Ex-banqueiro Sunak é o terceiro premiê conservador em menos de um ano; antecessora Truss e seu pacote de arrocho só duraram 45 dias, em meio ao caos na economia, inflação descontrolada, protestos e greves.
“Basta de dança das cadeiras no topo do governo”: os partidos de oposição britânicos exigiram na segunda-feira (24) a convocação de eleições gerais para tirar o país da crise, a mais grave em décadas, enquanto o Partido Conservador, depois da substituta de Boris Johnson não durar 45 dias no poder, anunciava seu terceiro primeiro-ministro em menos de um ano, o ex-ministro da economia e ex-operativo do Goldman Sachs, Rishi Sunkar, de ascendência indiana.
O novo premiê, que foi pinçado de uma reunião da bancada parlamentar conservadora depois da desistência de outros nomes, animou seus pares chamando a aprovação de seu nome de “chance” para os tories “evitarem o extermínio”, segundo registrou o jornal Independent.
Ao cair do cargo de premiê, madame Truss, que se pretendia uma reencarnação de Margareth Thatcher, só tinha 10% de aprovação, segundo as pesquisas. Um abaixo assinado online por ‘eleições já’ obteve 400 mil assinaturas.
O plano econômico kamikaze de Truss conseguiu a façanha de desagradar a todos, de operários até especuladores, por derrubar a libra esterlina e quase quebrar fundos de pensão, ao propor o corte de impostos dos mais ricos bancado com endividamento público e arrocho dos gastos sociais via congelamento dos recursos – sob a maior inflação em 40 anos e com contas de energia na estratosfera, efeito colateral das sanções contra a Rússia.
Tudo isso em meio a uma onda de greves e de protestos no país inteiro clamando “congelem os lucros, não as pessoas”.
Antes de desistir de voltar a Downing Street 10, no esforço para se cacifar o boquirroto Boris Johnson se gabou de estar “em uma posição única para evitar uma eleição geral agora”. Quanto ao que esperar do novo governo, Sunak se limitou a admitir que “enfrentamos um profundo desafio econômico” e que sua “maior prioridade” será unir seu desacreditado partido e “o país”.
GRÃ BRETANHA NÃO VOTOU NELE
Em um vídeo de repúdio à nomeação de Sunkar, o Partido Trabalhista denunciou que “o público britânico não votou em tirar o financiamento às áreas carentes. Não votou em Liz Truss. O país não votou nesse orçamento kamikaze, ou seu plano para fazer o povo pagar por ele. O público britânico não votou para quebrar a economia. E a Grã Bretanha não votou nele [Sunak]. A Grã Bretanha não tem como aturar mais os tories. Eleições gerais já!”.
Ainda segundo o maior partido de oposição, Sunkar chega ao poder “sem dizer uma única palavra sobre como governaria o país e sem que ninguém tivesse a chance de votar”.
“Precisamos de uma eleição geral – agora”, afirmou o líder do trabalhismo, Keir Starmer, após sublinhar que os conservadores, com seus 12 anos de fracassos, “não têm um mandato para colocar o país em mais um experimento – a Grã-Bretanha não é seu feudo pessoal para governar como quiserem”. Devemos ter “a chance de um novo começo”, conclamou.
Angela Rayner, vice-líder trabalhista, também chamou a uma “eleição geral” e admoestou o novo primeiro-ministro por “se esquivar do escrutínio e falta de mandato”. “Este é o mesmo Rishi Sunak que, como ministro da Economia, não conseguiu fazer a economia crescer, não conseguiu controlar a inflação e não ajudou as famílias sob a crise do custo de vida dos conservadores”, denunciou.
O líder liberal-democrata Ed Davey disse que os parlamentares conservadores “instalaram outro primeiro-ministro do nada sem nenhum plano para reparar os danos”, enquanto a primeira-ministra escocesa Nicola Sturgeon exigiu que Sunak convocasse “uma eleição geral” antecipada e “não desencadeasse outra rodada de austeridade.”
O colíder dos Verdes Escoceses, Patrick Harvie, como registrou o jornal Morning Star, disse que os ministros “destruíram a economia e agora tentarão fazer com que os mais vulneráveis paguem por isso”. A nomeação de Sunak será música “apenas para os ouvidos de seus amigos super-ricos”, acrescentou.
ÀS URNAS, EXIGEM SINDICATOS
A imperiosa necessidade de uma eleição geral que faça o país enfrentar a crise econômica em curso também ecoou entre os sindicatos, que também rechaçam o nome de Sunkar.
A secretária geral da principal central sindical inglesa (TUC), Frances O’Grady, afirmou que o que a Inglaterra precisa é de um governo que aumente salários e coloque mais dinheiro nos bolsos das famílias trabalhadoras, bem como proteja “nossos serviços públicos”, ao invés de cortar impostos dos ricos. “É assim que paramos a recessão que se aproxima e protegemos as famílias nesta emergência de custo de vida”, destacou.
A secretária geral da Unison, Christina McAnea, alertou que a mudança de premiê “não fará a menor diferença. O público está farto da dança das cadeiras no topo do governo. Se Rishi Sunak está tão confiante de que tem as respostas para os problemas do Reino Unido, ele deveria ir às urnas agora”.
O secretário-geral do sindicato dos Serviços Públicos e Comerciais, Mark Serwotka, disse que sua categoria, que atualmente está votando a realização de uma greve nacional, precisa de um aumento salarial após anos de queda do salário líquido. Ele também exigiu o cancelamento dos “planos desumanos para eliminar 91 mil empregos no serviço público”. “Nossos membros, que já estão lutando, agora enfrentam contas mais altas, aumentos de hipotecas e uma crise de custo de vida”, ressaltou.
Por terem maioria no parlamento, e com as pesquisas dando uma vantagem de 30 pontos para os trabalhistas se houver antecipação, os conservadores não querem uma eleição agora de jeito nenhum, o que só irá levar água ao moinho da crise política. Pelo sistema eleitoral britânico, convocação da antecipação das eleições (previstas para até janeiro de 2025) só com a concordância do chefe de governo, ou após dissolução do parlamento, depois de moção de censura ao governo aprovada.
FAMÍLIA QUE SONEGA UNIDA
Por seu papel durante a pandemia, onde foi o responsável pelo enorme pacote de suporte às empresas e aos cidadãos durante o lockdown, Sunkar não é tão queimado quanto madame Truss, cujo principal charme antes de ser eleita foi sua disposição de ir à guerra nuclear aos russos malvados, mesmo sem saber o que diferencia o Mar Negro do Mar Báltico.
Mas tem telhado de vidro, como ficou exposto em abril deste ano, quando veio à tona que sua esposa, a herdeira de um bilionário indiano do Big Tech, Akshata Murty, não pagava impostos. O próprio Sunak foi acusado de beneficiário de fundos em paraísos fiscais nas Ilhas Virgens Britânicas e nas Cayman em 2020, segundo o Independent.
“É o mesmo Rishi Sunak cuja família evitou pagar impostos neste país antes de ele colocar impostos sobre todos os demais”, ironizou a vice-líder trabalhista Rayner, sobre a ascensão a premiê.
Em função dessas denúncias, e para aliviar a pressão sobre o marido, Murty anunciou que começaria a pagar impostos do Reino Unido sobre os ganhos que tem no exterior. Antes das denúncias, seu status fiscal era de “não domicílio” na Grã Bretanha.