Os 25 anos do retorno de Hong Kong à soberania Chinesa no 1º de Julho é o tema do Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, desta semana, apresentado pelo pesquisador e escritor Elias Jabbour – data ainda mais especial por coincidir com os 100 anos do Partido Comunista da China.
Jabbour se detém sobre como Hong Kong foi subtraída da China e tornada colônia britânica: no século 19, a Inglaterra, que atualmente se arvora em defensora dos direitos humanos e da liberdade, foi à guerra para defender o indefensável, o livre comércio de drogas.
A China – esclarece o autor – manteve por muito tempo superávit comercial com a Grã Bretanha, por ter capacidade de produção capaz de abastecer o mercado interno e dispensava a importação dos produtos oferecidos pelo Reino Unido.
Para virar essa balança comercial adversa, a Inglaterra parte para a exportação de ópio a partir da Índia, colonizada por Londres, para o território chinês.
Isso leva ao início das chamadas Guerras do Ópio, entre 1839 e 1842, e ao final dessa guerra a China sai derrotada e humilhada pela Inglaterra e, como compensação por essa guerra que a China trava contra a entrada ilegal de ópio no país, a Inglaterra toma para si Hong Kong e os chamados Novos Territórios, assinala Jabbour. O que é feito sob a forma de uma concessão por um tempo definido, que iria expirar em 1997.
Depois dessa Guerra do Ópio o que vem para a China é o chamado século de humilhações. É retalhada por países como a Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, Japão; há um verdadeiro butim das riquezas da China.
Essa questão da Guerra do Ópio e das consequências dela daria um grande tribunal da verdade contra a Inglaterra, certamente, mas disso ninguém fala.
Houve a completa subversão da sociedade chinesa, tamanha era a difusão do ópio. O país vai ficando incapaz de tomar decisões próprias para defender sua soberania: a adicção atingia até mesmo os mais altos cargos do governo chinês.
Assim, Hong Kong passou a ser parte do território inglês a partir de uma guerra cujo objetivo era a legalização do tráfico de droga.
Certamente as pessoas, às quais é mostrado agora os ‘protestos em Hong Kong por liberdade’, se tivessem sido apresentadas à história por trás da questão, teriam uma opinião um pouco diferente do que acontece hoje naquela região.
Na televisão, não contam que, quando era colônia inglesa, nunca houve democracia e o governador de Hong Kong era nomeado por Londres.
Jabbour, que conhece “cada beco” de Hong Kong, por ter passado muito tempo lá, observa que, após décadas de domínio inglês, o porto acabou absorvendo o estilo de vida britânico. A própria população de Hong Kong se sente superior à chinesa continental.
Em primeira mão – jamais falara sobre isso, esclarece – o pesquisador enfatiza que Hong Kong “deve passar por um grande processo de descolonização”. Que vai demorar, é um processo de longo prazo. “Você não muda a cabeça das pessoas da noite para o dia, principalmente da juventude, que é mais sensível à influência das coisas estrangeiras”.
O pesquisador destaca que o retorno de Hong Kong em 1997 se deu dentro de um esquema genial chamado ‘Um País, Dois Sistemas’ – no qual o socialismo continuaria a ser exercido no continente enquanto o capitalismo continuaria a vigorar em Hong Kong.
Jabbour destaca causas objetivas para o descontentamento em Hong Kong. Muito do que havia de atividades produtivas em Hong Kong se transferiu para o continente. Hong Kong virou uma praça financeira completamente voltada para a especulação financeira e imobiliária.
É o lugar onde há mais bilionários por metro quadrado. O fosso social é muito grande, as perspectivas são muito pequenas e isso acaba realimentando uma revolta contra o sistema vigente e insatisfação com relação a futuro de Hong Kong.
Nos protestos de 2019, o estopim foi a decisão soberana da China de montar uma legislação que prevê extradição, diante da fuga para Hong Kong de duas figuras do continente acusadas de estupro. Há também muitos chineses do continente que fogem para Hong Kong com dinheiro público e acabam transformando Hong Kong em uma praça financeira para transferência de recursos para o exterior.
Para o pesquisador, o retorno de Hong Kong à China é um marco fundamental da luta anticolonial no mundo. Ele relembra uma conversa de Deng Xiaoping com a Margareth Thatcher em 1984, quando a questão entrou em pauta. Em que esta propôs a troca de soberania por administração, a soberania continuaria sendo inglesa, mas a administração seria chinesa.
Na conversa “muito dura” que se seguiu, Deng Xiaoping ameaçou com uma solução própria para Hong Kong, que seria uma ocupação militar. Que a China de 1984 não era a China da dinastia Qing, que perdeu Hong Kong para o Reino Unido, era uma outra China.
Episódio relatado nas Obras Escolhidas de Deng Xiaoping, em que ele diz que a Grã Bretanha vai deixar de ser uma potência colonial, então vai ter isso de bom para a luta anticolonial. Jabbour lembra a cena – a cara do príncipe Charles é de desolação – em que a bandeira britânica foi arriada, enquanto a da China era hasteada.
Quanto ao futuro de Hong Kong, para o pesquisador, está completamente conectado ao continente. Hong Kong-Shenzen-Macau, e toda aquela parte do Vale do Silício chinês, que é a província de Guangdong, Hong Kong sendo parte desse arranjo produtivo local.
Então o futuro de Hong Kong está em se transformar em uma economia produtiva, e não mais uma economia especulativa.
A luta política em torno de Hong Kong é muito grande, na medida em que as próprias pressões imperialistas acabam elevando o patamar, enquanto a China vai alcançando um status superior ao que tinha dez, vinte anos atrás.
Ao concluir, Jabbour ressalta que Hong Kong ainda será palco de muitas emoções do ponto de vista político para a nossa geração e é o centro nevrálgico de uma grande guerra híbrida que o imperialismo impõe aos povos e à China em particular.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.