“Com o terceiro maior spread bancário do mundo e a segunda maior taxa de juros real, o financiamento torna-se um obstáculo quase intransponível, sobretudo para as pequenas e médias empresas, limitando significativamente os investimentos em inovação e em pesquisa e desenvolvimento”, alerta Rafael Lucchesi, diretor da Confederação Nacional da Indústria
RAFAEL LUCCHESI*
A importância da indústria para a sociedade vai muito além do produto ofertado. Por ser diversificada e com amplo poder de encadeamento produtivo, a indústria mobiliza diversas atividades ao longo de sua produção. Além disso, é o setor que mais investe em inovação e paga os melhores salários – responde por 2/3 dos investimentos empresariais e paga salários quase 30% superior à média nacional no caso de trabalhadores com ensino superior –, contribuindo de forma ímpar para a geração de riqueza.
De 1950 até os anos 1980, o setor foi o motor do crescimento de uma economia que alcançou padrões globais de competitividade. A participação da indústria no PIB elevou-se de 25%, em 1950, para 48%, em 1985, passando a compreender toda a gama da atividade industrial existente nos principais países industrializados.
Desde então, ocorreram ondas intensas de retrocesso da participação industrial. Não por acaso, a economia brasileira como um todo apresentou taxas de crescimento inferiores às da economia mundial, a despeito dos avanços dos setores agropecuário e de serviços brasileiro.
Na última década, entre 2013 e 2023, o PIB brasileiro apresentou crescimento de apenas 0,5% ao ano, em média. No mesmo período, a agropecuária cresceu 3,3% ao ano; os serviços cresceram 0,8% ao ano, enquanto a indústria de transformação encolheu 1,8% ao ano, em média.
As razões para a dificuldade da indústria passam pelos problemas do ambiente de negócios brasileiro. A indústria é hoje o setor que carrega o maior peso de tributos. Em 2023, a indústria total representou 25,5% do PIB brasileiro, com a indústria de transformação representando 15,3%.
Não obstante, respondeu por 31,5% da arrecadação de tributos federais, enquanto a indústria de transformação respondeu sozinha por 23%. Esse número contrasta diretamente com a contribuição da agropecuária para a arrecadação, de 0,7% do total, apesar de sua participação de 7,1% no PIB.
Ainda mais alarmante é a realidade do crédito no país. Com o terceiro maior spread bancário do mundo e a segunda maior taxa de juros real, o financiamento torna-se um obstáculo quase intransponível, sobretudo para as pequenas e médias empresas, limitando significativamente os investimentos em inovação e em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Essa restrição se reflete diretamente na produtividade e na competitividade internacional das indústrias nacionais.
O Brasil fez uma escolha bem-sucedida ao apostar no agronegócio. O Plano Safra – hoje uma política perene, em seu vigésimo ano – deve disponibilizar, em 2024/2025, R$ 476,6 bilhões para financiamento dos produtores rurais. Eles também contam com a estrutura de ponta da Embrapa, criada em 1973, e com a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), criada em 2004, e que hoje tem um estoque de R$ 460 bilhões em recursos captados. O resultado desse esforço é um agro globalizado, que se destaca no crescimento da produtividade.
Essa escolha de futuro do país precisa compreender a indústria, que agrega valor ao produto do agronegócio. A bem verdade, um país com a 7ª maior população do mundo e dimensões continentais como o Brasil não pode prescindir de um setor tão fundamental no seu processo de desenvolvimento. É nisso que apostam hoje as principais economias do mundo, como os EUA, Reino Unido, Japão e União Europeia, ao anunciarem planos de investimentos trilionários.
Não existiu na história melhor momento para o investimento na indústria brasileira. A posição privilegiada do Brasil no tabuleiro da transição verde global, com sua biodiversidade sem par e uma matriz energética majoritariamente limpa, colocam-no em destaque como um polo para atração de investimentos sustentáveis.
A reforma tributária e a iniciativa da Nova Indústria Brasil (NIB) são passos na direção correta. No entanto, para alcançar a verdadeira transformação do setor industrial, são necessárias medidas mais abrangentes e perenes.
O Plano Mais Produção (P+P), que centraliza os recursos financeiros da NIB, prevê a aplicação de cerca de R$ 100 bilhões anuais até 2026 na promoção da produtividade, inovação, exportações e de uma indústria mais verde. A indústria aguarda ainda a efetivação de medidas como a lei de depreciação acelerada, que incentivará a renovação do parque industrial, e a implementação da Letra de Crédito ao Desenvolvimento (LCD), que deve dinamizar o financiamento para a expansão e inovação industrial.
A transição energética global é uma corrida não apenas contra o tempo e as mudanças climáticas, mas também contra as deficiências estruturais internas de cada país. Para o Brasil, o potencial existe, mas exigirá uma abordagem estratégica mais sofisticada e uma vontade política clara para vencer seus desafios históricos, alinhar-se com as melhores práticas internacionais e aproveitar plenamente sua posição singular na era verde que se inicia.
*Rafael Lucchesi é Diretor de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
Reproduzido da CNI.
O artigo foi publicado originalmente no Poder 360 em 21/11/2024