“Israel é dirigido por um governo racista de direita”, afirmou o senador Bernie Sanders, na segunda-feira, 23, em apresentação de sua plataforma como pré-candidato democrata à presidência dos Estados Unidos nas próximas eleições (2020) a um grupo de estudantes de New Hampshire.
Sob aplausos, Sanders esclareceu que “não sou anti-Israel, mas o fato é que Netanyahu é um político de direita que, eu acho, está tratando o povo palestino de forma extremamente injusta”, afirmou Sanders, seguido por aplausos da plateia.
“Então, o que eu acompanho é que os EUA dão bilhões de dólares em ajuda militar a Israel. Aquilo em que eu acredito não é radical. Eu apenas entendo que os EUA devem lidar com o Oriente Médio em igualdade de condições. Em outras palavras, o objetivo deve ser tentar unir as pessoas e não apenas apoiar um país, que agora é dirigido, ouso dizer, por um governo racista de direita”, acrescentou.
As palavras de Sanders aconteceram em resposta às declarações do premiê israelense, Bibi Netanyahu de que Israel iria anexar as terras palestinas já tomadas por assentamentos judaicos em território palestino (segundo as Convenções de Genebra, anexar território ou construir usurpando terras dos moradores de área ocupada são crimes de guerra). Ele detalhou que Bibi “sempre tenta ir ainda mais longe à direita, apelando ao racismo dentro de Israel”.
Israel é o país do mundo que mais recebe apoio financeiro para fins militares desde o final da Segunda Guerra Mundial. Atualmente, recebe US$ 3,8 bilhões ao ano. Sendo 3,3 bilhões para fins militares em geral e 500 milhões de dólares para manutenção de um sistema de defesa antimísseis.
Em contaste, o governo Trump suspendeu, desde fevereiro, toda a ajuda à sitiada Autoridade Nacional Palestina. A medida é subsequente a outra agressão aos palestinos e ao mundo inteiro, com a unilateral transferência da embaixada norte-americana de Tel Aviv para Jerusalém, premiando a ocupação de mais de 50 anos da Jerusalém Oriental árabe por parte das forças israelenses. Um dos elementos centrais impeditivos à paz.
Trump também ordenou a suspensão de todo apoio financeiro à UNRWA – Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (um suporte, até agora, mantido desde a implantação do Estado de Israel, o que foi feito à custa de tornar refugiados cerca de 800 mil palestinos com ancestralidade milenar na região).
“Israel tem todo o direito de existir em paz e segurança, mas os Estados Unidos precisam tratar não apenas com Israel mas, da mesma forma, com o povo palestino”, argumentou o senador.
O lobby pró-israelense, AIPAC, como é denominado o Comitê Americano-Israelense de Assuntos Públicos, contestou as declarações de Sanders alegando que “a aliança entre os EUA e Israel corresponde aos interesses americanos” pois, segundo eles, esta “aliança” lhes traz benefícios e “ajuda a paz”.
Apesar da declaração contra o senador Sanders, que faz questão de assumir sua origem judaica, até a AIPAC, que tem uma trajetória caracterizada por apoio incondicional a Israel e por espalhar epítetos de “antissemita” a quem quer que critique o Estado Judeu, tem demonstrado desconforto com Netanyahu. Recentemente a AIPAC criticou a aliança entre Bibi e o partido israelense Poder Judeu, que se inspira nas ideias do rabino Meir Kahane (nascido nos Estados Unidos e emigrado a Israel). Ideias das quais até a entidade/lobby declarou seu afastamento depois que esse partido teve o direito a concorrer ao parlamento israelense (Knesset) cassado por “incitamento racista”. O Poder Judeu levava, a seus comícios em Israel, faixas e cartazes pedindo a “expulsão dos inimigos árabes”.
“A AIPAC tem uma política de muito tempo de não se encontrar com membros deste partido racista e repreensível”, declarou a mesma entidade que agora critica as verdades expressas por Sanders.
A AIPAC e seus apoiadores também foram pra cima da recém-eleita deputada democrata Ilhan Omar depois que ela disse o que todos já sabem, isto é, que a AIPAC apoia deputados que defendem o alinhamento incondicional a Israel.
“É assim que se acaba uma discussão. O que se está defendendo é que não haja, nem que ninguém defenda um debate mais amplo sobre o que está acontecendo na Palestina. Quanto a mim, eu quero falar, sim, da influência, neste país, dos que afirmam que é certo pressionar dessa forma por uma aliança com um país estrangeiro”, foi o que declarou Omar, no dia 5 de março.
“Nossa democracia se constrói com o debate”, prosseguiu a deputada, “as pessoas que me elegeram não esperam de mim a fidelidade ou a declaração de apoio incondicional a um país estrangeiro como se, com isso, estivesse servindo ao meu país. As pessoas me elegeram para que eu sirva a seus interesses e com isso todos aqui, com certeza, vão concordar”.
