Imagens, reveladas por Andréia Sadi, da Globo, ocorreram na noite anterior à viagem de Jair Bolsonaro para os EUA. Sargento enviado pelo Planalto diz ao funcionário da Receita que tem pressa na liberação das joias
Se faltava alguma coisa para incriminar Bolsonaro com a tentativa de se apoderar ilegalmente das joias árabes que entraram clandestinamente no Brasil, agora, parece não faltar mais nada.
Um vídeo obtido pela jornalista Andréia Sadi, da Globo, mostra o momento exato em que um carrega-mala do então presidente Jair Bolsonaro (PL) pressiona um funcionário da Receita Federal para retirar as joias avaliadas em R$ 16,5 milhões apreendidas pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos (SP).
O episódio ocorre na noite anterior ao embarque de Bolsonaro para os Estados Unidos. O sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, com uma mochila na mão, foi enviado em voo oficial num avião da FAB pelo gabinete de Bolsonaro ao Aeroporto de Guarulhos para apanhar as joias. A pressão sobre o funcionário não deu certo. As joias permaneceram apreendidas na Receita Federal.
Assista abaixo o vídeo em que o sargento Jairo Moreira da Silva, enviado por Bolsonaro, tenta coagir o funcionário da Receita Federal
Os bens – um colar, anel, relógio e um par brincos de diamantes da marca de luxo suíça Chopard, avaliadas em R$ 16,5 milhões – foram apreendidos em 26 de outubro de 2021 depois de encontrados no fundo da mochila de um integrante de uma comitiva do governo Bolsonaro que foi à Arábia Saudita.
Na ocasião, o então ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque – que integrava a comitiva –, tentou reaver as joias, mas sem sucesso. Ele alegou, no momento em que as joias foram apreendidas, que se tratava de presentes para Michelle Bolsonaro. Apesar disso, não quis registrar as joias como presentes oficiais. Depois, tentaram retirá-las na moita, usando vários tipos de expediente e pressão, mas os itens permaneceram na alfândega da Receita Federal.
Veja, abaixo, a transcrição das conversas.
TRECHO 1: Sargento mostra ofício de braço-direito de Bolsonaro
O sargento Jairo chega ao Aeroporto de Guarulhos e mostra ao auditor um ofício enviado pelo tenente-coronel Mauro Cid, braço-direito de Bolsonaro, ao chefe da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes. Como o blog mostrou, Vieira Gomes pediu aos funcionários do órgão que atendessem o pedido.
Jairo: Opa! Como vai?
Auditor: Como vai, tudo bom?
Jairo: Boa tarde, desculpa incomodar.
Auditor: Nada! tudo bom?
Jairo: (se apresenta) Jairo, como vai?
Auditor: Prazer.
Jairo: Deixa eu pegar aqui no celular… em cima da hora, correria!
Auditor: Então, não tá… não sei… deixa eu dar uma olhada.
Jairo: (aponta para o celular e entrega para o auditor) Achei que entraram em contato.
Auditor: (com o celular do Jairo na mão, lendo) Ao senhor Julio Cesar (…).
TRECHO 2: Sargento tenta pôr braço-direito de Bolsonaro ao telefone com auditor
Jairo fala com o braço-direito de Bolsonaro, Mauro Cid, ao telefone, e tenta passar o telefone ao auditor, que recusa.
Jairo: Coronel, eu to aqui na alfândega aqui já. Estou falando com o supervisor deles aqui. Quer falar com ele? Ele falou que não está ciente aqui do que se trata. Posso passar aqui para ele?
Auditor: (faz o sinal de negativo com o dedo para Jairo) Eu não posso falar no celular.
TRECHO 3: ‘É de urgência’, diz sargento
O auditor da Receita explica que a liberação dos itens apreendidos pela Receita depende de um Ato de Destinação de Mercadoria (ADM). Jairo argumenta que está “na correria” e que o caso é de “urgência”.
Auditor: Entendeu? Existe uma necessária para essa incorporação aí, que é o ADM.
Jairo: É que tô na correria, cara. Passagem de comando, como se diz, né, um entrando, outro saindo.
Auditor: Você não mora em Brasília? Chegou agora de Brasília?
Jairo: Tô chegando agora. Vim direto para cá.
Auditor: Então assim, esse ADM — que seria para incorporação — seria necessário, não tem. Não tenho conhecimento também dessa liberação. Não sei onde estaria, talvez no cofre, mas eu não tenho acesso, então… Não sei se teve algum atropelo, assessoria, alguma coisa muito de urgência…
Jairo: Não, é de urgência, com certeza.
TRECHO 4: Sargento alega que ‘tem que tirar tudo’ antes do fim do governo
O sargento tenta argumentar que a retirada das joias é um passo burocrático decorrente da transição do governo Bolsonaro para o governo Lula (PT), que ocorreria dias depois. A apreensão havia ocorrido mais de 1 ano antes, em 26 de outubro de 2021.
O argumento não foi aceito pelos auditores, e as joias permaneceram apreendidas na Receita.
Auditor: Mas o clima lá está tranquilo?
Jairo: O clima em Brasília está sempre tranquilo, cara, por incrível que pareça. Assim, tá pegando fogo no Brasil todo, ahhhh, lá está tranquilo.
Auditor: Está tranquilo? Não tem erro, nada que…
Jairo: Não. Tudo correndo normal. Assim, lá fora o pessoal gritando, e a gente fazendo o que tem que fazer, passagem normal. Tanto que isso aqui faz parte da passagem, não pode ter nada do antigo para o próximo. Tem que tirar tudo, tem que levar. Não pode, é burocrático, é burocracia.
TRECHO 5: Sargento diz que documento para liberação está sendo providenciado
Jairo diz que o Ato de Destinação de Mercadoria (ADM) está sendo providenciado e pede para o auditor que o está atendendo ligue para outro funcionário da Receita.
Auditor: A questão é a seguinte. Independente de eu ter, de onde esteja, tem que ter o Ato de Destinação de Mercadoria porque é uma incorporação. Não tendo, não teria nem como liberar. Nem que eu pudesse, não teria como liberar. Não estou sabendo.
Jairo: Alô… Ele falou que não pode atender o celular, mesmo que ele quisesse não poderia liberar, porque não tem um…
Auditor: Um ADM, ADM.
Jairo: Um ADM.
Jairo: Ele falou para o senhor ligar para o Fabiano, o Fabiano está ciente. A ADM já está sendo feita e ele vai assinar daqui a pouquinho. E tu conhece: é em cima da hora mesmo.
Jairo: A ADM está sendo providenciada já.
Auditor: Aham.
Jairo: Está sendo providenciada a ADM. Ele falou que ele vai assinar.
Auditor: Então vamos aguardar. Essa ADM, se ela for providenciada e ele mandar. Eu não vou ligar para o (diz o nome de outro funcionário da Receita) porque, assim, eu não tenho acesso direto ao (diz o nome novamente). (Diz o nome mais uma vez) está na superintendência. Ele não é da alfândega aqui de Guarulhos. Entendeu? Ele tá como superintendente-adjunto de aduana lá na superintendência. Com isso, ele ficou como delegado aqui muito tempo. Então vamos aguardar.