No Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, o pesquisador e escritor Elias Jabbour volta a analisar os desafios atuais enfrentados pela China – queda no crescimento econômico, seca, setor imobiliário – e aborda a incômodo pergunta se isso significa que estaria “quebrando”.
É verdade que a China, pelos padrões chineses dos últimos 40 anos, vive um período difícil, com crises de múltiplas determinações, ele observa, mas nada que chegue perto do que se vê na atual fase de decadência ocidental.
Jabbour destaca que o governo chinês não abre mão da política de Covid Zero, independente do que o mundo pense disso e dos prejuízos econômicos que possa causar à China. Ao que se soma a quebra do setor imobiliário chinês, que correspondia a 20% da economia do país, e sua reconstrução não é um processo fácil de ser feito, tanto pelo tamanho do setor, quanto pelos interesses envolvidos nisso.
Há também o bloqueio tecnológico.
Ou seja, uma série de questões está contribuindo para uma queda do crescimento econômico, do PIB – apesar de – ele explicita – considerar que esta não é a melhor métrica para medir o desenvolvimento da China hoje.
Outro problema muito grave que pintou na China é a seca, a pior das últimas décadas, que afeta sua principal bacia hidrográfica, que é o Yangtse, que é uma das maiores do mundo e a maior da Ásia, com 1,8 milhão de quilômetros quadrados, e é o berço da civilização chinesa.
Todo o sistema de transporte fluvial foi desenvolvido através dele, com dezenas de milhares de toneladas de produtos passando através dele até chegar ao seu delta, que fica em Xangai e usa o porto de lá para exportação. Milhares de empresas exportadoras estão localizadas ao longo do Yangtse. Também 45% da energia consumida no país provem desse rio – além de fornecer água para 19 províncias.
Uma “tempestade perfeita”, assinala Jabbour, com Covid, quebra do setor imobiliário, ofensiva sobre o capital privado, que está tendo um crescimento muito baixo por conta dessa ofensiva. Esse rearranjo do esquema de propriedade que a China está fazendo não é fácil, vai trazer consequências, mas é necessário – toda a transição traz as suas dores do parto.
É também é o ano do Congresso do Partido Comunista chinês e até lá o país está em compasso de espera, as ações são pontuais, um pacote fiscal aqui, um pacote fiscal ali. Tem-se registrado um desemprego muito grande entre os jovens na China, que chega ao patamar de 20% na faixa de 18-25 anos. Isso demanda o lançamento de pacotes fiscais nessas cidades onde os jovens estão nessa situação.
A China – reitera Jabbour – está entrando “em uma fase decisiva de sua história”. Há a questão de Taiwan, a questão da Ucrânia, a corajosa decisão de não abrir mão da política de Covid Zero. O Partido Comunista da China (PCCh) está passando “por um grande teste de resiliência”.
A questão do setor imobiliário é a mesma coisa, ele afirma. “Como é que o sistema imobiliário, que é 20% da economia, quebra e não leva o sistema financeiro junto, não leva a economia junto?”. E a China ainda vai ter um crescimento econômico que vai ser “o dobro” do verificado nos Estados Unidos.
Mais: a produtividade do trabalho, que para Jabbour é o índice que sinaliza o estado da economia de forma mais interessante do que a taxa de investimento e o PIB, vai crescer acima da produtividade vista nos EUA.
“Como brasileiro, me preocupo como isso vai afetar o Brasil”, acrescentou o pesquisador. Espero que Lula seja eleito, e terá de lidar com um cenário altamente instável. Pois a guerra da Ucrânia e a Covid 19 foram dois motivos que levaram ao completo rompimento das cadeias globais de valor. E há a inflação global, que não é uma inflação de demanda, uma inflação causada pela impressão de moeda.
Vai ser um momento em que o Brasil vai ter de se reinaugurar diante do mundo e de si mesmo, para enfrentar essas questões, sublinha Jabbour. “O resfriado que vem da China não pode nos afetar tanto a ponto de brecar nosso crescimento”.
“Então, fica também o desafio, a partir dessa tempestade perfeita que a China está passando, que o Brasil precisa criar condições próprias de internalizar os ciclos econômicos, que não seja um país que fica dependente de preços gerados fora do país”.
Trata-se de “pensar em políticas industriais, pensar estrategicamente a criação de cadeias de valor internas”, acrescenta Jabbour. “O que é hoje a nível internacional uma das grandes discussões: a quebra das dependências nacionais das cadeias globais de valor”.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.