“Documento cujo teor parece se tratar de ensaio para discurso preparado para eventual subversão do Estado Democrático de Direito”, diz o relatório do delegado da PF, Daniel Brasil
Durante as investigações sobre a tentativa de golpe de Estado de Jair Bolsonaro e seus auxiliares, a Polícia Federal encontrou na sala que o ex-presidente ocupava na sede do PL um texto que, segundo a PF, tratava-se do discurso pós-golpe.
O texto termina da seguinte maneira: “Com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro Estado de Sítio e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”.
Havia junto ao discurso, também segundo a PF, um parecer jurídico que justificava a convocação das Forças Armadas para anular o resultado das eleições e até a proposta de trocas de ministros do TSE. “Documento cujo teor parece se tratar de ensaio para discurso preparado para eventual subversão do Estado Democrático de Direito”, diz o relatório do delegado da PF, Daniel Brasil, sobre o que foi encontrado nas buscas.
O “parecer jurídico” era de Ives Gandra e afirmava que as Forças Armadas são o poder moderador.
O “princípio da moralidade” foi a base do “discurso”. Na interpretação do autor do discurso pós-golpe, o “princípio da moralidade” se aplicava inclusive às eleições. Nesse ponto, entra o parecer jurídico encomendado, que também estava na sala de Bolsonaro no PL e foi apreendido pela PF dentro de uma pasta com símbolo do partido na capa.
O texto de Gandra cita, sem revelar os nomes, que três ministros do TSE deveriam ser afastados. Tratava-se de Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Ricardo Lewandowski. Sem apresentação de provas, o pretexto dos golpistas era de que a eleição foi desequilibrada por causa de decisões da Justiça Eleitoral. O documento apresentava três nomes de ministros substitutos: Nunes Marques, André Mendonça (ambos indicados por Bolsonaro) e Dias Toffoli.
O jurista de extrema direita escreveu que militares podem atuar em casos de subversão do Estado democrático de Direito. Esse dispositivo, rejeitado pelo próprio STF, na avaliação de Gandra, poderia ser posto em prática quando abusos da Justiça e de grupos de mídia influenciam o resultado de uma eleição.
Gandra escreveu que um interventor deveria ser nomeado e que o Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal estariam subordinados a ele. O documento alega ter havido abusos cometidos pelo STF para justificar o golpe que pedia o cancelamento das eleições perdidas por Bolsonaro.
O golpe previa também o assassinato do presidente Lula, do vice, Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Relativo à administração pública, o princípio estabelece que os agentes públicos devem atuar de acordo com os preceitos éticos, além de cumprirem a lei. Ele é citado no começo do texto e, na interpretação de quem escreveu o discurso apreendido, permite contestar uma decisão judicial tomada com amparo da lei caso ela ocorra com intuito autoritário – algo que o bolsonarismo acusa o STF de praticar.
Eram cinco as situações usadas como pretexto para justificar a intervenção militar pretendida pelos golpistas:
1) Alexandre de Moraes ser presidente do TSE e, de acordo com o discurso, ter amizade com Geraldo Alckmin, vice na chapa de Lula;
2) Decisões ilegítimas restringindo prerrogativas de jornalistas e parlamentares. (Bolsonaro reclamava de medidas judiciais contra deputados e blogueiros que espalhavam fake news);
3) O TSE não investigar acusação do PL de algumas rádios não veicularem propaganda eleitoral de Bolsonaro. (Análises técnicas refutaram a denúncia);
4) O Ministério da Defesa não ter acesso ao código-fonte das urnas. (Peritos militares examinaram as urnas e não encontraram falhas);
5) Revisão do “trânsito em julgado”. (Não há menção, mas Lula foi condenado e posto em liberdade por falhas no processo).