(In)justiça britânica emite ordem de extraditar o jornalista Assange aos EUA
O Tribunal de Magistrados de Westminster formalizou nesta quarta-feira (20) a decisão de extraditar o fundador do WikiLeaks, jornalista e mais conhecido preso político do planeta, Julian Assange, para os Estados Unidos, e a enviou à secretária de Interior, Priti Patel, a quem caberá a decisão final.
A decisão da (in)justiça britânica implica na entrega ao regime de Washington e à CIA do jornalista que o mundo inteiro admirou ao revelar os crimes de guerra dos Estados Unidos no Iraque e Afeganistão – inclusive o famoso “assassinato colateral” – documentado pelo próprio Pentágono, o ataque de helicóptero que massacrou 11 civis em Bagdá, entre eles dois jornalistas da Reuters, bem como a tortura em Guantánamo.
Por ter feito isso, está prestes a ser conduzido à infame ‘corte da CIA’ no Estado da Virgínia, sujeito a 175 anos de cárcere por “espionagem” e “hackeamento”. O pedido de extradição foi feito pelo governo Trump e mantido por Biden, que inclusive apelou – e ganhou – contra decisão de primeira instância favorável ao jornalista.
A ordem foi emitida em uma breve audiência no Tribunal de Magistrados de Westminster, assistida por Assange via link de vídeo desde a prisão de Belmarsh, a ‘Guantánamo britânica’, onde está preso há três anos.
“Hoje foi apenas uma formalidade, mas ainda me sinto mal com o que está acontecendo. O Reino Unido não tem o direito de extraditá-lo para os EUA e, além disso, as obrigações internacionais exigem que essa extradição seja interrompida. Não mande Julian para um país que vai matá-lo”, disse a esposa de Assange, Stella.
Ela exortou o primeiro-ministro britânico Boris Johnson e a ministra do Interior Priti Patel a “tomarem a decisão certa aplicando o quarto artigo do tratado internacional entre os EUA e o Reino Unido, que se refere à proibição de extradição por crimes políticos. Este caso é de natureza política, assim como a assinatura do juiz”.
O advogado de Assange disse, por sua vez, que o tribunal assinou a “sentença de morte” para o fundador do WikiLeaks. “A vida de Assange está agora nas mãos da ministra Patel e de Boris Johnson. Só eles têm a capacidade de parar isso, salvar a vida de uma pessoa e parar o ataque à imprensa livre”, resumiu o advogado.
O editor-chefe do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, disse que, ao emitir a ordem de extradição, o Tribunal de Magistrados de Westminster assinou a sentença de morte de Assange. Manifestantes se reuniram às portas do tribunal para repudiar a ordem de extradição, com a presença do ex-líder trabalhista Jeromy Corbin, que tinha ao lado Stella, e o pai de Assange, John Shipton.
De acordo com o WikiLeaks, a equipe de defesa de Assange tem até 18 de maio para contestar a decisão e fazer representações à ministra Priti Patel antes que esta tome sua decisão final.
É incomum uma corte superior derrubar uma sentença de tribunal inferior favorável ao réu nesses casos de extradição. A decisão de primeira instância contra a extradição reconhecera o risco de suicídio caso Assange fosse trancafiado sob as draconianas condições prisionais nos EUA.
Em dezembro, a defesa de Assange contestara a decisão da Alta Corte, mostrando que que as garantias dos EUA de não mantê-lo na solitária ou sujeitá-lo a tortura psicológica não eram confiáveis – e citando a insuspeita Anistia Internacional.
Note-se ainda que, ao apresentar – aliás, tardiamente – as garantias, depois da sentença contra a extradição na primeira instância, os EUA explicitamente se reservaram o “direito” de revogar tais garantias a qualquer momento, a seu julgamento. Ou seja, as garantias que encantaram os emperucados de Londres não garantem nada nos calabouços da CIA.
A decisão também ignorou abundantes registros na mídia de que Washington por várias vezes avaliou assassinar Assange, em pelo menos duas administrações diferentes.
Como o WikiLeaks tem reiterado, as acusações contra Assange são politicamente motivadas e “representam um ataque sem precedentes à liberdade de imprensa e ao direito do público de saber – buscando criminalizar a atividade jornalística básica”.
Ainda mais, legalizam a extraterritorialidade das leis americanas sobre jornalistas em qualquer canto do planeta. Ao realizar suas atividades de jornalismo, Assange jamais esteve sob jurisdição dos EUA.
Por mais de uma década, Assange foi perseguido e submetido a uma operação de ‘assassinato de reputação’, conforme denunciou o Relator Especial da ONU sobre Tortura, Nils Melzer, até ser arrancado da embaixada do Equador, onde se asilara para escapar de extradição aos EUA, como denunciou, o que agora é evidente que era verdade.
No mês passado, a advogada Stella Moris casou com Assange (com quem tem dois filhos pequenos) na prisão de Belsmarsh.
Os autores materiais e os mandantes do crime de guerra em Bagdá, exibido ao mundo por Assange, seguem impunes, e a atrocidade sequer foi investigada sob a jurisprudência de Nuremberg.