapaz para o trabalho, pela idade avançada, foi espancado. Fomos depois conduzidos a Kalach. Além das mulheres, trabalhavam até as crianças de nove anos de idade”.
Os soldados vermelhos viram as mulheres e as crianças que sobreviveram. Em vista de tanta monstruosidade, que força é capaz de deter nossos soldados? Existe um rancor que vai aniquilando cada obstáculo. E os alemães procuram fugir aos nossos soldados — os soldados juízes. Os feitos do Cáucaso, do Don, de Stalingrado, de Velilki-Luki não são “sucessos locais dos russos”. Nem tampouco operações parciais. São o começo da vingança.
Os filhos da França nos céus soviéticos
Saí da França em agosto de 1940. Desde então, tenho diante dos olhos quadros pavorosos: refugiados mortos e estendidos no chão perto de Gien, tumulto repugnante em Clermont Ferrand, sorriso de canalha nos lábios de Laval, miséria dos desabrigados nas estradas, soldados alemães desfilando na Praça da Concórdia. “Onde está a França, a verdadeira França?” – interrogo-me a mim mesmo. Vim encontrar um pouco dessa França no coração da União Soviética.
Rapazes calçados de bota de feltro marchavam sobre a neve. Estremeci ao ouvi-los falar francês. Eram os aviadores da esquadrilha “Normandie”, da França Combatente. Passei dois dias com eles. Ouvi dezenas de confissões, dezenas de extraordinárias epopéias. Em companhia desses franceses valorosos, pensei na desgraça e na esperança da “Belle France”. O piloto marselhês que abateu quatro aviões alemães me diz: “Sinto-me feliz de estar aqui. É uma guerra de verdade. Há muito tempo que eu sonhava com isso”. O mecânico corso termina sua narrativa com palavras simples, compreensíveis para qualquer cidadão soviético: “Os comedores de macarrão mataram meu irmão. Tenho que vingá-lo”.
De longe, seguíamos com amor, com emoção, as façanhas dos soldados patriotas franceses. Vemos agora alguns deles em território soviético. Usam nossos gorros, nossas botas forradas. Vieram para aqui afim de lutar nos céus soviéticos pela liberdade da França. Todos têm no peito a insígnia das fôrças aéreas francesas e as armas da Normandia. Combatem ao nosso lado como unidade das potências aliadas.
Sempre amamos a França. Ninguém nos pode negar esse sentimento. Que acrescentar mais? As sensações da alma por certo não satisfarão os céticos. Ainda bem que a esses se pode afirmar que a URSS se interessa pela existência de uma França poderosa e independente. A esquadrilha “Normandie” é a França em miniatura. Os homens que a compõem são vários tipos. Gente de Perpignan, bascos, bretões, nor- mandos, parisienses. Classes sociais diversas. Operários, estudantes, filhos de camponeses e de comerciantes.
Antes da guerra, alguns deles acreditavam no palavreado dos jornais, cujos colaboradores eram Bailby, Charles Maurras e Jean Prouvost. Ficaram estupefatos quando em nossa terra, em vez de casebres, viram casas confortáveis para a vida familiar. Nossas fábricas gigantescas. Nossas residências com aquecimento central. Nossas grandes cidades. Outros, porém, acompanhavam com simpatia a evolução pacífica da União Soviética. Mas hoje todos estão unidos pelo mesmo desejo de “libertar a França dos invasores alemães”. E para todos, a URSS é a aliada sincera, forte e valorosa.
Aqueles a quem a catástrofe surpreendeu na Síria, na Argélia ou no Sul da França, não conheceram a ocupação alemã. Mas na esquadrilha há franceses que conseguiram escapar ao cativeiro nazista. Eles sabem o que significa a presença dos alemães em Paris, em Rouen, em Vierzon. Suas narrativas são mais sugestivas que qualquer descrição. Eles forjam uma cadeia sagrada que une todos os corações, todos os combatentes da esquadrilha “Normandie”.
E é fácil conversar hoje com um francês. Entendemo-nos mutuamente. Quando eles dizem: “Paris, Lille, Nantes”, nós respondemos: “Kiev, Odessa, Karkov”. Os anos de ante-guerra já nos parecem agora pré-históricos. Muitas coisas nos separavam naquele tempo. Os vinhateiros da Borgonha levavam uma vida diferente dos kolkhozianos da Sibéria. Os romances de Maurois não se pareciam com os de Sholokhov. Atualmente, todo cidadão soviético fala a mesma língua que o francês. Estamos unidos pelo ódio ao inimigo vil e feroz, pela alegria, pela vingança justa, pelo amor à pátria, à liberdade. Os pilotos da esquadrilha “Normandie” escutam apaixonados as histórias dos feitos soviéticos. Chega o comunicado: “A ofensiva continua”. Os franceses comentam entusiasmados. Com um humor todo francês, dizem: “O Don é o caminho para o Loire”.
O comando soviético tem em alto conceito as qualidades dos pilotos e mecânicos da “Normandie”. A esquadrilha possui um capitão que derrubou mais de dez aparelhos inimigos. Tem um comandante que assombra os colegas soviéticos por sua habilidade como piloto. Os pilotos apreciaram as qualidades de combate de nossos aviões. Os mecânicos se familiarizaram com as peculiaridades de nossos motores. Breve ouviremos falar dos êxitos da esquadrilha ”Normandie”.
O destino dos homens e dos povos é misterioso. Aqui está esse adolescente vindo dos Campos Elíseos, que só conhecia a União Soviética através do “Gringoire”. Quando pensou ele que voaria num avião soviético e apertaria, caloroso, a mão dos seus companheiros soviéticos? E esse marselhês? Pensou algum dia que os “chechis” enigmáticos substituiriam a sua “bouillabaisse”, e que, calçado de esquis, aprenderia a correr sobre a imensa planície de neve? E esse tenente? Quando imaginou ele que a rota de Dover a Calais passa pela União Soviética?