Bastou isso, para que os deputados aliados à AIPAC propusessem uma resolução proibindo manifestações de antissemitismo no Congresso norte-americano. Antissemitismo do jeito como é interpretado por estes deputados e senadores, onde qualquer críticaa Israel incorre em ódio aos judeus em geral…
A esse respeito, alertou a deputada, também em primeiro mandato, Ocasio-Cortez: “O que é doloroso é que não vejo este tipo de reprimenda quando membros deste Congresso fazem declarações que podem ser consideradas ofensivas a outras comunidades”.
“Deve haver uma resolução que barre qualquer manifestação de islamofobia, por exemplo”, acrescentou Ocasio.
Quero ver a presidência da Câmara [referindo-se à democrata Nancy Pellosi] propor uma resolução toda vez que houver um incidente ofensivo aos negros, muçulmanos, homossexuais ou diante de qualquer manifestação de xenofobia. Mas, se não o fizer, penso que é válido perguntar por que não”, acrescentou a deputada.
A própria deputada Ilhona Omar, defendeu-se das acusações, em uma palestra na livraria em Washington: “O que é amedrontador é que eu e Rashida Tlaib [a primeira deputada palestina já eleita nos EUA] somos muçulmanas e muitos de meus colegas judeus no Congresso pensam que tudo o que dizemos sobre Israel é antissemitismo porque nós somos muçulmanas. Qualquer coisa que digamos sobre esta questão, gera uma acusação”.
Exemplo deste tipo de arrogante reprimenda partiu da deputada Nita Lowey: “os deputados devem poder debater preconceito e intolerância. Fico triste quando vejo a deputada Omar descaracterizar o apoio a Israel. Exijo que ela se retrate de suas declarações e que se empenhe no debate com a comunidade judaica sobre o porquê de tais comentários tão ferinos”.
O presidente do Comitê de Assuntos Estrangeiros da Câmara, o declaradamente pró-AIPAC, Eliot Engel, que dirige o comitê que também é integrado pela deputada Omar, chamou os comentários dela de “vis insultos antissemitas”. Para ele, “é profundamente ofensivo questionar lealdades de cidadãos norte-americanos, incluindo o apoio à relação EUA-Israel”.
E por aí vai a pancadaria partindo dos apoiadores de Israel no Congresso e fora dele. Uma clara demonstração de desespero, como naquela história do rei nu, na qual qualquer contestação colocava em risco a farsa. A simples declaração da deputada Omar sobre o racismo, crimes e opressão israelenses expõe uma verdade que precisa – do ponto de vista deles – ser ocultada a qualquer custo, inclusive o de impedir qualquer debate minimamente democrático.
Até Trump meteu sua colher na discussão, dizendo que mandou uma petição à presidente da Câmara para que ela seja afastada do Comitê de Assuntos Estrangeiros, por seus “terríveis comentários”.
Felizmente, as deputadas progressistas, Omar, Tlaib e Cortez, assim como o senador Sanders, não estão sozinhos, ao contrário, vozes importantes na comunidade judaica entendem o risco da política abertamente racista predominanteem Israel. Exemplo disso é o vice-presidente da Comissão de Assuntos Governamentais da organização judaica, J. Street, Dylan Williams, que escreveu: “É realmente impressionante a hipocrisia de tanta gente que diz que se pode criticar a política de Israel sem ser taxado de antissemita, e que, de forma regular, tacham de antissemita quem quer que legitimamente critique a política de Israel”.
Ocasio-Cortez finalizou sua defesa de Omar destacando que esta investida lembra “o tempo em que era ‘inaceitável’ questionar a guerra contra o Iraque”.
Covardia: soldado israelense atira em adolescente palestino vendado e algemado
Ao mesmo tempo em que esta discussão acalorada em torno de uma suposta “relação produtiva” entre Israel e Estados Unidos transcorre em meio a ameaças aos críticos, em mais um crime da ocupação, um soldado israelense atirou em um adolescente palestino, de 16 anos, depois de algemá-lo e vendá-lo.
O garoto, Ossama Hajahjeh, denuncia que foi arrastado quando ia de volta para casa após participar de um funeral na aldeia de Tekoa.
Hajahjeh resistiu à prisão e tentou correr, mesmo naquelas condições. Mesmo sabendo que o palestino iria tropeçar no primeiro obstáculo, o soldado da ocupação disparou e o atingiu na virilha.
A seguir, ele e os demais da unidade israelense no local tentaram impedir a aproximação de um grupo de jovens palestinos dispostos a levar o ferido para um hospital. Os jovens, mesmo ameaçados de levarem tiros também eles, se arriscaram e acabaram conseguindo retirar o ferido, agora hospitalizado no hospital de Beit Jala. O hospital informa que a situação dele está “estável”.
A organização israelense de defesa dos direitos humanos, Betselem, declarou que tamanho disparate “é mais um exemplo a comprovar que a vida de um palestino conta muito pouco para o exército de Israel”.
NATHANIEL BRAIA