
Dois dias após os incêndios descontrolados na região de Atenas, que mataram 88 pessoas e praticamente destruíram o balneário de Mati, a 40 km da capital, a Grécia vela seus mortos e busca respostas sobre o que sucedeu. O total de feridos e queimados supera os 200. Os desaparecidos podem chegar a uma centena. A guarda costeira está ajudando nas buscas. “Mati já não existe”, afirmou Evangelos Bournous, prefeito de Rafina, uma cidade próxima, onde mais de 700 pessoas precisaram sair às pressas. Mais de mil prédios e 300 carros foram carbonizados durante a tragédia ali. Para George Vokas, outro sobrevivente que fugiu com a família para junto do mar, trata-se de uma “catástrofe bíblica”.
“Era como se estivéssemos em um filme de terror”, disseram sobreviventes, como descrito pelo site Keep Talking Greece. “O fogo golpeou como um lança-chamas”, afirmou Nikos Economopoulos, chefe da Cruz Vermelha na Grécia. Segundo ele, muitas vítimas inalaram grandes quantidades de fumaça e sofreram queimaduras.
Analistas denunciam que os cortes generalizados sob a Troika, que atingiram todos os setores da vida grega, também afligiram a capacidade de os bombeiros realizarem sua função, além da falta de verbas para a prevenção nas áreas florestais.
Os ventos atingiram entre 100-120 quilômetros por hora e, conforme uma testemunha, as chamas eram levadas como “se estivessem pulando”, queimando lotes e casas, mas não todos os arredores.
A fiscal do Tribunal Supremo grego ordenou uma investigação judicial, diante dos indícios de resposta oficial inadequada ou completa falta de um plano atualizado de evacuação, assim como inação diante das construções ilegais.
Os sobreviventes denunciaram que não houve qualquer aviso ou orientação sobre a evacuação. Um bombeiro, ouvido pelo El País, relatou que o tráfico havia sido “desviado até o mar quando o fogo se dirigia precisamente para lá desde a montanha”, com rajadas de vento de alta velocidade. Assim os carros se viram em um beco sem saída, com vítimas “morrendo encerradas dentro dos veículos”.
Ao Keep Talking, uma testemunha disse que “como em tempos anteriores, estávamos esperando por bombeiros e aeronave para controlar o fogo, mas desta vez foi diferente”. Outros sobreviventes afirmam que não houve qualquer orientação das autoridades, nem das bases militares que há na região: “ninguém nos avisou de nada”.
Conforme o porta-voz do governo grego, Dimitriz Tzanakpoulos, “mais de 15 incêndios começaram de forma simultânea em três frentes perto de Atenas e Mati”, o que levantou a indagação se não se repetiu o caso do Peloponeso de onze anos atrás, provocado criminalmente, e levou cinco pessoas à prisão condenados a dez anos.
Boa parte dos desaparecidos, segundo os bombeiros, são pessoas idosas, que pereceram dentro de suas casas. “Buscamos com muito cuidado e não podemos usar as mangueiras porque a pressão da água diluiria qualquer resto humano carbonizado”.
Uma família sobreviveu porque se trancou em casa, com todas as janelas fechadas. “Se tivéssemos saído, teríamos queimado em alta temperatura”, disse o pai. Mas perderam um vizinho e amigo. Uma adolescente e sua família abandonaram às pressas o prédio em que moravam e ficaram nas águas por duas horas, até serem resgatados. Outra mulher disse que o céu ficou amarelo entre as 17:30 e as 18:00. “Nós não conseguimos respirar. Nem mesmo quando estávamos no mar, não conseguíamos respirar”. Um pai ficou segurando seu bebê no mar por cinco horas.
Vários sobreviventes do incêndio dizem que a estrada para Atenas foi bloqueada e os motoristas foram desviados para a estrada costeira, que também foi bloqueada por um interminável engarrafamento e as chamas sobre suas cabeças. Nas ruas mais estreitas de Mati, muitas chegavam a estradas que terminavam em becos sem saída, outras bloqueavam os engarrafamentos.
No dramático relato do Keep Talking, às 17:39 da tarde da segunda-feira, o Chef do Hotel Royal Olympia Panos Kokkinidis postou um vídeo do incêndio que se aproximava em sua conta do Facebook. Quarenta minutos depois, ele postou: “se não houver milagre, as pessoas vão morrer”. “Para o chef Kokkinidis, não houve milagre. Ele e sua família morreram no incêndio”, concluiu.