Galgando mais alguns graus de ridículo, relatórios recém divulgados pelo ‘Comitê de Inteligência’ do Senado dos EUA revelaram, entre outras assombrosas descobertas, que 57% das tuitadas que supostamente teriam interferido nas eleições eram em russo… (idioma muito falado entre as massas dos EUA) e que o grosso de tal “interferência” foi após 2016. Os dois relatórios foram, naturalmente, recebidos com fanfarras pelo New York Times e pelo Washington Post.
É do Post a revelação de que “a intensidade geral de postagem em todas as plataformas” teve “um pico durantes os seis meses após o dia da eleição de 2016” e ainda acrescenta que houve um crescimento “particularmente pronunciado no Instagram, que passou de cerca de 2.600 postagens por mês em 2016 para quase 6.000 em 2017” .
O “novo relatório sobre a desinformação russa”, conforme o Post, mostraria a “escala e amplitude da operação” para “quebrar o processo político americano e acirrar tensões sobre questões sociais que geram divisão”.
O Post também revela uma das 20 principais páginas da interferência russa no Facebook nas eleições: a do Jesus Army, Exército de Jesus. Pode-se perguntar o que os “Russos” ou a página estariam querendo com a “mensagem contra o vício da masturbação”, que proclama que (sic) “não há como manter as mãos estendidas para Deus quando se está masturbando”. (Será a sério?) E acrescenta uma hotline, em caso de “necessidade de ajuda”. Deve ser para alistar garotos branquelos, nerds e virgens sabe-se lá para que causa… Talvez, agentes de Moscou?
Já o New York Times se dedicou a desvendar como os malvados racistas russos ficaram fazendo lavagem cerebral de negros americanos, para que não fossem votar. Como se sabe, os negros americanos estavam cheios de razões para lotar filas diante das urnas: o primeiro presidente negro da história só cuidou dos bancos e dos 1%, policiais racistas matavam adolescentes negros desarmados e ficavam impunes, Detroit faliu, as fábricas foram embora, o salário mínimo está congelado há dez anos, e a candidata era Hillary.
Num país onde o apartheid acabou há 50 anos, onde “frutos estranhos” – os negros linchados – pendiam das árvores, e onde há um encarceramento em massa de negros, desproporcional, e até hoje existe a supressão do voto negro e os guetos não acabaram, quem precisa de um russo, lá de São Petersburgo, para dizer que a coisa está fedendo?
Essas alegações – com absurdos como os assinalados – foram compiladas com base nas postagens do que a mídia ligada ao establishment tem chamado de “fábrica de trolls de São Petersburgo”, oficialmente conhecida pela sigla IRA (Agência de Pesquisa na Internet).
Os relatórios foram executados respectivamente pela consultoria New Knowledge (Novo Conhecimento) e pela empresa inglesa Graphika mais um grupo da Universidade de Oxford, a partir das informações fornecidas pelo Google, Youtube, Facebook e Twitter.
A New Knowledge descreve a si própria como uma “equipe especializada em defesa contra desinformação”, cujo co-fundador e chefe de operações, Ryan Fox, passou 15 anos na NSA. O executivo-chefe, Jonathan Morgan, é ex-assessor do Departamento de Estado sobre “contraterrorismo digital”.
Quanto a chamarem uma “equipe de Oxford” e uma empresa de “pesquisa” inglesa para darem pitaco sobre o palpitante tema, os britânicos costumam ser muito ativos em ajudar no que podem os amigos americanos, como visto lá atrás, naquelas falsificações para ajudar W. Bush a invadir o Iraque, e mais recentemente, com o “relatório Steele”, pago por Hillary.
Como se vê, tudo gente muito isenta e com uma metodologia muito acurada. O relatório da Oxford se sai com a seguinte pérola: que os dados do Twitter são de “contas que se acredita que são operadas pelo IRA”. Como tuitou Dan Cohen, “em outras palavras, há zero de provas”.
Outra indecência é que, ao asseverar que houve uma “desinformação em massa dos russos” para levarem “os afro-americanos a não irem votar”, sub-repticiamente atribuem aos negros, e não à péssima candidata, a derrota para um desclassificado como Trump.
Como diz o internauta Michael Tracey: “de absolutamente todas as montanhas de propaganda produzidas a cada ciclo eleitoral, supõem que temos de acreditar que a minúscula fração de coisa russa (provavelmente 0,000001% do total da propaganda produzida) foi de alguma forma decisiva. Ninguém jamais conseguiu explicar como, mesmo remotamente, isso faça sentido”.
Aliás, interferência, mesmo, em eleições é o que fizeram o presidente Bill Clinton, salvando com dinheiro, marketeiros e esquemas de corrupção ao bebum Yeltsin, o que mereceu capa da Time, e o (finado) senador McCain e a subsecretária Nuland distribuindo notas de cem dólares e biscoitos aos neonazistas na Praça Maidan. Ou, indo mais longe no tempo, a Operação Brother Sam, em certo país, para evitar eleições em 1965 – e, antes, o IPES-IBAD.
ANTONIO PIMANETA