Estamos no limiar de um novo ano. O ano passado foi duro para a União Soviética. Durante o verão, Hitler precipitou-se sobre as estepes verdes do Don, como um jogador que atirasse as últimas fichas sobre o pano verde. Nós suportamos o choque. Combatíamos, então, sozinhos. Em novembro mudou-se o clima do mundo. A primavera dos povos caiu este ano em pleno outono. Recentemente, li num jornal berlinense: “As tenazes de envolvimento e de cerco são concepções puramente alemãs”. Que pensam hoje dessa frase de fanfarronice os alemães entre o Volga e o Don? Em vão esperam eles o manjar celeste. Nem os aviões de transporte, nem as mentiras de Goebbels, poderão salvá-los da mais esmagadora derrota. Enquanto isso, Rommel excede em velocidade aos próprios italianos. Dia virá em que a guerra se deslocará da Tunísia para a Europa. Os ratos dos diversos países se aperceberão de que o navio da “Nova Ordem” começa a fazer água. A Alemanha nazista é uma prisão. O “Munchner Neue Zeitung”, escreve: “E’ duro suportar a incerteza”. Mas a “incerteza” não existe. Tudo é claro agora. Aproxima-se para a Alemanha hitlerista a hora do castigo.
O ano de 1942 foi um ano terrível para a França. As execuções. A fome. As perseguições de inocentes. A glorificação dos traidores. A perda da esquadra. Os alemães em Lyon, em Marselha, em Tolosa. Mas para a França também o meio do outono foi uma primavera. A França desperta. E não tarda que os acordes da “Marselhesa” se façam ouvir de novo em solo francês.
Quero desejar um ano feliz à França unida. Admiráveis são os pioneiros da vitória. Mas a glória não se conquista facilmente. Nem por isso deixaremos de conquistá-la. Feliz novo ano aos cidadãos do grande povo, que nem por um instante se submeteu aos alemães invasores. Este ano pode tornar-se o ano de nossa vitória comum. No Louvre, enlanguece a deusa alada de mármore, a vitória de Samotrácia. Nossa vitória será muito diferente. Coberta de lama e sangue, com um capote de campanha. Ela virá sentar- se junto ao braseiro do soldado. E estenderá para as brasas amortecidas as suas mãos fatigadas e enregeladas.
Os chacais
Numa antiga canção indiana há um trecho assim:
Quando o tigre vai para a caça,
seguem os chacais e mesmo os passarinhos
Quando o tigre foge do caçador,
ninguém mais é seu amigo.
O tigre ainda não está em fuga definitiva. Mas alguns “passarinhos” já estão de arribada para o sul. Na verdade, com os nazistas, a hierarquia é a mesma. Eles conservam uma perfeita hierarquia, mesmo na rapina. Quando os nazistas apanham uma vaca, os italianos recebem um galo. Quando comem uma galinha, os romenos têm de se contentar com um ovo. Há mesmo chacais que bancam a mais doce inocência. Os finlandeses, lá entre si, murmuram que Hitler lhes prometeu “uma grande Finlândia”. Mas, para o estrangeiro, numa simulação de ofendidos, suspiram desconsolados: “respeitamos os nossos protetores”… E até as solteironas do Colorado juram por tudo que lhes é sagrado que os finlandeses na União Soviética fazem uma “guerra exclusivamente defensiva”.
Os chacais do sul não usaram desses ardis. Foram mais claros. Com olhares sinistros e gulosos, ante a rapina, atiraram-se aos ossos que o tigre abandonou.
Essa “Nova Europa” é a farsa mais imunda de um monstro. Hitler não paga em moedas a carne para canhão. Ele paga com telegramas de felicitações. Mussolini e Antonescu não dispõem de um ordenado certo nem de promessas garantidas: vivem de gorjetas mesquinhas e de esperanças… Pela Córsega, Mussolini deve lutar no Don: os “bersaglieri” sonham com a Riviera ardente, quando se congelam nas estepes soviéticas. Hitler faz o jogo com a Transilvânia, todos os meses, entre os romenos e os húngaros. Os pequenos salteadores brigam entre si. Muitas vezes caem em prantos. Mas até agora todos tinham uma fé inabalável no gangster-mór.
O fim de 1942 foi muito tempestuoso para o tigre, para os chacais, para os passarinhos. Aconteceram coisas muito desagradáveis. Eles não as esperavam. E os “passarinhos” imigrantes se apressam a trocar de plumagem ou mesmo de ninho. Os camisas negras dizem mesmo que os grãos de cevada americana alimentam mais que os macarrões “ersatz”. Entre todos os da “santa cruzada”, são os romenos os mais descomunais. Há uns seis ou sete anos atrás tive a oportunidade de ver a Romênia. É difícil imaginar que vida levavam os boiardos romenos. Um luxo de nababo. O mais extremo requinte. E no meio de tanto luxo viam-se pobres camponeses descalços. E escravos sujos, amedrontados e esfomeados, são os “homens” que Hitler mandou lutar contra a União Soviética, “para defender a cultura européia contra os bolcheviques”…
Quando os romenos se preocupavam exclusivamente com o roubo, trabalhavam admiravelmente. Assim foi que, num abrir e fechar de olhos, arrasaram Odessa. Os romenos praticaram milhares de atos terroristas na Crimeia, em Anapa e no Don. Naturalmente, naquelas horas não estavam satisfeitos com os nazistas. Mas o chacal sabia onde era o seu lugar. E o chacal não discutia. Agora o tigre está recebendo as primeiras chicotadas. O tigre estremeceu. E o chacal romeno, coçando-se, indaga se já não é hora de dizer que os romenos nunca viram os nazistas. Que enganados foram para a Rússia; perderam-se no caminho de Bucarest para a Transilvânia.
