A declaração final do II Fórum da “nova Rota da Seda” afirma compromisso de “promover a paz, desenvolvimento e direitos humanos; cooperação mutuamente benéfica e honrar a Carta da ONU para atingir um crescimento forte, sustentável e equilibrado”
“A iniciativa do Cinturão e Rota começou na China, mas suas oportunidades e resultados são compartilhados em todo mundo. É um projeto de longo prazo, uma causa justa para todos os parceiros”, afirmou o presidente chinês Xi Jinping no II Fórum da ‘nova Rota da Seda’, que reuniu em Pequim líderes de 37 países e 150 delegações estrangeiras de 25 a 27 de abril.
O I Fórum aconteceu há dois anos, e os participantes querem o evento passe a ocorrer regularmente. Inspirada na Rota da Seda da Antiguidade, que criou intercâmbio entre as civilizações na Ásia, Europa e África há dois mil anos, a chamada Iniciativa Cinturão e Estrada (BRI, na sigla em inglês) se tornou um símbolo de um mundo multilateral e de desenvolvimento compartilhado.
Ou, como os chineses gostam de dizer, “cooperação ganha-ganha”. O projeto inclui redes digitais de alta velocidade, portos, estradas, ferrovias de alta velocidade e redes de gasoduto, a que se somarão centros de distribuição e parques industriais.
Os acordos assinados nos três dias do II Fórum chegaram a US$ 64 bilhões, mas o projeto, pensado para 40 anos, é o maior plano de infraestrutura já lançado no planeta, várias vezes maior do que o famoso Plano Marshall (em dólares atualizados), tido como responsável por reerguer a economia europeia no pós-guerra. Nos últimos cinco anos, os investimentos, segundo o jornal chinês Global Times, chegaram a US$ 460 bilhões.
Entre os presentes, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, o presidente russo Vladimir Putin, o primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte, o presidente suíço Ueli Maurer, o presidente português Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente sérvio Aleksandar Vucic, o primeiro-ministro paquistanês Imran Khan, o presidente chileno Sebastian Pinera, o primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed Ali, o presidente egípcio Abdel Fattah al Sisi, o primeiro-ministro de Singapura Lee Hsien Loong e a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde. 90 organizações internacionais também participaram.
HOSTILIDADE DOS EUA
Os EUA e alguns satélites seguem hostilizando a BRI, enquanto Berlim e Paris discutem um posicionamento conjunto dos europeus sobre o projeto. Países como Itália, Portugal, Hungria, Grécia e Sérvia já participam.
Embora a implementação propriamente dita deva começar em 2021, uma série de importantes obras na Ásia e na África começam a mostrar seus frutos. A Índia ainda não aderiu – em parte porque uma das rotas da BRI – o Corredor Econômico do Paquistão – passa pela contestada Caxemira.
Em sua abordagem o presidente Xi assinalou que o projeto da Nova Rota da Seda precisa estar embasado “na sustentabilidade da dívida, no crescimento com proteção ambiental e na tolerância zero à corrupção”.
Xi acrescentou que o plano adotará “regras e padrões amplamente aceitos” no mundo inteiro, que serão cobrados das empresas participantes, da licitação ao desenvolvimento e operação.
“As leis dos países participantes devem ser respeitadas e temos a necessidade de assegurar a sustentabilidade comercial e fiscal de todos os projetos”, assinalou o presidente chinês.
Uma resposta à pressão do regime Trump, que acusa Pequim de estar montando uma ‘armadilha de dívida’ para os países que aderem à iniciativa.
O que é o cúmulo do cinismo, partindo de um país cujos bancos extorquiram o planeta inteiro e causaram a década perdida da crise da dívida nos anos 1980 e, em 2008, desencadearam com sua ganância e incúria o crash que abalou o mundo.
Xi também cobrou das empresas chinesas que sejam rigorosas na aprovação de projetos, que devem atender “os interesses da população local”.
SUSTENTABILIDADE E MENOS POBREZA
Para isolar as pressões de Washington, no Fórum o governo chinês enfatizou que irá garantir a “transparência” nos projetos, mas também sublinhou que a chamada “sustentabilidade da dívida” de longo prazo deve ser avaliada levando em conta “a melhoria da infraestrutura, a melhoria da produtividade, os aumentos dos padrões de vida e a redução da pobreza”.
Pequim também se dispôs a quaisquer renegociações que se façam necessárias com os países parceiros. Como já feito no caso da Malásia, em que o veterano primeiro-ministro Mahatir Mohamed obteve redução de 30% no custo da ferrovia em construção na costa leste do país.
Entre as várias rotas terrestres e marítimas do projeto, há as ligações desde a China até a Inglaterra, já operando; o porto de Gwandar, no Paquistão, que servirá como elo de ligação no Índico; ferrovias de alta velocidade na Rússia; e linhas férreas recém construídas na África (Djibuti-Adis Abeba e Mombaça-Nairobi).
