Em um funeral de Estado que foi boicotado pela metade das famílias dos mortos que já haviam sido identificados, a Itália se despediu no sábado, 18, das vítimas da tragédia causada pelo desabamento da ponte Morandi, em Gênova. Os parentes acusam Atlantia, o cartel que tem a concessão do viaduto, de ser responsável pelo desastre acontecido na terça-feira, 14.
O número de vítimas subiu para 43, depois que os bombeiros encontraram entre os blocos de cimento um veículo com três pessoas — um casal e a filha de nove anos. Já durante a tarde de sábado, um dos feridos acabou por não resistir aos ferimentos e o corpo da última vítima dada como desaparecida foi encontrado.
Milhares de pessoas se congregaram no Centro de Exposições e Feiras de Gênova para presenciar a missa, oficiada pelo arcebispo Angelo Bagnasco. Em alguns dos caixões as bandeiras dos países de origem das vítimas foram depositadas – além dos italianos, foram enterrados quatro franceses, dois albaneses, um chileno, um peruano e um colombiano.
O arcebispo também dedicou, na missa, algumas palavras para as cerca de 600 pessoas que tiveram de deixar suas casas, que estão sob o que resta do viaduto. “O colapso da ponte provocou um corte no coração de Gênova, uma ferida profunda” — lamentou Bagnasco, expressando “todo o seu respeito por aqueles que rejeitaram o funeral de Estado”.
Na sala só estavam 19 féretros. Entre os presentes na cerimônia figuraram altas autoridades do governo, como o presidente Sergio Mattarella e o premiê Giuseppe Conte, que tentavam explicar a omissão do Estado nas obras de estrutura do país. Afinal, o cartel que tem a concessão da ponte Morandi – e tem como acionista a Benetton – administra mais de 5 mil quilômetros de estradas, sobretudo na Itália, e estava ciente dos problemas do viaduto. Em documento oficial, datado de 28 de abril de 2016, o então senador Maurizio Rossi havia alertado o governo: “Recentemente, a ponte foi objeto de um colapso preocupante das juntas, que exigiram um extraordinário trabalho de manutenção sem o qual o risco de desabamento é concreto”.
Herdeira do grupo público Autostrade SpA, privatizado em 1999, a Atlantia, reconhecendo a sua responsabilidade, disse que há 500 milhões de euros disponíveis a partir da segunda-feira, 20, para “ajudar as vítimas e a cidade”. Mas, sem ter como aliviar os autores do desastre que mostra ao mundo inteiro que a privatização de setores chaves para o país se reverte contra a população, o Ministério de Transportes italiano informou que está em marcha o procedimento para revogar a concessão à Autostrade.
Para o ministro do Interior, Matteo Salvini, “uma empresa como a que dirige esta parte da rodovia, que gera bilhões de lucros, deve explicar aos italianos porque não fez todo o possível para reinvestir uma parte deste lucro em segurança”.
A Atlantia também atua no Brasil, no Chile e na Espanha. Em nosso país, integra, junto com o grupo Bertin, a joint venture AB Concessões S/A, que administra mais de 1.500 quilômetros de rodovias, sendo “responsável” pelas concessionárias Triângulo do Sol (100%), Rodovias das Colinas (100%) e Rodovias do Tietê (50%), em São Paulo, e a Nascentes das Gerais (100%), em Minas Gerais.
O cartel rodoviário tornou-se em março último o primeiro acionista do Getlink que administra o túnel submarino que atravessa o Canal da Mancha. Também tem forte presença no setor aéreo com os dois aeroportos de Roma, o de Fiumicino e o Ciampino, por onde passaram 47 milhões de passageiros em 2017.
A Atlantia lucrou “bilhões de euros com os pedágios mais caros da Europa”, mas “não gastou o dinheiro que deveria” na segurança e sua concessão deve ser revogada, declarou o ministro de Infraestrutura e Transportes da Itália, Danilo Toninelli. “Arrecadam bilhões, pagam poucos milhões de impostos, e nem sequer fazem a manutenção necessária para as pontes e eixos viários”, acrescentou o ministro, para quem “os responsáveis por esta tragédia injustificável devem ser castigados”.