Os generais romenos ainda tentam convencer o seu exército. Em Bucarest apareceu um comunicado muito cômico: “O ministro da Defesa Nacional, o general Panatsi, inspecionou durante o mês de novembro, os exércitos romenos que operam na Frente Oriental. Estão sendo realizadas operações que nos entregarão o controle da situação estratégica; cousa que só é possivel graças aos entendimentos entre os exércitos romenos e alemães”.
É fácil dizer em Bucarest que as forças romenas e alemãs possuem o “controle” do Don. Na verdade, o controle pertence ao exército vermelho. Sobre o “entendimento” entre o comando romeno e o comando alemão, nos informou o capitão romeno Tschovanu, que caiu prisioneiro. O “entendimento” se resume na ordem de um oficial alemão, e na obediência do general romeno. O mais divertido, porém, são as informações do ministro Panatsi sobre os “entendimentos” entre os soldados alemães e os soldados romenos.
Podemos dizer que estes “entendimentos“ se resumem em brigas diárias. Numa ordem do chefe do 3.° exército romeno, diz o general Dimitrescu: “É de grande importância evitar ou, no mínimo, reduzir os frequentes conflitos com os exércitos alemães, porque podem ter influência desfavorável à realização das futuras esperanças”.
O general Dimitrescu está preocupado. Antes a morte que a exasperação do tigre. Então ele tomará Odessa de Antonescu e entregará a Transilvânia aos húngaros. Mas os prisioneiros romenos daqui, outra coisa não pedem, a não ser que os isolem dos prisioneiros alemães. Sabemos que os camponeses romenos não sonharam com Stalingrado ou Novorossisk. A vida atual na “grande Romênia” é desesperadora. Os nazistas tomaram tudo. No país nada mais existe além da fome. No entanto, bem sabemos o que os romenos fizeram com as nossas cidades e aldeias. Sabemos que eles liquidaram os habitantes de Odessa com gases, quando estes se esconderam entre as ruínas. Sabemos como os romenos destruíram as aldeias cossacas. A vingança já começou. Os chacais receberão o seu quinhão. Mas nem assim esqueceremos o tigre. Nem um instante sequer o tigre será esquecido. Os chacais receberão o deles. E o tigre receberá por todos: por ele e pelos chacais.
Para o ocidente
As forças nazistas estão sendo batidas. Ou recuam ou são aniquiladas. O peso da ofensiva do exército soviético é tremendo. Não há quem possa resistir. E nós também não nos podemos deter. Só uma palavra há para todos os nossos lutadores: avançar! Primeiro num ponto, depois noutro. Voronezh, Stalingrado. Desfiladeiros do Cáucaso. A cidade de Rostov. Nossos rios: o Volga, o Don e o Donetz. A ofensiva se generaliza. O caminho da retirada nazista está juncado de milhares de tanques incendiados e de milhares de nazistas mortos. Os que são cercados ou se rendem ou são triturados.
Depois destas lutas, evidentemente estão desmantelados os planos de Hitler para novas ofensivas. Hitler lançou na luta milhares de efetivos, uma enorme quantidade de materiais, num esforço titânico. Queria quebrar a resistência soviética. Foi tudo inútil. Ficamos na defensiva e resistimos. No momento oportuno passamos à ofensiva. Ondas e ondas de soldados estão sendo lançadas, agora, tentando paralisar o avanço dos nossos combatentes. Mas, é tudo baldado. A grande ofensiva do exército soviético está progredindo. Os complicados sistemas de fortificações que os nazistas levantaram estão sendo quebrados pela espinha. Não perdoamos o infame invasor.
Nossos lutadores já reconquistaram grande número de regiões que os alemães consideravam inexpugnáveis. Para nós esta palavra não existe. Os alemães construíram fortificações de madeira e terra e cercas de arame farpado. Enterraram tanques e os transformaram em casamatas. Eu vi como os lutadores soviéticos avançam sobre estas fortificações. Muitas vezes aprisionam guarnições inteiras do inimigo. As fortificações ruem como um castelo de cartas. Os prisioneiros alemães com que tenho conversado, acentuam que a ofensiva do exército soviético assombrou, mais de uma vez, os senhores da “Whermacht”. Destruiu os planos de Hitler: conquistar o Volga e o Cáucaso. Avançar sobre o Oriente Médio. Marchar sobre Moscou. E tomar o comando das operações.
Os campos da União Soviética estão cobertos de cadáveres: milhares de oficiais e de soldados alemães. Os cadáveres se misturam com montões de ferro: são os tanques e os canhões destruídos. As armas que tomamos ao inimigo, contra o inimigo as utilizamos. Ferimos com o mesmo ferro. Os nazistas, num esforço ingente, buscam paralisar a ofensiva soviética. Grupos de atiradores se ocultam nas árvores e descarregam as metralhadoras contra as forças que avançam. Nossos lutadores limpam os bosques e seguem para a frente. Os comandos deram ordem de avançar. Os soldados estão avançando. Adiante se encontram muitas cidades queridas, muitos irmãos e irmãs que nos esperam. Marchamos para o ocidente. Chegaremos.
Decepando as garras dos Fritzs no Kuban
Há quatro meses atrás, Hitler declarou: “O Kuban é agora a fonte de nossos abastecimentos”. Hitler foi um pouco apressado. O exército soviético está no Kuban.
“Ninguém em nossa pátria sabe com que dificuldades chegamos até Maicop”. Escreveu um cabo do exército de Hitler. Agora os Fritzs saberão como é difícil sair do Maicop, no Kuban. O exército de Hitler avançou demais: o braço do ladrão chegou ao fundo do saco. E o ladrão não retirará o braço… Os golpes sobre o exército de von Paulus foram apenas o primeiro ensaio. O verdadeiro espetáculo se aproxima. O Kuban será a desgraça dos alemães.
