Entre os beneficiários da trama contra a democracia, já condenados e presos, está o chefe da organização criminosa, Jair Bolsonaro
A maioria dos deputados presentes à sessão convocada às pressas e de supetão pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, aprovou o projeto de lei que prevê a redução de penas de pessoas condenadas pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e pela tentativa de golpe de Estado.
Na contramão da aspiração democrática, expressa pela maioria absoluta da população brasileira, a proposta foi aprovada em Plenário por 291 votos a 148 e será enviada ao Senado, depois de tumultos causados pela decisão de Motta, como também pela obstrução dos trabalhos da imprensa e a retirada à força do deputado Glauber Braga da cadeira do presidente da Mesa da Câmara.
O texto aprovado na madrugada desta quarta-feira (10) é um substitutivo do relator, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), ao Projeto de Lei 2162/23, do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) e outros.
O substitutivo aprovado prevê que os crimes de tentativa de acabar com o Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado, quando praticados no mesmo contexto, implicarão o uso da pena mais grave em vez da soma de ambas as penas.
Os bolsonaristas e seu séquito queriam mais. Tentaram, principalmente depois da condenação e prisão de seu chefe, Jair, a anistia ampla, geral e irrestrita aos golpistas, mas foram barrados na sua alucinada proposta pela reação da sociedade.
O texto original previa anistia a todos os envolvidos nos atos de 8 de janeiro e dos acusados dos quatro grupos relacionados à tentativa de golpe de Estado julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mas esse artigo foi retirado do projeto.
O alívio nas penas no projeto aprovado prevê benefício a todos os condenados da tentativa de golpe de Estado, como aqueles do grupo principal:
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil;
Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e
Alexandre Ramagem, deputado federal.
Esse grupo foi condenado a penas que variam de 16 anos a 27 anos em regime fechado pela 1ª Turma do STF), em caráter definitivo, em 25 de novembro deste ano. Outras penas de detenção devem ser cumpridas depois daquelas de reclusão.
Como a lei pode retroagir para beneficiar o réu, a nova regra implicaria a revisão do total para esses dois crimes, prevalecendo a pena maior (4 a 12 anos) por tentativa de golpe de Estado. Agravantes e atenuantes ainda serão aplicáveis sobre o cálculo.
A avaliação do benefício ao golpista Jair Bolsonaro é a redução da pena para apenas 2 anos e 4 meses em regime fechado, em vez dos 7 anos e 8 meses pelo cálculo atual da vara de execução penal.
A conta final, no entanto, cabe ao Supremo definir e pode depender de ser validado o uso de trabalho e estudo em regime domiciliar para diminuição dos dias de prisão.
A diferença também é influenciada pela mudança nas regras de progressão de regime fechado para semiaberto feita pelo relator.
Atualmente, exceto para condenados por crimes hediondos, o réu primário obtém progressão de pena se cumprir 16% dela em regime fechado, mas o crime não pode ter sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça.
Como os crimes de tentativa de golpe e abolição do Estado Democrático são tipificados com a característica de “violência ou grave ameaça”, Paulinho da Força muda o texto da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) para fazer valer os 16% de regime fechado para crimes com ou sem violência ou grave ameaça.
Sem a mudança, a progressão ocorreria apenas com o cumprimento de 25% da pena pelo réu primário. Para os reincidentes, o índice de cumprimento no regime fechado passa de 30% para 20%.
Esses 25% valerão apenas para o réu primário condenado por crimes contra a vida (título I do Código Penal) e contra o patrimônio (título II do Código Penal) praticados com violência ou grave ameaça.
Já a reincidência, na mesma situação de crimes contra a vida ou o patrimônio, continua implicando o cumprimento de 30% da pena para a progressão.
Portanto, de modo geral, o relator e a maioria parlamentar que o acompanhou aliviaram para os golpistas, diante de um fato histórico: foi a primeira vez na história republicana que ex-ocupantes na alta esfera do Poder Executivo e das Forças Armadas são condenados por crimes contra a democracia, através de um processo que demonstrou absoluta independência do Poder Judiciário e em que os acusados tiveram amplo direito de defesa.
OUTROS CRIMES
A referência, no Código Penal, a crimes praticados com “grave ameaça” envolve vários não pertencentes aos títulos I e II, como o de afastamento de licitante (reclusão de 3 a 5 anos), constante do título XI.
Já no título VI estão tipificados crimes contra a liberdade sexual para os quais há agravantes relacionados a essa grave ameaça, como favorecimento da prostituição (reclusão de 4 a 10 anos) e rufianismo (reclusão de 2 a 8 anos), cujas progressões seriam também afetadas pela redação proposta, já que a referência à violência contra a pessoa ou grave ameaça, para efeitos de progressão de regime, é substituída pela referência apenas aos títulos I (crimes contra a vida, como homicídio) e II (crimes contra o patrimônio, como roubo).
Assim, esses crimes citados contarão com menor tempo para progressão de regime, pois não são enquadrados como hediondos, com exigência maior para alcançar o semiaberto, nem constam dos títulos I ou II do Código Penal.
No caso de prisão domiciliar, o relator propôs, ainda, que a realização de estudo ou trabalho para reduzir a pena, como permitido atualmente no regime fechado, possa valer no caso da prisão nesse regime.
Sobre esse tema, principalmente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) produziu jurisprudência permitindo essa prática, contanto que comprovada e fiscalizável.
Para os crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e de tentativa de golpe de Estado, quando praticados em contexto de multidão, como o caso dos participantes dos atos de 8 de janeiro de 2023 nas sedes dos três Poderes, em Brasília, o texto reduz a pena de 1/3 a 2/3, desde que o agente não tenha financiado o ato ou exercido papel de liderança.
DESTAQUES REJEITADOS
A maioria parlamentar também rejeitou todos os destaques apresentados pelo PSB e pelas federações Psol-Rede e PT-PCdoB-PV na tentativa de mudar trechos do texto.
Confira os destaques votados e rejeitados:
destaque do PSB pretendia excluir todas as mudanças no sistema de progressão de penas;
destaque da Federação Psol-Rede
pretendia manter o cumprimento mínimo de 25% da pena de reclusão pelo réu primário condenado por qualquer crime com o exercício de violência ou grave ameaça, como os relacionados à tentativa de golpe de Estado;
destaque da Federação PT-PCdoB-PV
tinha o mesmo objetivo com outra exclusão semelhante de parte do texto;
destaque da Federação PT-PCdoB-PV
Pretendia excluir a possibilidade de diminuição de pena com estudo ou trabalho realizados em prisão domiciliar;
destaque da Federação PT-PCdoB-PV
pretendia retirar trecho que determina o uso apenas da maior pena dos crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição do Estado Democrático de Direito;
destaque da Federação PT-PCdoB-PV
pretendia excluir trecho que prevê redução de 1/3 a 2/3 da pena por esses crimes se praticados no contexto de multidão, como os atos de 8 de janeiro de 2023.
(com informações da Agência Câmara)











