Um incêndio na subestação da privatizada Copel de Bateias, em Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba (PR), provocou um apagão de grandes proporções na madrugada desta terça-feira (14), afetando 25 estados brasileiros e o Distrito Federal. Apenas Alagoas não registrou interrupções.
Segundo o Ministério de Minas e Energia, o fogo começou por volta de 0h30 em um reator de 500 quilovolts (kV), derrubando cerca de 10 mil megawatts (MW) de carga no Sistema Interligado Nacional (SIN) — rede que conecta praticamente todas as regiões do país. O incidente desligou completamente a subestação, desconectando os fluxos de energia entre as regiões Sul e Sudeste/Centro-Oeste, o que causou uma “contingência severa” no sistema.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) confirmou que “houve uma ocorrência no Sistema Interligado Nacional que provocou a interrupção de cerca de 10.000 MW de carga, afetando os quatro subsistemas: Sul, Sudeste/Centro-Oeste, Nordeste e Norte”.
Ainda segundo o ONS, “assim que identificou a situação, iniciou ação conjunta com os agentes para restabelecer a energia nas regiões”, e o retorno completo ocorreu entre 1h30 e 2h30 da madrugada.
O ministro Alexandre Silveira classificou o episódio como um “problema elétrico pontual” e negou falta de planejamento. Já a Copel, concessionária paranaense, afirmou que o incêndio foi controlado pelos bombeiros e não danificou equipamentos da própria empresa ou de outras companhias instaladas na área.
A Aneel determinou o envio de equipes de fiscalização à subestação e a abertura de processos de investigação para apurar as causas e responsabilidades. O blecaute atingiu todas as regiões do Brasil e, em alguns casos, comprometeu temporariamente serviços essenciais, como o abastecimento de água e o funcionamento de aeroportos.
SISTEMA INTERLIGADO E APAGÃO DA GESTÃO PÚBLICA
O último apagão de amplitude nacional havia ocorrido em 2023, atingindo 29 milhões de brasileiros. À época, a causa foi uma sobrecarga no SIN, o que reforça a fragilidade de um sistema que há anos vem sendo sucateado.
O Sistema Interligado Nacional (SIN) foi concebido para garantir eficiência e estabilidade, conectando o país de ponta a ponta. No entanto, nos últimos anos, o modelo vem sofrendo precarização, com redução de investimentos, falta de manutenção e priorização de ganhos privados em detrimento do planejamento técnico e da segurança energética.
Os sucessivos apagões evidenciam o efeito de um processo de privatização que esvazia a capacidade do Estado de fiscalizar e investir. Quando o serviço público é tratado como mercadoria, a consequência é previsível: instabilidade, falta de transparência e aumento do risco sistêmico.
O engenheiro eletricista Ikaro Chaves, considera que a deterioração da qualidade da prestação de serviço na distribuição de energia elétrica evidencia a falência do modelo do setor elétrico brasileiro, baseado na privatização e na regulação estatal do setor.
“Ano que vem, faz 30 anos que a primeira distribuidora foi privatizada, que foi a distribuidora do Espírito Santo. Já é tempo suficiente para a gente fazer uma avaliação desse modelo, se deu certo ou se não deu. E eu acho que está mais do que provado que ele não tem funcionado”, destacou Chaves.
“A questão principal aqui é que o modelo faliu. E por que o modelo faliu? Na verdade, porque é evidente: você está falando de um setor monopolista. Não é possível que a concorrência atue do ponto de vista de beneficiar o consumidor”, acrescentou.
O engenheiro ressalta que a regulação do setor, executada por uma agência reguladora – que tem como função defender o interesse público no modelo privatizado do setor – também tem se mostrado falha.
“O custo com mão de obra não pode ser incorporado à tarifa. Esse é um custo que tem de ser administrado pela empresa. E, pelo menos, a justificativa que a própria Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] coloca é que isso visa a aumentar a eficiência. E como a concessionária vai aumentar a margem de lucro? Ela só pode aumentar reduzindo despesa. Ela vai reduzir a despesa no pessoal”, diz Chaves.
