Indígenas de várias etnias e populações quilombolas e ribeirinhas, intensificaram, nesta segunda-feira (20), a ocupação da sede da Secretaria de Estado da Educação do Pará (Seduc-PA). O protesto, iniciado em 14 de janeiro, é pela revogação da Lei nº 10.820/2024, aprovada no final de 2023 pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa).
Se implementado, afirmam as lideranças indígenas, o projeto ameaça a continuidade do Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) e do Somei (que atende aos povos originários. Também ampliaria as dificuldades do acesso ao ensino formal nas comunidades indígenas, ao introduzir um sistema de Educação à Distância, alegam.
A nova lei que dispõe sobre o Estatuto do Magistério do Pará, cita apenas o Some e não menciona nada sobre o funcionamento do Ensino Modular Indígena, segundo o “Amazônia Real”. Por conta disso, os indígenas pleiteiam a sua anulação. Eles pedem a manutenção dessa modalidade, que garante o ensino médio presencial em comunidades remotas. O programa atende ainda a outras populações carentes de infraestrutura para frequentar uma escola regular. A iniciativa resulta de uma parceria entre o município e o governo estadual.
“A educação aos indígenas sempre foi precarizada”, afirma Kauacy Wajãpi, conselheira de Cultura Indígena do Estado do Pará. Não se tem escolas dentro das comunidades. Enfrentamos dificuldades de acesso para chegar às escolas. São rios, matas, trilhas, estradas. “Em muitos lugares”, continua, as crianças saem de madrugada para chegar na escola”. “E quando temos escolas nas comunidades, faltam professores qualificados que falem nossas línguas. A comunicação é sempre mais difícil”, prossegue.
A falta de fornecimento regular de energia elétrica em muitos locais dificulta a integração digital, o que representa um desafio para a implementação do ensino à distância pelo governo estadual. De acordo com o IBGE, o Pará é o terceiro estado brasileiro com menor acesso à internet, superando apenas Maranhão e Piauí.
“Não estamos nem aparelhados para essas mudanças”, afirma Kauacy. “É meio de mata. Muitas não têm energia e nem internet. Vão colocar roteador? É essa a solução? E quem vai explicar para o jovem as dúvidas sobre o conteúdo? A TV?”, questiona. “A alfabetização de base precisa de olho no olho, precisa ser presencial”, defende a conselheira.
A situação descrita, analisam as lideranças, reflete uma estratégia política que visa o esvaziamento dos territórios indígenas, em consonância com ações que buscam enfraquecer o espaço vital para esses povos. O avanço do agronegócio, a exploração de mineradoras — tanto clandestinas quanto regulamentadas — e a contaminação dos rios com mercúrio são exemplos claros desse processo”, sustentam.
“Tudo isso está interligado. A lei 10.820/2024 se encaixa nesse contexto, pois, na ausência de educação nas comunidades, os jovens são levados a buscar aprendizado nas cidades”, diz Kauacy. “Isso resulta no esvaziamento gradual de seu território. Já perdemos terras, a floresta está sendo desmatada, e os rios estão poluídos. A educação também faz parte desse cenário de fragilização”, conclui.
O governo do Pará, liderado por Helder Barbalho (MDB), agiu com hostilidade contra os manifestantes. Há informações de corte de energia elétrica e não disponibilização de acesso a coisas elementares como água e comida, segundo o “Amazônia Real”.
Jornalistas foram impedidos de entrar no espaço pela Polícia Militar. Uma liminar judicial foi expedida para garantir que os advogados que representam os indígenas acessassem o prédio da secretaria, de acordo com o portal.
Para os indígenas, o Governo do Pará não tem credibilidade. “Mesmo que o governo fale que para povos indígenas não vai ter ‘aquela televisão’, a gente não acredita no governador, a gente não acredita no governo, ele mente muito”, diz Auricélia Arapiuns, presidenta do Conselho Deliberativo da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e coordenadora do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (CITA). “Sai por aí fazendo propaganda enganosa. De um estado inexistente, de que está tudo bem com os povos indígenas. Ele usa nossa imagem para ter visibilidade. Apenas isso”, critica.
Na última sexta-feira (17), o Ministério Público Federal solicitou à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC) informações sobre a posição da União em relação ao modelo de aulas telepresenciais proposto pelo Governo do Pará para comunidades rurais e ribeirinhas.
O Brasil possui quase 820 mil indígenas que integram 305 etnias e falam 274 diferentes línguas. Desse total, 305.873 mil estão na Amazônia. O Pará, com uma população de cerca de 40 mil indígenas, é o terceiro da região com o maior número de habitantes.