Órgão de fiscalização afirma que o grupo europeu Agrocortex é dona de 100% das terras mas registrou apenas 49% para burlar legislação brasileira. Madeireiros negam as irregularidades
Ultimamente têm vindo à tona notícias de grandes grupos econômicos que se mostram experts em dar golpes bilionários. Este foi o caso recente da Americanas, por exemplo, onde um rombo que chega a R$ 43 bilhões foi mantido em segredo pelos donos da empresa por um longo tempo. Pegos no trambique, eles alegaram que não sabiam de nada.
Agora assistimos a mais uma ilegalidade, desta vez de uma empresa europeia, a Agrocortex. A empresa é uma sociedade entre empresas europeias. São duas empresas espanholas (ADS e Kendall, ambas com sede em Madri) e duas empresas controladas por portugueses (R Capital, com sede em Sintra, e Agroview, empresa com sede no Brasil, que tem dois sócios: a Parcontrol, empresa com sede em Lisboa, e um empresário português).
Eles compraram na Amazônia uma extensão de terra com uma área de 190 mil hectares, maior do que a cidade de São Paulo. Esse porte de propriedade nas mãos de estrangeiros é proibido pela lei brasileira.
Os novos donos das terras simplesmente burlaram a legislação brasileira. Eles controlam 100% das terras, mas estão registradas oficialmente apenas 49%. A fraude foi descoberta e o Incra está pedindo a anulação de compra da fazenda pelo grupo estrangeiro.
A empresa Batisflor, que pertencia ao brasileiro Moacir Eloy Crocetta, era a proprietária original da terra. A Agrocortex comprou as terras da Batisflor em 2014 e 2016. A Agrocortex alega ser dona de apenas 49% do negócio. O Incra afirma que a empresa é dona de 100% das terras e celebrou um contrato de parceria de fachada com a Batisflor. A Agrocortex exporta madeiras nobres como mogno, cedro e jatobá.
Segundo o grupo estrangeiro, o sócio majoritário da empresa continua sendo o brasileiro Moacir Crocetta. O brasileiro que era dono das terras diz que não tem mais nenhuma ingerência sobre a propriedade. Por meio de sua defesa, ele afirma que concordou em vender toda a empresa para a Agrocortex. A venda foi por R$ 250 milhões. Das duas uma, ou a empresa europeia está mentindo ou o antigo proprietário figura apenas como seu testa de ferro.
A empresa europeia insiste na alegação de que não é dona de 100% das terras, apesar de mandar em toda a extensão da propriedade. Este tipo de situação esdrúxula faz lembrar as alegações do trio bilionário das Americanas, que citamos antes. O proprietários da gigante varejista dizem que não sabiam de nada sobre o rombo de R$ 40 bilhões no balanço da empresa. Acharam que o país fosse acreditar nesse tipo de conversa. Os europeus também acham que Incra vai acreditar que eles não são os donos verdadeiros das terras.
Na Junta comercial da região, os estrangeiros efetivamente continuam com apenas 49%. Mas a venda foi de 100%, diz a documentação apresentada ao Incra. Ou seja, eles mandam em 100% das terras, exploram toda a propriedade, mas oficialmente só detém 49% da propriedade.
O Incra recebeu uma denúncia anônima sobre o caso. Após analisar a documentação apresentada e solicitar parecer da Advocacia Geral da União, o Incra concluiu que a venda deve ser considerada nula, em ofício assinado em dezembro de 2022 pelo superintendente do Incra no Amazonas, João Batista Jornada. A empresa europeia nega as irregularidades.
A lei que restringe a aquisição de terras por estrangeiros é da década de 1970. O objetivo é garantir a soberania nacional e evitar a insegurança alimentar, diz José Heder Benatti, professor da Universidade Federal do Pará e especialista em Amazônia e regularização fundiária. A Agrocortex também vende créditos de carbono, que remuneram quem adota práticas sustentáveis, como o plantio de árvores, a fim de compensar as emissões de carbono de empresas compradoras.
A conclusão do Incra foi enviada ao Tribunal de Justiça do Amazonas e ao Ministério Público Federal em dezembro. É a Corregedoria do TJ que poderá declarar a venda da propriedade como nula. O MPF deve analisar eventuais prejuízos à sociedade. A Corregedoria ainda não tomou uma decisão sobre o caso. Para comprar a fazenda de maneira legal, seria necessário ter autorização do Incra. Para isso, a empresa precisaria fazer o pedido ao Incra com a documentação da fazenda e apresentar um projeto de exploração da terra aos órgãos competentes.