Entidades como a SBPC, Andifes e Academia Brasileira de Ciências divulgaram carta em defesa da liberação dos recursos não reembolsáveis do Orçamento de 2021
Mesmo com a crise sanitária sem precedentes, o governo federal mantém bloqueados os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico do Orçamento da União, com graves prejuízos ao país, ao desenvolvimento científico e tecnológico e à população.
Em 2020, os gastos do governo Bolsonaro atingiu o menor nível de recursos em ciência e tecnologia de pelo menos uma década. O dado é confirmado por estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) ao apontar que, no ano passado, R$ 17,2 bilhões foram destinados para o setor. Em 2009, em valores corrigidos pela inflação, o setor público investiu R$ 19 bilhões.
O corte de verbas, que vai desde um orçamento esprimido para o Ministério da Ciência e Tecnologia, até o bloqueio de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico (FNDCT), cria problemas pontuais e de longo prazo para o país.
No que diz respeito à pandemia, o arrocho nos investimentos barrou pesquisas importantes sobre testes, vacinas e remédios para enfrentamento da Covid-19. Para a economia e recuperação da crise, menos recursos significam menos tecnologias capazes de alavancar a produção.
Segundo Fernanda Nigri, pesquisadora do Ipea responsável pelo estudo, os gastos do governo Bolsonaro recuaram 37% em termos reais sobre o nível de investimento de 2013 – ano em que houve um pico nos investimentos.
“Depois de mais de uma década de um ciclo relativamente consistente de ampliação, os investimentos em C&T chegaram em 2020 a um nível inferior ao observado em 2009”, diz um trecho do documento. Em 2013, o gasto havia sido de R$ 27,3 bilhões.
“Praticamente toda a pesquisa brasileira realizada em empresas, universidades ou instituições de pesquisa é financiada com os recursos desses três fundos (CNPq, Capes e FNDCT). Mesmo as instituições de pesquisa vinculadas ao Ministério da Ciência, ou a Fiocruz e a Embrapa, acabam necessitando de recursos adicionais de pesquisa e recorrendo aos editais do FNDCT, bem como a bolsas de pesquisa e formação do CNPq e da CAPES”, diz o texto.
Juntos, FNDCT, CNPq e Lattes já chegaram a responder por 40% de toda a verba para a ciência na União — hoje, a fatia é de 28%. As instituições dispõem hoje do mesmo valor que tinham no começo dos anos 2000, quando a quantidade de pesquisadores, universidades e empresas que desenvolviam pesquisa no Brasil era bem menor que a atual, segundo o levantamento.
“Se você pegar só os fundos cuja finalidade principal é financiar a pesquisa — FNDCT, Capes e CNPq — o recurso deles caiu para níveis do início dos anos 2000”, disse Fernanda Nigri para reportagem do Estadão. “Obviamente isso tem impacto muito forte do ponto de vista da formação de cientistas, que você para de formar; e vai ter impacto grande na nossa capacidade de produção de conhecimento no futuro”, observa.
RECURSOS BLOQUEADOS
A falta de recursos em 2020, além da dotação menor, foi bastante agravada pela retenção do FNDCT, que representa o principal mecanismo de financiamento de ciência e tecnologia no país. Por pressão de entidades do setor, o bloqueio chegou a ser proibido pelo Congresso Nacional, mas hoje, cerca de R$ 2,7 bilhões do que deveria ser aplicado do fundo em 2021 continuam travados. Quando da sanção do Orçamento deste ano, Bolsonaro desrespeitou lei complementar aprovada semanas antes pelo Congresso e bloqueou R$ 5 bilhões do FNDCT através de um mecanismo de contingenciamento.
A verba está sendo liberada aos poucos, mas direcionada para os projetos que o governo escolhe, contrariando a autonomia dos órgãos de pesquisa. Metade do valor total foi alocado para projetos reembolsáveis para empresas privadas, por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que cobra juros absurdos.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), uma das entidades que se mobilizaram pela liberação do fundo, assinou nota conjunta com outros órgãos do setor reivindicando ao ministro Marcos Pontes a liberação dos recursos não reembolsáveis.
Na quarta-feira (25), o Comitê Executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), com as entidades do Fórum Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), divulgaram uma carta solicitando a liberação dos recursos não reembolsáveis do Orçamento de 2021. O documento também requer que no máximo 15% dos recursos do FNCDT em 2022 sejam alocados para créditos (recursos reembolsáveis).
FUGA DE CÉREBROS
Para o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, “o Brasil de 2021 não cabe no Brasil do início dos anos 2000”. “Não só porque cresceu a população do país, mas porque cresceu a população de estudantes universitários, que passou de cerca de 3 milhões para 8 milhões. Temos muito mais necessidades e muito mais produção hoje”, declarou Janine, professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-ministro da Educação.
Segundo Ribeiro, a falta de investimento em pesquisa intensifica a “fuga de cérebros”, ou seja, a emigração de brasileiros com alto nível educacional.
“Isso significa que a sociedade pagou muita coisa delas, inclusive o mestrado e o doutorado, e a gente entrega esse pessoal pronto, de graça, para os países ricos. O que é uma medida muito estúpida, equivocada. Hoje, os produtos econômicos que têm mais valor são os que têm ciência embutida neles. E a gente está transferindo de graça a ciência na cabeça dos nossos cientistas”, disse Ribeiro para reportagem do Estadão.
Outros cortes tiverem como efeito o desmonte de órgãos como o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) – responsável pela plataforma Lattes, que recentemente sofreu uma pane, e sob a tutela do Ministério da Ciência e Tecnologia – e da Capes, vinculada ao Ministério da Educação.