A coluna a seguir é de Finian Cunningham, articulista irlandês que já escreveu para os jornais Irish Tmes, The Mirror e Independent e hoje tem colunas publicadas nos portais Sputnik, Press TV e Russia Today. Originalmente intitulada “Enquando EUA eleva força militar, Irã mostra liderança com diplomacia regional”, foi publicada no portal RT. Segue a nossa tradução. N.B.
Quando a história do presente enfrentamento entre Estados Unidos e Irã, no Golfo Pérsico, for escrita, os acadêmicos do futuro poderão anotar como foi que Teerã salvou aqueles dias de uma guerra total através de um trabalho de aproximação diplomática com seus vizinhos da região.
Este final de semana, o que se viu foram as irresponsáveis oscilações norte-americanas que resultaram em mais deslocamento de força militar ao Oriente Médio já atingindo algo próximo aos 70.000 soldados.
O presidente Trump despachou mais esquadrões de caças, navios de guerra e mísseis que, diz, são para “proteção” contra as alegadas ameaças iranianas. Ele também assinou uma venda de US$ 7 bilhões em armas para a Arábia Saudita citando “uma emergência” contra as alegadas ameaças do Irã. Teerã condenou a última escalada de força dos EUA como “altamente perigosa”.
DIPLOMACIA IRANIANA
Ao mesmo tempo e de forma contrastante, os diplomatas iranianos se engajaram em uma série de viagens chamando todos os países da região a cooperarem, mantendo a segurança mútua. O ministro do Exterior iraniano, Mohammad Javad Zarif, ao visitar o Iraque dirigiu-se a todos os países do Golfo Persa pedindo que adotem um pacto de não-agressão. Antes, Zarif também levou sua mensagem ao Paquistão. Ao mesmo tempo, o vice-ministro iraniano, Abbas Araghchi, está em visita ao Kuwait, Omã e Qatar, esta semana, levando adiante a mesma ideia de contenção.
As aberturas diplomáticas do Irã podem ter sido um ponto de inflexão.
Podem nações que viram anteriormente relações bilaterais com o Irã distorcidas por tensões religiosas entre concepções xiitas e sunitas colocar estas divisões sectárias de lado e trabalharem juntas pela preservação da paz na região?
Se elas poderem crescer para se colocarem à altura do momento, a solidariedade resultante seria um revés para a dominação de Washington no Oriente Médio, com os norte-americanos tentando isolar o Irã de seus vizinhos com repetidas e usualmente infundadas denúncias de “agressão” pelo Irã e por xiitas contratados. Essencialmente, táticas de dividir para dominar.
Um sinal do potencial da nova cooperação regional foi visto durante a visita de Zarif ao Iraque neste fim de semana. O primeiro-ministro do Iraque, Adel Abdul Mahdi, destacou que seu país está com o Irã em face da intimidação militar norte-americana. Bagdá já alertou, na semana passada, que não permitiria o uso de seu território para quaisquer ataques ao Irã.
Os líderes iraquianos também enfatizaram que as sanções de Washington contra o Irã prejudicaram a economia do Iraque. Foi afirmado a seguir que o desenvolvimento das transações econômicas entre os dois países vizinhos é inevitável e não pode ser detido por pressões dos EUA sobre Bagdá para isolar Teerã.
O Iraque tem ligações próximas com o Irã devido a que o xiismo é popular nos dois países. Mas os laços culturais e políticos são muito maiores do que os religiosos. O Irã, em 2014, ajudou o Iraque a suprimir uma ameaça a sua segurança nacional, partindo de grupos ligados ao terror da Al Qaeda. O Irã conseguiu enviar seu apoio através de forças populares xiitas. Estas forças tornaram-se parte indispensável da restaurada situação de relativa segurança. Outros países da região observaram como o Irã salvou o Iraque do caos – um caos que a invasão por parte dos Estados Unidos e uma década de ocupação do país, desde 2003, foi amplamente responsável por gestar.
Irã compartilha conexões históricas milenares com outros países vizinhos. A divisão teológica sunita-xiita tem origem nos primeiros dias do Islã, no século VII. Mas foi apenas recentemente que esta divisão se tornou um tóxico cisma sectário com uma dinâmica interna de violência. Para muitos muçulmanos, esta dicotomia sectária é lamentável e deplorável, estes têm a visão de que todos os integrantes do islamismo são irmãos e irmãs, independente de identidade formal sunita ou xiita.
