Na manhã desta terça-feira (30), guaranis da Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo, bloquearam a Rodovia dos Bandeirantes, no sentido São Paulo, contra a votação do PL 490/2007, que pretende estabelecer um marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Iniciado às 5h50, o bloqueio permaneceu durante esta manhã. Na pista da rodovia, os indígenas entoavam cantos indígenas, montando cordões com escudos de bambu. Pela manhã, eles estavam na altura do Km 20 da rodovia com faixas contra a PL 490. A lentidão chegou até Jundiaí.
Rodovia dos Bandeirantes bloqueada contra o PL 490!
Neste momento, nossas comunidades guarani do estado de São Paulo ocupam a Rodovia dos Bandeirantes para denunciar um projeto de lei de morte para os povos indígenas. pic.twitter.com/JC8k7q9WXH
— Comissão Guarani Yvyrupa (@yvyrupa) May 30, 2023
Ao final da manifestação, indígenas foram reprimidos pela Polícia Militar com gás lacrimogêneo lançados por agentes que sobrevoavam o ato com um helicóptero.
De cima do viaduto, os policiais sequer esperaram uma indígena que estava passando mal ser carregada por seus companheiros para seguirem atirando.
O helicóptero da PM baixou até tão próximo das pessoas que andavam em direção a entrada da aldeia que, em meio a ventania que causava, cortou troncos grandes de uma árvore que caíram a cerca de 5 metros de altura. Mesmo depois de todos abrigados na aldeia, o helicóptero segue sobrevoando a comunidade. Ao menos cinco indígenas estão feridos.
NÃO AO PL 490! Todo nosso apoio a luta dos povos Indígenas contra o Marco Temporal.
Vídeo 1: manifestação justa, legítima e pacifica dos indígenas Guarani em SP
Vídeo 2: resposta da PM 🤬🤬🤬 pic.twitter.com/xG9Wl9BU7V
— MTST (@mtst) May 30, 2023
O grupo ateou fogo na via para denunciar a proposta, depois apagado pelos funcionários da concessionária que administra a rodovia, que pode inviabilizar as demarcações de terras indígenas e enfraquecer a proteção de áreas já demarcadas. O PL teve urgência aprovada na última quarta-feira e pode ser votado nesta terça pela Câmara dos Deputados.
“O marco temporal é inconstitucional, e ignora o caráter originário do direito dos povos indígenas às suas terras de ocupação tradicional. Se for aprovado, na prática irá impedir as demarcações de TI e legitimar as violências do passado contra os povos indígenas.”, diz a Comissão Guarani Yvyrupa no Twitter.
MOBILIZAÇÃO GERAL CONTRA O PL 490
A Comissão Guarani Yvyrupa convoca suas bases para mobilização geral na próxima terça-feira (30/5), contra o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que pretende impor a tese do marco temporal às demarcações de Terras Indígenas. pic.twitter.com/krAiwW6IG5— Comissão Guarani Yvyrupa (@yvyrupa) May 29, 2023
Na última segunda (29), os guaranis de São Paulo fizeram atos no Largo São Francisco, na região central da cidade, e uma grande vigília na Terra Indígena Jaraguá começou no fim da tarde. Segundo eles, novos atos devem ser realizados em todo o país para que essa lei não seja aprovada.
A urgência sobre a votação do PL 490 foi aprovada no dia 24 deste mês, o que acelerou a tramitação do projeto de lei. Se aprovado pela Câmara, o texto segue para o Senado.
O escritório da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos na América do Sul manifestou, na segunda, preocupação com projetos do Congresso Nacional que podem afetar as causas indígenas. Cobrou as autoridades brasileiras sobre “medidas urgentes em prol dessas populações, conforme as normas internacionais de direitos humanos”.
Segundo a ONU, as iniciativas legislativas do Congresso Nacional “arriscam enfraquecer a proteção dos povos indígenas no Brasil”.
Em entrevista ao portal Brasil de Fato, Thiago Karai Djekupe, do povo Guarani Mbya, da TI Jaraguá explica que nas últimas semanas, o Congresso Nacional vem concentrando seus esforços para criar projetos de leis que ferem as leis de preservação da Mata Atlântica e de proteção às terras indígenas.
“O Congresso fez um extremo retrocesso em relação às políticas indigenistas da Funai propostas pelo governo Lula, também fez um ataque direcionado aos Ministérios dos Povos Indígenas para prejudicar nossos processos de demarcação e ainda colocou para votação em emergência a PL 490, que traz a tese do marco temporal como projeto de lei, mesmo o marco temporal já tendo sido pautado para vir a julgamento no STF no próximo dia 7. O Congresso criou essa estratégia para criar uma situação de conflito e pressão no julgamento do marco temporal e para nos expor a essa situação de violência”, analisou.
Tamikuã Txihi Kerexu falou sobre o simbolismo de promover o ato na Rodovia dos Bandeirantes. “O povo guarani está aqui lutando pela vida e dizendo ‘não’ aos retrocessos que vêm para nos matar. Nosso povo originário estava antes da chegada dos colonizadores. Então, estar aqui hoje, nesta rodovia que leva o nome de um bandeirante que cortou a terra indígena para fazer uma rodovia, é simbólico. Estamos aqui pela nossa mãe terra, pela natureza, pelo nosso povo, pelas nossas crianças que são o nosso futuro”, explicou também na entrevista.
“Somos tratados pelo Estado brasileiro, há mais de 523 anos, como invasores dos territórios. Nós não estamos invadindo, nós somos filhos dessa terra, nossa ancestralidade e antepassados aqui estavam e por isso estamos resistindo”, argumentou Tamikuã Txihi Kerexu.
“Estamos dando uma resposta ao Congresso que votou contra os povos originários. Por isso dizemos ‘não’ a esse PL que é da destruição. E também para dar uma resposta ao retrocesso no Ministério dos Povos Originários que tira o direitos dos indígenas serem protagonistas da própria história, mais uma vez o Estado brasileiro, junto com essa cúpula, que nos tutelar por meio de PL, não basta matado os povos indígenas por esse período de cinco séculos”, acrescentou.
INCONSTITUCIONALIDADE
A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), órgão superior vinculado à Procuradoria-Geral da República (PGR), divulgou nesta segunda-feira, nota pública reafirmando a inconstitucionalidade do Projeto de Lei (PL) 490/2007.
A proposição, que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados, busca alterar o estatuto jurídico das terras indígenas ao introduzir o requisito do marco temporal de ocupação para os processos de demarcação.
Na nota, o MPF chama atenção para a impossibilidade de se alterar o estatuto jurídico das terras indígenas (disciplinado pelo artigo 231 da Constituição) por lei ordinária. Além disso, os direitos dos povos indígenas, em especial à ocupação de seus territórios tradicionais.
“A Constituição garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo a tradicionalidade um elemento cultural da forma de ocupação do território e não um elemento temporal. Fixar um marco temporal que condicione a demarcação de terras indígenas pelo Estado brasileiro viola frontalmente o caráter originário dos direitos territoriais indígenas”, destaca a nota.