
Jair Bolsonaro não digeriu muito bem o noticiário do Jornal Nacional na sexta-feira (23) á noite sobre o panelaço que se espalhou pelo Brasil durante sua fala em rede nacional, para tentar explicar os desmatamentos e o fogaréu na Amazônia.
No dia seguinte, irritado, ele requentou uma notícia de quase dois anos atrás, divulgada pelo site The Intercept Brasil, de que o jornalista Merval Pereira, colunista de “O Globo”, teria recebido R$ 375 mil por uma palestra contratada pelo Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) do Rio de Janeiro.
Em entrevista na frente do palácio da Alvorada, acusou Merval de ter recebido R$ 375 mil do Senac do Rio de Janeiro para proferir uma palestra. O Intercept já havia dito, quando da divulgação da matéria, que eram 15 palestras, mas Bolsonaro insistiu em sua versão.
“Acabei de postar aí uma matéria sobre o Merval Pereira. Palestra por R$ 375 mil, tá legal? Tá ok?”, disse Bolsonaro, antes de ameaçar a imprensa: “Se vocês não fizerem nenhuma matéria sobre isso amanhã nos jornais, eu não dou mais entrevista para vocês, tá legal? Tá combinado? Toda a imprensa, tá combinado?”
Antes de falar, Bolsonaro realmente já havia postado contra o jornalista em seu perfil do Twitter: “Você contrataria um palestrante para sua empresa pagando R$375.000? Se contratar o dinheiro é seu e ninguém tem nada a ver com isso, tá ok? Mas, Merval Pereira, colunista do O Globo, em 24/03/16, pela empresa MPF Produções e Eventos, recebeu do SENAC/RJ, R$375.000 por uma palestra”.
A resposta de Merval veio através de sua coluna em “O Globo” de domingo (25). O jornalista explicou que foi de fato contratado pelo Sebrae. Os R$ 375 mil seriam, entretanto, para conceder, não uma, mas 15 palestras, num programa da Fecomércio do Rio chamado Mapa Estratégico do Comércio, da Fecomércio do Rio.
“O projeto previa 15 palestras em diversas cidades do Estado do Rio, analisando as perspectivas políticas e econômicas naquele ano de eleições municipais. Os R$ 375 mil de que fala o presidente, portanto, não se referem a uma palestra, mas às 15 previstas para os anos de 2016 e 2017”, escreveu o jornalista.
Bolsonaro considerou que o assunto não foi tratado como ele queria pela imprensa e se recusou a dar entrevista no dia seguinte. Com um exemplar de O Globo na mão, ele voltou a atacar: “Como ninguém publicou nada sobre o Merval Pereira, eu falei que não ia dar entrevista, então não vou dar entrevista. Não sei porque, mas quando é com o colega de vocês, não sai nada”, disse ele.
De acordo com vários juristas, Bolsonaro poderia responder a um processo no STF (Supremo Tribunal Federal) por suas declarações. “Se o Merval se sentiu ofendido, ele tem o direito de processar Bolsonaro por difamação”, afirmou o advogado criminalista Fernando Castelo Branco, professor de direito penal na PUC-SP. Para ele, a declaração de Bolsonaro se enquadra no Art. 139 do Código Penal Brasileiro, no capítulo de “Crimes contra a Honra”.
O advogado constitucionalista Marcellus Ferreira Pinto explicou ao site UOL, que só Merval pode processar Bolsonaro sobre o assunto e ele tem seis meses para fazer isso. Por conta do cargo, Merval teria que mover a ação no STF (Supremo Tribunal Federal).
“Neste caso, caberia a Corte decidir se julga Bolsonaro durante seu mandato ou se acolhe a queixa-crime e congela sua tramitação. Se isso ocorrer, ele será julgado pela Justiça comum apenas depois de deixar o cargo de presidente. Se a Corte entender que o crime cometido contra Merval esteve relacionado à função presidencial, ela repassa a queixa-crime para a Câmara dos Deputados. “Precisa que dois terços dos parlamentares autorizem a abertura de um processo no Supremo”, diz Ferreira Pinto.