Para nosso povo e seus lutadores era difícil ceder o Kuban. Mesmo temporariamente. Seis meses de domínio nazista. Seis meses de sangue. Os Fritzs cobriram de sangue todas as estações. Transformaram Krasnodar numa prisão. Chegou afinal o momento do veridictum. Já os julgamos por Stalingrado. Já os julgamos pelo Don. Agora eles serão julgados pelo Kuban.
Os jornais alemães mudaram de linguagem. Os canalhas dizem: “A defesa no Oriente pelos soldados alemães é de caráter lendário”. Palavras nazistas! Palavras vis! Os soldados de Hitler estão acostumados a se transportar em tanques. Agora estão sendo forçados a marchar a pé. E para cúmulo do azar, contra os tanques soviéticos.
Os nossos lutadores avançam sobre os tanques inimigos com garrafas de inflamáveis e os destroem. Os nossos lutadores possuem, porém, uma arma que os Fritzs não possuem: o coração soviético. Fritzs são Fritzs e nada mais. Por que foi que os Fritzs cercados em Stalingrado opuseram resistência? Porque o general von Paulus lhes dizia: “O socorro vem próximo”. Porque o “bravo” general von Paulus declarou numa ordem: “Todos aqueles que se entregarem jamais verão seus parentes”. Porque o “invencível” general von Paulus ordenou disparar contra os mensageiros soviéticos. Esse é o “heroísmo” nazista…
No Kúban os Fritzs estão recuando. Os Fritzs tentam, às vezes, paralisar a nossa ofensiva. Um qualquer von Paulus no Kuban ordena: “Não retroceder; do contrário mandarei fuzilar vossas mulheres”. Mas os Fritzs jamais paralisarão o exército soviético. Agora estamos libertando não só uma zona ou uma cidade, porém toda a União Soviética. E o Kuban será libertado. O Kuban é nosso.
Os caminhos estão livres
No outono de 1942, o jornal nazista “Berliner Boersen Zeitung” escreveu: “Ocuparemos Petersburgo do mesmo modo que ocupamos Paris”. Os alemães fabricantes de salsichas enganaram-se. Leningrado não é um hotel para Fritzs. Os lugar-tenentes de Hitler fizeram os planos onde iriam estacionar. Uns diziam: No Palácio de Inverno. Outros gritavam: no Hotel Astória. Coitados dos escravos de Hitler… Nem no Palácio nem no Hotel. Foram estacionar na terra. Leningrado é mais que uma cidade. Leningrado jamais viu a bota do conquistador. De Petersburgo, os russos ditaram as condições de paz à Alemanha. A Petersburgo vinham os alemães fabricantes de salsichas, os charlatães alemães. Supriam-se da mesa dos russos. Em 1918, porém, quando os generais alemães avançaram sobre Petrogrado foram paralisados pelos operários de Petersburgo. E assim nasceu o exército soviético, há um quarto de século: nas lutas pela cidade indômita. Que sabe resistir. Que sabe vencer.
Quem mandou Hitler atacar a cidade invencível? Nas proximidades de Leningrado foram aniquiladas divisões e divisões nazistas. Guardas de Hitler. A divisão azul de Franco. Os finlandeses de Mannerheim. Todos investiram e todos foram ceifados. Os “gangs- ters” da Europa, os “SS” nazistas encontraram em Leningrado seus sete palmos de terra. Sete palmos muito caros… Como não há outros no mundo.
Por Leningrado lutaram todos os povos da União Soviética. Em Leningrado os alemães conheceram o ódio de nossos combatentes. Os alemães esfacelaram a cidade maravilhosa com bombas e granadas. Não havia iluminação. Nem água. Nem lenha. Nem pão. Mas não houve desfalecimento. Todos resistiam. O inimigo não passou. Os exemplos de heroísmo se multiplicaram. O sargento Stephan Lebediev mostrou-me uma carta de seu filho de 12 anos de idade. O pequeno escrevia: “atravessamos um inverno muito duro. Escrevo para te dizer uma verdade bastante triste. Mamãe morreu no dia 14 de Fevereiro. Ela enfraqueceu muito. Nos últimos dias já não podia nem se sentar. Agora, as coisas melhoraram um pouco aqui entre nós. Estou forte, estudo em casa, como me pediste, e trabalho. Auxiliamos o conserto de carros. Eles, porém, não tomarão nossa Leningrado”.
Não esqueceremos o que sofremos em Leningrado. Falaremos sobre esses sofrimentos quando chegar a hora do juízo. Os alemães não puderam conquistar Leningrado. Nem pela fome. Nem pelos sofrimentos. Por nada. Sob as bombas e as granadas trabalhavam anciãos e mulheres. Transportavam munições para a frente. Toda a URSS estava presente na luta. No inverno de 1941 caminhões rodavam sobre o gelo: levavam trigo para Leningrado. No verão de 1942 os marinheiros audazes defendiam a rota do Lago Ladoga. Os pilotos conduziam as cargas valiosas sob o canhoneio inimigo. O povo lutava. Os soldados lutavam. Todos participaram da defesa heróica. Veio o segundo ano do bloqueio. Chegou a hora ansiada: o exército soviético cortou o nó górdio.
Ontem algumas palavras alertaram o mundo: os caminhos para Leningrado estão livres! Leningrado permaneceu de pé. O cerco foi levantado. A nossa ofensiva se parece com uma grande tempestade que tudo devasta. Ela cresce e aumenta dia a dia. Atinge novas frentes. Liberta novos lugares. Ela destruirá totalmente as forças nazistas.
Os caminhos estão livres. As estradas estão abertas. A ofensiva se avoluma. A terra soviética ficará limpa. Não ficará nenhuma só praga nazista. Nos horizontes soviéticos raiam novas luzes. São os nossos combatentes que avançam.
