
A capital dos Estados Unidos conta com uma nova rua, a ‘Black Lives Matter” [Vidas de Negros Importam], que é curtinha, mas num trecho muito valorizado de Washington: diante da Casa Branca
Cantando “Diga o Nome Dele, George Floyd” e “Sem Justiça, Sem Paz”, a multidão que acorreu a Washington no sábado (6) participou da inauguração e aproveitou, ainda, para ir até o Memorial de Lincoln, o histórico local das grandes manifestações contra a segregação racial e contra a Guerra do Vietnã na década de 1960, e dar uma passada junto ao Capitólio.
A ideia foi da prefeita Muriel Bowser, que deu melhor proveito ao trecho da 16 Street que passa em frente da Casa Branca. A prefeita vem exigindo que Trump retire as tropas federais, já que está tudo na calma e inclusive já foi levantado, sem problemas, o toque de recolher e o estado de emergência.
Bowser ainda mandou pintar no asfalto, com letras garrafais, em amarelo, o nome da nova rua, e instalou uma placa com o nome, enquanto a Casa Branca cada vez parece mais uma fortaleza sitiada e Trump andou alargando o perímetro cercado.
No 12º dia do levante nos EUA de costa a costa contra o linchamento de Floyd e demais negros desarmados por policiais racistas que ficam impunes, ocorreu também o segundo velório em homenagem a ele, na Carolina do Norte, em Raeford, onde nasceu. Uma multidão, com o punho erguido, aplaudiu a chegada do caixão dourado de Floyd, e milhares fizeram fila para se despedir dele, protegidas por guarda-chuva em um dia de sol abrasador no sul do país.
Protestos e homenagens também em 600 cidades dos 50 estados segundo o Washington Post, as principais em Nova Iorque, Los Angeles, Filadélfia, Miami, Chicago, Seattle e Atlanta e com a mobilização já empolgando as pequenas cidades do interior.
Cinco dias depois de Trump apostar na cartada de jogar tropas militares contra os manifestantes, com seu ultimato aos governadores, ataque a uma manifestação pacífica no Parque Lafayette e ida à igreja St Paul para a ‘foto com a Bíblia’, o tiro saiu pela culatra, com quatro ex-secretários da Defesa e quase 90 ex-altos mandos repudiando a repressão, e o general James Mattis acusando-o de dividir os americanos, o que identificou com um objetivo nazista.
Até mesmo o secretário da Defesa de Trump, Mark Esper, se pronunciou contra lançar tropas militares sobre manifestantes, e o chefe de Estado-Maior, general Mark Milley, em carta reiterou que as forças armadas estavam com a “constituição” e os “valores americanos”.
O mais impressionante de tudo é – como apontou o reverendo Al Sharpton no adeus a Floyd em Minneapolis – que em vários locais há mais jovens brancos reivindicando que ‘vidas de negros importam’ do que os próprios negros. Não é mais uma consigna de negros oprimidos, mas de todas as pessoas de bom senso. Segundo as pesquisas, 70% são a favor das manifestações.
É também notável como uma explosão de revolta perante uma execução sumária racista e nove minutos de agonia chocantes, logrou avançar até um movimento capaz de se espraiar nacionalmente, isolar provocadores e oportunistas, dizer “basta” e frustrar as manobras fascistas de Trump.
Chama ainda atenção os inesperados gestos de convergência entre manifestantes e setores da polícia, especialmente o ajoelhar respeitoso criado pelo jogador de futebol americano Collin Kaerpernick, e que agora se tornou a negação ao joelho do homicida racista. Embora a regra haja sido em grande medida os excessos policiais, que não pouparam sequer um idoso branco de 75 anos.
Assim, entrou na ordem do dia a questão de que as forças policiais nos EUA não podem continuar como um tipo de patrulha da escravatura, agravado pela mentalidade de “zona de guerra” e “busca do inimigo” pós duas décadas de ocupação de países pobres.
A luta contra o racismo e por justiça nos EUA vem recebendo a solidariedade de muitos povos, com marchas no sábado em Londres, Paris, Berlim e Sydney. Na segunda-feira e na terça-feira, será a vez de Houston, no Texas, cidade onde se criou e viveu a maior parte de sua vida, prestar sua última homenagem a Floyd. Como disse sua filha caçula Gianna, de seis anos, “papai mudou o mundo”.