Ele continua: “Esse modelo não tem funcionado. É um modelo que vai sempre no sentido da precarização do trabalho. E as pessoas esquecem que a manutenção é feita necessariamente por pessoas. Então, a manutenção preventiva, como a troca dos equipamentos, limpeza de isoladores, com a verificação, com termografia, enfim, toda manutenção preventiva é feita por pessoas”.
Veja as notas na íntegra:
Ministério de Minas e Energia
“Às 00h32min ocorreu perturbação de grande porte no Sistema Interligado Nacional, com desligamento de cerca de 10.000 MW de cargas, de forma controlada (por atuação do Esquema Regional de Alívio de Carga – ERAC). A ocorrência teve início em incêndio em reator na Subestação de Bateias (Paraná) que desligou toda a subestação de 500 kV, desinterligando as regiões Sul e Sudeste/Centro – Oeste, ocasionando contingência severa. O retorno dos equipamentos e a recomposição das cargas se deu de maneira controlada, logo nos primeiros minutos, sendo que até 1h30min todas as cargas das Regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro – Oeste foram restabelecidas. As cargas da Região sul foram recompostas totalmente por volta de 2h30min. O tempo de recomposição total foi inferior às ocorrências deste porte já ocorridas no SIN. Está programada para hoje reunião preliminar com os principais agentes envolvidos para identificar as causas e o ONS deverá realizar reunião preliminar de Análise da Perturbação para início de elaboração do Relatório de Análise da Perturbação – RAP até sexta-feira, 17/10”.
Sistema Interligado Nacional (SIN)
“O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) confirma que nesta terça-feira, 14 de outubro, às 0h32, houve uma ocorrência no Sistema Interligado Nacional (SIN) que provocou a interrupção de cerca de 10.000 MW de carga, afetando os quatro subsistemas: Sul, Sudeste/Centro-Oeste, Nordeste e Norte. A ocorrência teve início com um incêndio em um reator na Subestação de Bateias, no Paraná, desligando toda a subestação de 500 kV e ocasionando a abertura da interligação entre as duas regiões. No momento, a região Sul exportava cerca de 5.000 MW para o Sudeste/Centro-Oeste. Na região Sul houve perda de aproximadamente 1.600 MW de carga. Nas demais regiões, houve atuação do ERAC- Esquema Regional de Alívio de Carga. No Nordeste a interrupção foi da ordem de 1.900 MW, no Norte, de 1.600 MW e no Sudeste, de 4.800 MW. Assim que identificou a situação, o ONS iniciou ação conjunta com os agentes para restabelecer a energia nas regiões. O retorno dos equipamentos e a recomposição das cargas se deu de maneira segura, logo nos primeiros minutos, sendo que em até 1h30min todas as cargas das Regiões Norte, Nordeste, Sudeste/Centro – Oeste foram restabelecidas. As cargas da Região Sul foram recompostas totalmente por volta de 2h30min após a ocorrência. Uma reunião com os principais agentes envolvidos na ocorrência está programada para ser realizada ainda hoje. O ONS deverá realizar ainda uma reunião preliminar de Análise da Perturbação para início de elaboração do Relatório de Análise da Perturbação – RAP até sexta-feira, 17/10”.
Copel:
“A Copel informa que foi registrado um incêndio no reator de uma linha de transmissão, de propriedade e operado por Furnas, que fica localizado na área da Subestação Bateias, no município de Campo Largo, como parte do Sistema Interligado Nacional. O corpo de Bombeiros do Paraná controlou o incêndio. Nenhum equipamento da Copel nem de nenhuma outra empresa que fica instalada na Subestação Bateias foi danificado no episódio. Em razão da ocorrência, entrou em atuação o Esquema Regional de Alívio de Carga, um mecanismo de proteção que desliga automaticamente equipamentos do Sistema Interligado Nacional. A operação das instalações foi recomposta à medida que a situação foi controlada. Desligamentos no Paraná – A Copel informa que, em função da atuação do Esquema Regional de Alívio de Carga, 76 mil unidades consumidoras tiveram o fornecimento de energia interrompido em todas as regiões do Estado às 0h32. A maior parte delas, 42 mil, ficam na região Norte do Paraná. O Operador Nacional do Sistema (ONS) autorizou o restabelecimento 1h01”.