Aniquilar sem piedade
Os fascistas, já não tendo o que dizer aos seus escravos, continuam a falar das suas “conquistas”. Todos os jornais falam. As emissoras transmitem. O “doutor” Goebbels berra. E um lacaio repete, como um disco estragado: “É fácil fazer-se ideia das vitórias e da grandeza da Alemanha pelas agências de viagens. E’ difícil acreditar-se que há 3 anos a Alemanha terminasse em Aix-La-Chapelle. Muito recentemente ainda, um bilhete de Berlim à nossa fronteira oriental custava 5 marcos e 20 pfennigs. Hoje, a distância até às nossas fronteiras orientais se quintuplicou e o empregado de uma agência de viagens, muito amavelmente, confirma que um bilhete de Berlim a Naltchik custa 62 marcos”.
Nós podemos revidar bem alto: Em Naltchik os “super-homens” não puderam tomar o trem. Correram mesmo a pé. O horário do trem não previa uma partida tão precipitada. No entanto, certamente, os empregados das agências de viagens de Berlim, continuam a afirmar “amavelmente”, aos crédulos imbecis, que um bilhete até Naltchik custa justamente 62 marcos e não 63…
A 30 de janeiro, pronunciou Hitler o seu discurso. Certamente ele reconfortou os alemães pelo sonho de uma ofensiva de “primavera”. Mas neste momento, já não serão os céticos que intervirão contra ele: será o vazio que intervirá; as cidades, as vilas da Alemanha esvaziaram-se.
Quando neste verão dizíamos que Hitler havia lançado as suas reservas contra nós, não criávamos nenhuma ilusão. Stalingrado, o Cáucaso, o Don, custaram caro à Alemanha. As cartas que vêm da retaguarda alemã são cheias de lamentos: “Já não resta um só jovem na cidade… A desgraça feriu todo o mundo… Chora-se como em 18…” Mas, mais eloquente ainda que este lirismo, é a ordem de Hitler n.° 524-406, com a anotação “secreta”, rúbrica “sobre a utilização do serviço militar dos indivíduos que tenham a mistura de sangue judeu”.
Em sua carreira para a conquista do mundo Hitler desdenhou “o misticismo do sangue”. Os romenos, os húngaros, os italianos têm auxiliado a Alemanha para atingir o Volga e o Cáucaso. Agora, as fileiras dos vassalos se rarefazem. E não são as baixas que os impedem de agir. Nem os sonhos de um caldo nutritivo. Mas o chumbo russo. Os primeiros que se deixaram desmontar foram os romenos. Basta lembrar como entre o Don e o Volga os generais romenos debatiam sobre a orientação a seguir — abrir caminho combatendo até Bucarest, ou simplesmente capitular. Muito recentemente, ainda, esses mesmos generais contavam com a anexação de Anapa e até mesmo de Stalingrado à “Grande Romênia”.
A derrocada das divisões italianas no Don médio, tornou mais rapidamente lúcidos os “sucessores da Roma antiga”. Quantas considerações sobre o assunto. “Badoglio é mais simpático do que Mussolini”. Napolitanos e sicilianos mortos ou gelados nas estepes do Don — é uma expiação que os chacais não pensavam ainda em junho de 1940. Eu não penso que Mussolini possa enviar novas divisões para substituir as exterminadas. Na troika de vassalos, faltam cavalos. Escasseiam romenos, porque, em conjunto, poucos romenos restam. Os italianos do Duce já não ousarão desnudar as praias da Itália. Chegou agora a vez do pequeno cavalo húngaro sofrer a sorte dos dois outros.
O verão passado não poderá ser repetido. Por que? Porque a Alemanha está minada. Porque os seus vassalos sangram em branco. Porque Hitler já lançou sobre a União Soviética todos os traidores e todos os abutres da Europa. No ano passado ainda, ele recrutava em diversas “legiões” milhares de homens. Hoje, contam-se os “voluntários” por dezenas. Mesmo os abutres não inspiram grande confiança. Os alemães não ousam enviar a famosa “legião” de Doriot para a primeira linha. Os abutres de Doriot ocupam-se do “serviço de polícia”, isto é, da repressão sangrenta contra os camponeses.
Quem não foi ainda enviado contra nós pelo “Fuehrer”? No Cáucaso, acha-se uma “legião árabe” formada na Westphalia e composta de antigos soldados da Legião Estrangeira francesa, de estudantes árabes que residiam na Alemanha e de alemães que conhecem a língua árabe. Essa companhia é comandada pelo general Felmi. Muitos destes “legionários” tinham combatido antes na África, sob o comando de Rommel. Foram enviados para o Cáucaso em princípios do outono. Declaram-lhes que os “arabisches Freiheitskorps” estavam destinados à tomada do Iraque. Hoje, os “conquistadores do Iraque” batem apressadamente em retirada para o ocidente. Por que Hitler enviou até mesmo árabes para a União Soviética? A batalha de Stalingrado foi para ele uma partida decisiva. Ele queria ganhar muito. Muito perdeu. Não penso que ele possa reunir forças para uma nova ofensiva no próximo verão. Creio que os alemães não são capazes senão de uma defensiva encarniçada, obstinada. No verão e no outono passado muito se falou de uma segunda frente. Então, a nossa situação era difícil e para aqueles que nos eram hostis, as discussões sobre a segunda frente se pareciam a queixas amargas da parte dos soviets. No entanto, parece que é tempo de recordar a necessidade de uma segunda frente, — quando há perseguição por parte do exército soviético, recuam os alemães. Nunca dissemos: “Uma segunda frente para salvar a União Soviética”. Sempre dissemos e repetimos: “Uma segunda frente para salvar milhões de vidas, para salvar toda a Europa, para salvar a civilização”.
“É tempo de os aniquilar sem piedade” — dizem os nossos combatentes no Don, ao ouvirem as narrações dos habitantes das cidades libertadas, sobre a pilhagem e as atrocidades cometidas pelos alemães.
“É tempo de os aniquilarmos sem piedade” — eu repito estas palavras aos nossos aliados combatentes. Os amantes da liberdade me compreenderão sem palavras.
