Líderes dos israelenses de origem etíope anunciaram, após assembleia comunitária, realizada no sábado, dia 6, a continuação das manifestações em rechaço ao assassinato do jovem Solomon Tekah, de 19 anos, morto por policial fora de serviço no dia 30 de junho. A principal das manifestações está marcada para esta segunda-feira, dia 8, em Tel Aviv.
É uma retomada dos protestos que durante três dias, na semana passada, tomaram conta de diversas cidades israelenses, incluindo Haifa e Tel Aviv, com queima de pneus, bloqueio de estradas e concentrações e protesto no interior de estações policiais.
A família Tekah reside em Kiriat Haim, localidade próxima à terceira maior cidade israelense que é a cidade portuária de Haifa. Ela pediu, na quarta-feira, uma trégua nos protestos até o fim do luto de sete dias, que terminou este domingo, dia 7.
“Vamos para as ruas para que não haja outro Solomon Tekah”, afirma a declaração das lideranças etíopes na convocação dos atos desta segunda-feira.
Nas manifestações da semana passada os participantes denunciaram a sistemática discriminação sofrida pelos integrantes da comunidade etíope em Israel. O funeral do jovem Solomon, na terça-feira, dia 2, também se transformou num grande protesto contra o racismo israelense. Houve confrontos com policiais que buscavam romper os bloqueios de estrada.
Primeiramente, o ministro da Segurança, Gilad Erdan, ao invés de condenar o racismo que se manifestou no assassinato do jovem, condenou a “violência intolerável dos manifestantes”, mas, a seguir, acabou admitindo que ela resultou “de uma explosão de dor e ira por jovens e adolescentes que verdadeiramente sentem que não lhes há futuro aqui e que eles são julgados pela cor de sua pele”.
Na mesma linha do seu ministro, o premiê Bibi Netanyahu declarou que a morte de Solomon Tekah foi “uma tragédia” mas acrescentou que “a violência [nas manifestações] não será tolerada”.
Os organizadores dos protestos lembraram que o governo israelense havia prometido “reformas” para acabar com a brutalidade policial e o racismo sistemático contra os imigrantes vindos da Etiópia, mas nada foi implementado desde as grandes manifestações, ocorridas três anos atrás, contra o racismo que os atinge.
Demonstrando que, para ele, o principal problema não é o racismo que aflige os etíopes e sim o seu protesto após anos de espera por medidas contra a discriminação, Bibi acrescentou que “não podemos assistir ao violento bloqueio de estradas. Não podemos permitir os coquetéis molotov. Isto é inconcebível e a polícia irá para as ruas de acordo e para impedir tudo isso”.
Na sexta-feira, a TV israelense Canal 13, informou que funcionários do Ministério da Justiça, que investigam a conduta do policial que matou Solomon, tendem a propor apenas uma advertência disciplinar contra ele. O pai de Solomon, Worka Tekah, repudiou a reportagem televisiva dizendo que “são vazamentos que visam distrair o público da questão principal: um jovem israelense de origem etíope, desarmado, recebeu um tiro mortal de um policial”.
O advogado do policial, que está em prisão domiciliar, disse que seu cliente agiu em “legítima defesa”, pois tentava desapartar uma briga de rua quando foi atacado a pedradas por três jovens. A repórter do jornal israelense Haaretz, Noa Spigel, contesta essa versão afirmando que testemunhas do assassinato declaram que a distância entre o policial e o jovem morto era de cerca de 30 metros e que o policial não corria nenhum risco de vida.
Pnina Agenyahu, israelense de origem etíope que trabalhou para a Agência Judaica de Israel, ajudando na recepção dos judeus etíopes no país lançou um pungente manifesto, intitulado “Detidos, presos e mortos a tiros: a violência policial está empurrando os etíopes israelenses ao medo, fúria e desespero”, publicado pelo jornal Haaretz. Aqui vão alguns dos seus trechos:
“Na semana passada, muitos lugares em Israel estavam em chamas nos protestos de israelenses de origem etíope contra a violência policial, mas o fogo real e mais significante não foi coberto pela mídia. São as chamas que queimam os nossos corações.
Às vezes sentimos o ardor de querer sair daqui, de irmos a um lugar onde não sejamos tão prejulgados. Sentimos arder a vontade de gritar: Basta! De nos pormos de pé e fazermos balançar este sistema torto. O que nos arde é que vocês nos vejam como somos: pessoas.
Estes têm sido dias em que tenho andado com meu coração dolorido, uma ferida que é maior do que eu, porque é uma ferida que não é somente minha.
Eu me sinto desesperadamente triste pela família de Solomon Tekah – que sua lembrança seja abençoada – por perderem seu filho e por saber que, com ela, já contamos o inacreditável número de 11 famílias enlutadas por jovens etíopes enterrados após atingidos por fogo policial.
Eu estou ferida por que nosso governo não quer saber de abraçar nossa dor. Estou ferida porque pessoas em meu entorno não querem entender porque é um assunto importante que um policial tenha atirado em um jovem. Estou ferida porque tiros da polícia já mataram dois de nossos jovens somente nestes últimos seis meses.
Eu me sinto ferida porque uma percentagem desproporcional de menores etíopes já foram parar na cadeia [informe de uma agência governamental, divulgado pelo jornal Jerusalem Post, detalha que o número de menores de origem etíope presos em Israel em 2018 foi de 5,4% para uma população desta origem de 1,7%] – enquanto jovens de outras origens, ao invés de cadeia, recebem apoio, terapia e tratamento.
Não é razoável que os jovens etíopes em Israel comecem a sentir que o único caminho para comunicar sua legítima dor e ira seja através da violência. É o caminho errático que essas crianças acabam sentindo e levando dentro de si ao longo de anos. Eu me sinto muito frustrada pelo fato de que muitos protestos acabaram como acabaram. Ninguém queria isso.
Mas, ainda assim, não consigo deixar de me perguntar: como foi que viemos parar aqui pensando pertencer a uma sociedade? Um lugar no qual almejávamos ser como pessoas, em nosso país, e ter um futuro…O que vamos dizer aos nossos filhos?
Eu tenho esperança de que haja melhor entendimento. De que todos nós nos vejamos, uns aos outros, como pessoas. Que respeitemos uns aos outros. Que reconheçamos que estamos todos juntos aqui, como parte da mesma história.
Abram seus olhos.
De forma que possam nos ver.“
Belas e sinceras palavras as de Pnina Agenyahu. O que aqui falta a ela reconhecer é que distorções racistas como as que agora a ferem tão profundamente, assim como a toda a sua comunidade, tendem a ocorrer e até a se aprofundarem enquanto o regime de apartheid israelense estabeleça que é ‘válida e legal’ a existência de um Estado só para os judeus enquanto segrega, vilipendia, assalta e reprime tanto os vizinhos como seus próprios cidadãos palestinos.
NATHANIEL BRAIA