Assim que estiver pronta, a ligação ferroviária de alta velocidade entre Moscou e Pequim fará o tempo de viagem cair de cinco dias para 30 horas. Uma ferrovia entre Budapeste e Belgrado está em construção, assim como uma que liga a China ao Laos e outra, à Tailândia. O maior túnel da Ásia Central já está operando desde 2016, no Uzbequistão. O Egito mantêm expectativas sobre a zona industrial em instalação em paralelo à passagem da nova Rota da Seda. O China Daily registrou que o porto de Pireus na Grécia, após arrendado por uma empresa chinesa, passou do 93º lugar para o 36º no mundo na movimentação de containers.
Segundo o Banco Asiático de Desenvolvimento, controlado pelo Japão e pelos EUA, só na Ásia serão necessários investimentos de US$ 1,7 trilhão em infraestrutura até 2030.
O que leva grandes corporações norte-americanas a fazerem de conta que não ouviram o que a Casa Branca está dizendo, para abocanharem um naco dos fornecimentos para essas obras de grande vulto.
PUTIN SINALIZA A CONVERGÊNCIA
Foi o discurso do presidente Putin que melhor sinalizou a importância da iniciativa Cinturão e Estrada e evidenciou a convergência do processo de reintegração euroasiático (no antigo espaço soviético) com a iniciativa da China, país que, como registrou é “a maior economia do mundo hoje em termos de paridade de poder de compra”.
“Deixem-me enfatizar que a grande parceria euroasiática e os conceitos Cinturão e Estrada ambos têm raízes nos princípios e valores que todos entendem: a aspiração natural das nações a viverem em paz e harmonia, o benefício das últimas conquistas científicas e desenvolvimento inovadores, enquanto preservando sua cultura e identidade espiritual única. Em outras palavras, nós estamos unidos por nossos interesses estratégicos, de longo prazo”.
“Eu acredito fortemente que um enfoque amplo que compreenda ambos os conceitos nos ajudará a fortalecer a cooperação econômica mais ainda dentro do continente, a desenvolver infraestruturas compartilhadas de transporte e energia e a promover a tecnologia digital. Dessa forma, a integração servirá aos interesses dos nossos povos e de todas as nações euroasiáticas no mais alto grau”
“A Rússia está interessada na cooperação mais próxima com todos os parceiros eurasiáticos com base nos princípios inabaláveis do respeito pela soberania, direitos e legítimos interesses de cada estado, e é com base nesses princípios que estamos construindo a União Econômica Euroasiática com nossos parceiros – Armênia, Bielorrusia, Casaquistão e Kyrgystão”.
FUTURO COMPARTILHADO
O chamado ‘Cinturão’ está voltado para ligar a China à Europa, através de duas rotas, pela Rússia e pela Ásia Central; ainda, conectar a China ao Golfo Pérsico (petróleo) e ao Mar Mediterrâneo; além de ao Sudeste Asiático, ao Sul da Ásia e ao Oceano Índico.
Já a rota marítima é projetada para ir da costa da China à Europa através do Mar da China Meridional e do Oceano Índico, e ao Pacífico Sul através do Mar do Sul da China. Mais recentemente, está havendo a integração com o projeto russo da Rota do Norte no Ártico, que propiciará um trajeto mais curto e econômico desde a China até o norte europeu.
Do ponto de vista da China, a nova Estrada da Seda significa especialmente o desenvolvimento das províncias ocidentais, mais pobres, ao mesmo tempo em que propicia nova demanda para a gigantesca indústria chinesa, aprofunda vínculos econômicos com as nações europeias, asiáticas e africanas, e debilita a tentação, por círculos do Pentágono, de, numa crise, bloquear o estreito de Malaca, que liga o Oceano Índico ao Oceano Pacífico, hoje imprescindível para manter a China abastecida. Também abre caminho para avanços da alta tecnologia chinesa, como o 5G da Huawei.
Consolida ainda laços com os países do sudeste asiático (Asean), reforça o Tratado da Organização de Shangai – a que recentemente se somaram Índia e Paquistão e, em breve, o Irã – e o apoio chinês ao sofrido continente africano. E se abrem as possibilidades de desdobramento em direção à América Latina – que se espera não virem um “ir às compras” das corporações chinesas, arrematando barato o que a direita no poder na região quer leiloar.
Mas, acima de tudo, o projeto representa que a via do diálogo e do respeito ao direito internacional – tão vilipendiada nos anos de ouro do ‘excepcionalismo norte-americano’ – se fortalece.
É o que expressa a declaração aprovada no II Fórum, que reitera que “promover a paz, desenvolvimento e direitos humanos, cooperação mutuamente benéfica, e honrar os propósitos e princípios da Carta da ONU são nossas responsabilidades comuns; atingir um crescimento forte, sustentável equilibrado e inclusivo e melhorar a qualidade de vida do povo são nossas metas comuns; criar um mundo próspero e pacífico com um futuro compartilhado é nossa aspiração comum”.
ANTONIO PIMENTA