Uma vida cheia de glórias
O exército soviético já completou 25 anos. Esta data foi festejada sob o fogo das batalhas. A pátria se defende: o exército soviético é toda a nossa esperança. Se os alemães não entraram em Moscou, em Leningrado, foi porque o exército soviético os não deixou entrar. A guerra é uma questão de sabedoria e experiência — não é possível aprendê-la unicamente nos livros. Os alemães tinham os generais bem treinados, que já vinham com dois anos de lutas: na Polônia, na França e nos Bálcãs.
Tempos difíceis chegaram para o exército soviético. Os alemães tinham mais experiência, mais aviões e mais tanques. A árvore não dá frutos logo ao ser plantada. Nem de improviso surgem os heróis. Que foi, então, que tanto auxiliou o exército soviético para que de início se distinguisse no fogo das primeiras batalhas?
A confiança do povo. Os lutadores sentiram que o país inteiro os olhava com um profundo amor. O coração de cada lutador se inflamou de tanta paixão na luta, que mesmo com uma simples garrafa de inflamáveis ele se jogava contra os tanques inimigos. E os tanques foram paralisados.
Os lutadores soviéticos não deixaram os alemães passar em Leningrado. Eles repeliram de Moscou as hordas fascistas. Mas os alemães não renunciaram. Lançavam sempre novas ofensivas. Para eles trabalham as fábricas de toda a Europa. As fábricas italianas e as fábricas francesas. As fábricas belgas e as fábricas tchecas. As fábricas holandesas e as fábricas romenas. Os alemães acumularam muitas armas para o verão. Tiraram do trabalho todos os operários alemães, substituindo-os por escravos estrangeiros. Arrastaram, para a frente soviética, italianos, romenos e húngaros. Com uma grande superioridade numérica e sem contar as perdas, conseguiram ocupar o Donbas. Chegaram até Stalingrado. Pensaram que já haviam aniquilado o exército soviético, mas agora é que o exército soviético adquiriu a verdadeira prática de luta.
Aprendeu lutando. E aprendeu sabiamente. Três meses os alemães atacaram Stalingrado. Em Stalingrado enterraram suas melhores divisões e sua fama. Os soldados soviéticos defenderam valorosamente cada palmo de terreno. Das fábricas de Stalingrado restam apenas ruínas. Mas entre as ruínas pereceu o exército alemão. O nosso querido guia, Stalin, traçou o plano da ofensiva e o exército soviético o conduziu à vitória. Golpes e golpes ele assesta sobre os alemães. Com tenazes de aço ele os abraça — e exércitos inteiros do inimigo mortal são cercados e destruídos.
Os fascistas caíram numa armadilha em Stalingrado. Eles contavam como certa a vitória, ainda em outubro. Por fim, o marechal de campo von Paulus levantou os braços como um simples Fritz. Os generais alemães entregaram-se aos grupos. Quando os alemães avançavam, tinham muitos “aliados”. Vieram, porém, os dias negros. Cada aliado corre para o lado a que pertence. Milhares de italianos, húngaros e romenos se entregam. E todos gritam uma voz: “Fomos levados à força. Se os alemães querem lutar, que lutem. Nós não passamos de escravos”. Assim, dentro em pouco, os alemães ficarão sós.
A ofensiva do exército soviético dia a dia se torna mais forte. Os alemães já mostraram os calcanhares às montanhas do Cáucaso. Limpamos as estepes do Kalmuk. O Don já respira livremente. A bandeira soviética já tremula em Veliki-Luki e o bloqueio de Leningrado foi feito em pedaços. A gloriosa Leningrado atravessou dias terríveis. Os alemães queriam tomar Leningrado pela fome. Não havia combustíveis. Não havia água. Não havia luz. Não havia pão. Mas Leningrado ficou firme como uma rocha. Esperou. O exército soviético abriu caminho para Leningrado com o próprio peito. E a cidade querida ficou livre do odiado inimigo. Os homens estão alerta no Donbas. Em Novorossisk prescrutam o fundo da noite. E todos falam baixinho entre si: “Agora são os nossos que vêm”. Os alemães se apressam em roubar até ao último pedaço de pão. Incendeiam cidades. Fuzilam anciãos. Estrangulam crianças. Defloram moças. O monstro é insaciável. O exército marcha a passos acelerados. O exército soviético se apressa em salvar as vítimas. Não há sentimentos mais nobres do que poder transformar o homem num herói e de inspirá-lo a atos grandiosos.
É difícil a ofensiva. Mas, que importa? Os lutadores soviéticos marcham. Atravessam bosques quase intransponíveis e pântanos imensos. O frio. O degelo. Não há oportunidade nem de se aquecer um pouco. Vão de uma fortificação à outra. Os alemães fortificaram cada palmo de terreno. Os lutadores soviéticos transpõem as fortificações. Sua missão é nobre: libertar cidades, libertar mulheres, anciãos, crianças. Libertar a pátria.
Existe, acaso, força que possa paralisar o exército soviético? No coração de cada soldado há tanto ódio e tanto amor, que não há fortalezas que possam resistir. Ainda gemem sob a bota nazista milhões de irmãos e irmãs. Pelos lutadores soviéticos, esperam a Ucrânia torturada, a Bielorrússia sangrada, Minsk. Não há retaguarda. Tudo é frente! As fábricas e as máquinas assestam golpes mortais no inimigo. Afastamos de nós todo o pensamento, toda a atividade que não seja em função da defesa, da guerra patriótica. Agora não á hora de descanso. Também não é hora para gracejos — é hora de lutar! É hora de vencer!
Kiev espera
Há cerca de ano e meio, os alemães ocupavam Kiev. Tenho à minha frente um jornal alemão cheio de fotografias. Escombros de casas. A bandeira com a cruz gamada. Na esquina um letreiro: “Von Eich- born Strasse”. Esta é a rua Krestchanik. Os alemães mudaram seu nome, lembrando a primeira ocupação de Kiev. O general von Eichborn tomou-se célebre pelas suas crueldades. E foi assassinado por homens do povo. Assim, vingam-se admiravelmente de um cão.