Observadores do Oriente Médio destacam que o sectarismo tóxico cresceu depois da revolução iraniana em 1979 quando as forças norte-americanas foram expulses do Irã, junto com o ditador fantoche, o Xá. Como uma via para fazer retroceder a revolução iraniana, foi Washington e seu cliente, o regime sunita linha dura na Arábia Saudita, que fomentaram as tensões e antipatias em direção ao Islã xiita. A versão wahabita do islamismo adotada pelos monarcas sauditas que vilifica os xiitas como “infiéis” que deveriam ser levados à morte é distinta de outros ramos do sunismo. Esta é uma parte das razões que levaram a propaganda belicista norte-americana contra o Irã a ser vista como instrumento útil em mãos dos autocratas sauditas.
No entanto, apesar da constante propaganda liderada pelos EUA para demonizar o Irã como “patrocinador do terror”, as relações regionais não foram irreparavelmente envenenadas. O Irã tem mantido relações razoáveis com, por exemplo, o Kuwait, Omã e Qatar. Negócios iranianos e laços familiares têm integrado a malha que relaciona as sociedades do Golfo Persa, com a notável exceção da Arábia Saudita cujos déspotas fundamentalistas e seu culto e crenças wahabitas veem o Irã como um inimigo.
O bloqueio pelas nações do Golfo lideradas pelos sauditas contra o Qatar foi lançado em 2017 – e está em andamento, ainda que para isso tenha que ser abanado para que não se torne inefetivo – aconteceu devido a que os monarcas sauditas acusaram Doha de “se aproximarem demais do Irã”. O governo Trump apoiou inteiramente, de início, as hostilidades sauditas contra o Qatar em sua mentalidade irrefletida de confronto com o Irã. No entanto, a Casa Branca tem, desde então, de forma discreta, advogado, junto às demais nações do Golfo, uma normalização das relações, percebendo que o impacto econômico do bloqueio liderado pelos sauditas sobre o Qatar tem causado muito transtorno, mas é contraproducente.
Eis um caso clássico de como a obsessão com relação ao Irã só tem servido para emperrar as economias regionais e suas relações, o que não está de acordo com os interesses da região.
EUA É O FATOR DE DESESTABILIZAÇÃO DO ORIENTE MÉDIO
A região do Oriente Médio, com sua ciência histórica, deve perceber que os séculos de herança islâmica transcendem as décadas recentes de conflito sectário baseado em uma divisão sunita-xiita crispada que tem sido inflamada por razões geopolíticas. Os países da região devem estar percebendo, nestes instantes, que aquele que impõe a desestabilização não é o Irã – que tem conferido milênios de influência benigna – mas sim Washington.
A devastação e o trauma que Washington tem infligido ao Oriente Médio estão aí para que todos vejam. Desde suas guerras ilegais e invasões, até a exacerbação de tensões sectárias e o patrocínio de cultos terroristas para agirem como tiradores de castanhas do fogo na tentativa de assegurarem mudanças de regime. Isso, sem mencionar a execrável supressão dos direitos nacionais dos Palestinos através do apoio a um regime israelense de ocupação ilegal com décadas de apoio militar massivo e ambígua submissão política a Israel.
A Síria – uma nação de múltiplas expressões religiosas e culturais – foi quase destruída pelos EUA e sua clientela de regimes sectários coniventes. Foi o Irã, junto com a Rússia, que intervieram para salvar a Síria de uma iminente desgraça. O Irã também teve uma missão similar no Iraque.
IRÃ-IRAQUE
É por isso que o atual clamor do Irã por cooperação e solidariedade regional entre todas as nações – independente de maiorias ou rótulos xiitas ou sunitas – pode ser a iniciativa salvadora diante do presente enfrentamento com os EUA. Se um número suficiente de países aderirem ao entendimento que emergiu esta semana do encontro Irã-Iraque, então as ambições norte-americanas de incitamento a um conflito podem ser decisivamente checadas.
Iraque e Irã – dois países que foram à Guerra nos anos 1980, em grande parte, incitados por intrigas norte-americanas com o intuito de derrotar a revolução iraniana – estão agora demonstrando uma nova realidade de solidariedade potencial no Oriente Médio.
Além do que, uma solidariedade regional de novo tipo, não baseada em afiliações partidárias de bases religiosas, mas, ao contrário, em interesses compartilhados de vizinhança, podem significar um afastamento positivo da interferência perniciosa norte-americana que há já tempo excessivo tem prejudicado o Oriente Médio.