“Neste momento nós devíamos buscar a possibilidade de termos a independência econômica, investindo em educação, ciência e cultura”, mas nós estamos vendo toda essa possibilidade naufragar por conta das escolhas políticas que estão sendo feitas por este governo” , diz a diretora
O projeto “Cinema com Partido – Mostra democrática”, da União Municipal de Estudantes Secundaristas de São Paulo (Umes-SP), recebeu no último sábado (28), no auditório do Cine-Teatro Denoy de Oliveira, no Bixiga, região central de São Paulo, a cineasta Isa Albuquerque, diretora do filme “Ouro Negro”, exibido na mostra. O debate sobre o filme, com uma forte presença de estudantes, girou em torno do resgate da história dos pioneiros da luta pelo petróleo no Brasil.
“Meu trabalho é uma tentativa de compreender esse país tão vasto, tão grande e tão fascinante que é o Brasil com suas diversas facetas”, disse Isa, ao iniciar a discussão. Ela agradeceu o convite da Umes-SP, disse que gosta de fazer filmes políticos e anunciou o lançamento para breve do documentário “Codinome Clemente”, sobre a ALN (Aliança Libertador Nacional), organização que lutou contra a ditadura militar.
Sobre seu filme “Ouro Negro”, ela afirmou que “essa é uma história de cobiça, uma história de sonhos e uma história de soberania nacional de homens que pensaram o país como nação”.
Isa denunciou que “hoje a gente está com objetivos esfacelados”, numa referência às recentes propostas de venda dos campos de petróleo do pré-sal e da privatização da Petrobrás, anunciadas pelo governo Bolsonaro.
“Neste momento nós devíamos buscar a possibilidade de termos a independência econômica, investindo em educação, ciência e cultura”, mas nós estamos vendo toda essa possibilidade naufragar por conta das escolhas políticas que estão sendo feitas por este governo”, observou.
“Estamos vivendo a intensificação desse jogo político que cerca essa riqueza que é o petróleo”, avaliou a diretora maranhense, que reside no Rio de Janeiro, e não para de pensar em fazer cinema. Ela também diz que não desiste de buscar os caminhos para que o Brasil possa se desenvolver com soberania e independência.
“O filme”, prosseguiu a artista, “procura buscar entender por que, com tantas potencialidades, o Brasil continua tendo tantas dificuldades de conquistar sua soberania como nação, de como conseguir elevar o padrão de vida desse povo”.
Houve uma intensa discussão, durante a época retratada no filme, sobre a existência ou não de petróleo no Brasil.
Os trustes norte-americanos tentavam convencer os brasileiros de que não havia petróleo em terras brasileiras. Naquela época ainda não se pensava que ele podia estar nas águas oceânicas de nosso litoral.
Os representantes das multinacionais do petróleo sabotavam todas as nossas pesquisas. Para isso, não se furtavam inclusive de usar de assassinatos. E continuam a fazer isso até hoje. Uma semana antes, a UMES exibia o filme “O Caso Mattei”, do italiano Francesco Rosi, relatando o assassinato, em 1962, do diretor da estatal italiana ENI, que enfrentou o cartel das sete irmãs.
Os trustes tinham [e têm] interesse em impedir o nosso desenvolvimento, para ficarmos dependentes deles. Isa destacou que, quando lança suas lentes para uma realidade como esta, “eu tento entender que forças são essas que nos oprimem e o que é que está por trás da grande política que é feita no país”.
O longa metragem, lançado no Brasil em 2010, revela com rara beleza e grande intensidade a saga dos primeiros desbravadores que acreditavam nas potencialidades do Brasil.
Uma história emocionante fala da vida e da luta dos homens e mulheres que travaram uma batalha heroica contra as dificuldades financeiras impostas a um país da periferia do capitalismo acrescidas dos obstáculos interpostos pelos representantes dos trustes internacionais. Trustes estes, que à época, se infiltravam nos órgãos do governo e corrompiam autoridades.
Assassinatos, suborno, chantagens e todo tipo de bandidagens eram utilizados pelos representantes das petroleiras estrangeiras para impedir que o Brasil desenvolvesse a sua indústria do petróleo.
Tudo isso está no filme, que também mostra a justeza da visão adotada pelo governo Getúlio, após a revolução de 1930, ao decidir nacionalizar a exploração do petróleo e tornar pública a propriedade do subsolo brasileiro. Este foi um golpe decisivo nos interesses que a Shell e a Exxon tinham no Brasil.
Pode-se também entender, através do minucioso trabalho de Isa Albuquerque, os conflitos entre pequenos empreendedores da nascente indústria do petróleo nacional, personificados na figura lendária de Monteiro Lobato, e o governo, no início da chamada “era Vargas”. Diferente daqueles, Getúlio compreendia bem que só o Estado tinha a força capaz de enfrentar e derrotar os poderosos trustes internacionais. Getúlio sabia que por trás desses agentes do cartel do petróleo estavam interesses das grandes potências imperialistas.
Correntes de esquerda da época, retratadas no filme em torno da Aliança Nacional Libertadora, tiveram dificuldades de compreender essa questão crucial e acabaram lutando contra o mesmo governo que se batia contra o império e os poderosos grupos internacionais. O filme, segundo Isa, é livremente inspirado em fatos e personagens reais.
ROTEIRO
O médico e geólogo alemão José Gosch (Odillon Wagner) desenvolveu uma pequena fábrica de beneficiamento de xisto. Seu sonho, porém, era implantar uma companhia de petróleo. Gosch trabalha em parceria com o cunhado Inocêncio (Daniel Dantas), que desenvolve ligações com Otto Manheimer (Felipe Kannemberg), “técnico” americano contratado pelo governo brasileiro.
O assassinato de José Gosch em 1918 interrompe a busca do petróleo em Alagoas. Em meados dos anos 20, seu filho Pedro (Thiago Fragoso) e o afilhado João Martins (Danton Mello) se formam em engenharia e perseguem, por caminhos diferentes, o sonho do pioneiro.
Paralelamente à busca do petróleo brasileiro, esses personagens viverão também intensas histórias passionais. Em uma trama de paixões e sonhos, apenas um objetivo: o sonho do progresso nacional.
Além de Ouro Negro, a cineasta maranhense, que também é jornalista e organizadora de festivais de cinema, dirigiu documentários e filmes para televisão como o premiado “A Quarta Dimensão de Clarice Lispector”, sobre uma das maiores escritoras brasileiras, e o “Crepúsculo do Verde”, sobre meio ambiente e destruição. O último, como dissemos, é “Codinome Clemente”.
SÉRGIO CRUZ