Foram igualmente mudados os nomes de outras ruas de Kiev. Existe a rua Hitler. Rua general List. E até a rua dos Alemães. O comissário geral Koch instalou-se em Lipki. Acham-se ali também o quartel general alemão e o centro de espionagem da “Gestapo”. O quartel general húngaro e o comandante geral romeno. Há muitos lacaios na cidade. Há húngaros e há romenos. Existem dois restaurantes. Um para os alemães, o outro, para os romenos, húngaros e os demais lacaios de Hitler.
No edifício do Conselho do Comissariado do Povo, instalou-se a “Companhia Central para o Comércio do Oriente”. Foram instalados três prostíbulos para os alemães. Na rua Laiov acha-se instalado o “bureau” do “Recrutamento voluntário” de operários para a Alemanha.
Os moradores de Kiev recebem frequentemente uma ordem: “Comparecer às 8 horas da manhã com os utensílios indispensáveis”.
E os trens partem diariamente levando escravos para a Alemanha nazista.
Há cerca de ano e meio foram assassinados, no cemitério de Kiev, 55.000 pessoas. Foram mortas a tiro de metralhadoras. Desde então não se passa um dia sem que não hajam execuções. Em todas as paredes se pode ler: — “As autoridades militares alemães fuzilaram 300 criminosos por atos de sabotagem”. Estes “criminosos” são pegos nas ruas para pagar a culpa de desconhecidos que cortaram fios telefônicos.
Lembro-me de Kiev antes da guerra. A cidade barulhenta. A população alegre no Krestchanik, Wladimirskaia. O seu porto. Os seus navios. As sirenes das fábricas. Os alemães ocuparam Kiev, mas não a dominaram. Um colonizador alemão escreve cheio de cólera no jornal “Krakauer Zeitung” as seguintes palavras: “A calma da população de Kiev fê-la insensível aos métodos de força”. Nós sabemos o que isso significa. São mortos pela fome. Torturados pela “Gestapo”. Arrancam-lhes as filhas para mandá-las à Alemanha. Ou se submetem aos prostíbulos ou são fuziladas.
Por que, mesmo assim, Kiev é calma? Kiev está esperando. Kiev, a capital da Ucrânia. Kiev, a mãe das cidades soviéticas. Kiev espera com os seus filhos, com os fuzis nas mãos, com o ódio no coração.
O ódio ao fascismo conduz o povo soviético à vitória
Que foi que forçou o bloqueio de Leningrado? O ódio dos povos da União Soviética. Nós conhecemos a tragédia de Leningrado. Durante 500 dias os alemães martirizaram uma das mais belas cidades do mundo. Vimos pessoas que na primavera passada foram transportadas para fora da cidade sitiada: pareciam sombras. Encontramos mães, cujos filhos morreram de fome em Leningrado. Ouvimos algumas narrações sobre as misérias dos mutilados.
O agente de transmissão Molodzov foi dos primeiros que marcharam para o ataque. Arrastando-se até o fortim alemão, lançou várias granadas, mas os alemães continuavam a acionar suas metralhadoras, entravando assim o nosso assalto… Molodzov já não tinha granadas. Então, lançando-se para a abertura, com o corpo fechou aquele buraco negro. Os combatentes se lançaram para a frente. A morte de Molodzov abrira caminho para seus camaradas. E este é um episódio ínfimo da grande batalha; é a história sublime da força emprestada ao homem por um ódio justo.
A pequena Schlusseburg contava 15 mil habitantes. Restam-lhe duzentas almas. Uns foram mortos pelos bandidos fascistas. Outros, conduzidos à força para a Alemanha de Hitler. O cabo Charine, da marinha soviética, achou um monte de cinzas onde existira sua casa. Sua mulher tinha sido levada para a Alemanha. Sua filha morta. Nesse dia, o cabo Charine matou mais de dez alemães. Ele não se cansa de repetir: “Enquanto eu viver não perdoarei nunca…”
Na outra extremidade da União Soviética, em Kislovodsk, nossos combatentes viram a obra negra dos alemães nazistas. Kislovodsk era uma bela e alegre estação de veraneio. Durante a ocupação nazista, ela se transformou em jaula. O doutor Nicolas Vassilievitch Konstantinov e sua esposa levados ao desespero pelos ocupantes, ingeriram morfina e abriram as veias. Os alemães os salvaram. Quando o casal Konstantinov se restabeleceu, os alemães lhe declararam: “Tendes que falar ao microfone, agradecendo ao ‘komandantur’ alemão”. Kislovodsk não é Vichy. O casal Konstantinov recusou. Então, os alemães os mataram barbaramente. Antes de deixar Kislovodsk os alemães mataram mais de 3.000 habitantes, cientistas, médicos, mulheres e oficiais do exército soviético, todos os judeus, até mesmo crianças de berço. Uma das filhas do dr. Kaufman, de 15 anos de idade, foi esfolada viva; e a outra, uma garota de 5 anos, abriram-lhe o ventre. O tenente Vassutin reuniu seus soldados perante os corpos mutilados e pronunciou apenas: “Avante!” No dia seguinte sua companhia exterminou um batalhão alemão e apoderou-se de 4 canhões. Nada podia deter os soldados soviéticos.
Agora, os cronistas alemães meditam melancolicamente: onde vão os russos buscar tanta força? Estes colhedores de tempestade provavelmente se esqueceram como eles semearam o vento. A cólera fez trabalhar os operários da retaguarda, como parecia ser impossível trabalhar. A cólera conduziu os regimentos do exército soviético ao assalto. A cólera leva-os avante.
É fácil conceber os sentimentos que nos agitam quando sabemos da agonia dos alemães em Stalingrado. Vemos nisto um começo de justiça. Eles atingiram o Volga e caíram na armadilha. Devoraram os cavalos romenos, os cães das aldeias. Mais da metade morreu de fome e de frio. Os outros começaram a se render. Não chamamos ao seu fim “heroísmo”. As asserções dos jornais alemães sobre a “coragem sem exemplo dos defensores de Stalingrado” nos fazem rir. Não defensores, mas salteadores. Não coragem, mas o medo pela pele. Que heroísmo podia existir, quando von Paulus declarou numa ordem que “os que se rendessem jamais veriam a família”? Mestres cantores. Carrascos.
Eu sei que em alguns poises a idéia de uma guerra cavalheiresca é ainda viva. Certamente, pode-se saudar a morte dos aviadores alemães que bombardearam uma cidade pacífica. Certamente, podem-se enfeitar seus esquifes. Pode-se utilizar o perfume e o pó para semelhante cerimônia. Mas aqui não se trata de perfume nem de pó. Trata-se do coração. Pode-se saudar a morte de divisões alemãs. Todo o mundo é cena. Chegou a hora: a história o exige.
O exército marcha, a história marcha!
Todas as tardes, quando a emissora de Moscou transmite as notícias de última hora, parece-nos estar ouvindo o ruido de passos. E não podia deixar de ser: é o exército soviético que marcha, é a história que marcha!
Há pouco tempo atrás, Hitler declarou: “Stalingrado será ocupada!” Os alemães se admiraram. O “Fuehrer” não prometeu Baku nem o mundo. Prometeu apenas Stalingrado. Que pensam os alemães agora? Berlim transmite: “o comando alemão se conserva perfeitamente calmo”. Mas não é difícil imaginar o que os Fritz estão passando. Por que sem mais nem menos o “Fuehrer” declara “que tudo vai bem”? Ah! Os Fritz não raciocinam. Vêm para morrer e morrem. E para Hitler tudo “continua segundo os planos”.
Sabíamos que os nossos lutadores não entregariam Stalingrado. E não entregaram mesmo. Os guardas do general Rodíntzev alcançaram a maior felicidade: estão às portas da glória. Stalingrado aguentou. Stalingrado revidou. Stalingrado abriu as portas para o futuro. O exército soviético marcha, a história marcha.
Ainda há pouco o mundo olhava com alegria e admiração os defensores de Stalingrado. Os homens de todas as partes do mundo indagavam se este heroísmo não seria em vão. Mas a coragem dos defensores de Stalingrado era a primeira pedra do triunfo. Por que os alemães fugiram através do Don e das estepes do Kamulk? Porque os heróis de Stalingrado souberam defender heroicamente cada polegada do terreno. Qs alemães diziam haver cercado os defensores da cidade querida. Os heróis de Stalingrado permaneciam de pé, quando isto parecia impossível. Êles prepararam a vitória. Quem ficou por fim cercado? Stalingrado ou o exército de Hitler? O exército soviético marcha, a história marcha.
No outono de 1941 os alemães olharam Moscou através de binóculos. Depois, atirando fora os binóculos, fugiram nos tanques. Agora os alemães não possuem binóculos. Viram de perto as ruinas de nossas fábricas destruídas. Eles “quase” ocuparam nossa Stalingrado. Mas não ocuparam. Ficaram no “quase”. Este “quase” foi a muralha de peitos humanos, a muralha viva, que não estremeceu. Sabemos que os alemães penetraram profundamente em nossa pátria. Um outro povo não suportaria igual prova. Mas a URSS é a URSS. Para os alemães, eles se abeiravam do triunfo. Doce ilusão fascista… Nunca estiveram tão infinitamente distantes. Entre os nazistas e a vitória, ergue-se uma muralha intransponível: a coragem dos lutadores soviéticos.
Os alemães pagarão mais caro do que no primeiro inverno. Assim nos conta o eco rítmico dos passos: a ofensiva prossegue. Próximo a Moscou, Hitler vocifera: “A potência militar russa está quebrada!”. Nossa marcha começou em novembro. Ela não mais se deterá. Não há dúvida que Berlim fica muito distante de Kalach. Os nazistas penetraram muito, mas que importa? Eles agora saberão onde se meteram. Ou irão para as concentrações de prisioneiros, ou irão para o inferno. Só a vitória total nos deterá. A emissora de Berlim debalde tenta acalmar os Fritz:” Os russos penetraram superficialmente”. Procura igualmente falar dos troféus: “No sul de Stalingrado apreendemos 50 camelos”.
Os Fritz podem comparar: “Nós aprisionamos milhares de fascistas, os fascistas aprisionaram 50 camelos”… Os alemães estão inquietos com nossa ofensiva, e dizem uns aos outros: “no inverno começa o inferno”. Um Fritz escreve: “Logo que chegue o frio os russos começarão a atacar”. Esse Fritz é muito otimista. Com frio ou sem frio nossos lutadores atacam. Atacaremos sem cessar. Já infligimos golpes. Outros golpes virão. E ótimos golpes soviéticos.
Hoje diz a emissora de Berlim: “O exército alemão já conhece as condições da guerra hibernal na Rússia e está preparado. O inverno passará. Os passarinhos cantarão de novo. A relva reverdecerá cedo e o exército alemão passará à ofensiva”. Muito cedo começou a chilrear o passarinho de Berlim. Ainda estamos no começo da ofensiva. O Inverno passará. E continuaremos. Não pararemos outra vez. Passamos Stalingrado, Kursk, Rostov. Adiante se econtram Kiev, Minsk, Sebastopol. Elas também virão se juntar às outras cidades libertadas.
A relva brotará na primavera. Mas reverdecerá sob as cruzes dos soldados alemães. Há úma avenida enorme: a URSS… Nesta avenida haverá festas. A pátria, orgulhosa de seu formidável exército, con- tará os troféus. Os soldados não o podem fazer. Os soldados estão atacando. O ruído dos passos aumenta. O ruído se vai avolumando. É o exército soviético que marcha! É a história que marcha!