Como um país como a China consegue realizar tantas proezas é a pergunta que o pesquisador e escritor Elias Jabbour responde no Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, desta semana.
Existem alguns episódios que estudei a fundo, como a China reage à crise de 2008, que me levaram ao conceito de nova economia do projetamento, para explicar a nova economia que surge a partir daquilo, e depois tem a Covid-19, que vem mostrar que existe alguma coisa nova ali que as teorias de desenvolvimento não estavam captando e que acabaram confirmando a minha hipótese da nova economia do projetamento, assinala Jabbour.
No meio disso – acrescenta – “eu escrevi o livro ‘China: o socialismo do século XXI’, que em seu último capítulo trata dessa questão do projetamento”.
Recentemente, uma notícia chamou a atenção de muita gente, a China atualmente tem 40.000 km de ferrovias de alta velocidade construídas em 20 anos, e a tendência é aumentar mais 10.000 km até 2025.
A China aumentou entre 1990 e 2017 sua malha ferroviária em 134.000 km de extensão. No mesmo período, a Índia, que é um país capitalista, só constrói 4.000 km. Isso leva a uma comparação sobre como a China consegue e a Índia, não.
A China consegue, e os Estados Unidos não conseguem. As infraestruturas dos Estados Unidos estão se deteriorando rapidamente. Apesar de ser o país mais rico do mundo, os Estados Unidos não têm uma linha de alta velocidade. Não consegue fazer nem um centésimo do que os chineses conseguem fazer em matéria de construção de bens públicos, de infraestrutura.
Além da capacidade dos chineses de enfrentarem suas contradições durante o processo de acumulação de uma forma muito rápida, o que exige uma capacidade de resposta muito rápida e, por trás disso, existe um aparato, que é o que estudo na minha vida, ressalta o economista.
Jabbour aponta que existe uma literatura que está surgindo com muita força nos Estados Unidos, com alguns sinólogos famosos, em que eles entram num ‘novo capitalismo de Estado’. Ou seja, a China está entrando num salto, eles reconhecem que a China é uma coisa diferente, mas não reconhecem que é socialista – para eles, isso não existe mais.
Então, tem se falado muito que a China está inaugurando um novo capítulo no Capitalismo de Estado, um capitalismo de Estado controlado pelo Partido Comunista através do controle difuso das suas empresas.
Isso – sublinha o pesquisador – para mim é socialismo, mas eles querem dar outro nome, porque ‘o socialismo acabou’.
Existem outros que voltam atrás e tentam reelaborar o que acontece na China como um tipo de sistema econômico em que o Estado controla o mercado. Ou seja, são heterodoxos, próximos do marxismo, mas que caem na cantilena de que o Estado controla o mercado de grandes negócios e libera os pequenos, uma coisa altamente mecanicista.
É algo para salientar o caráter capitalista do desenvolvimento chinês e para mim não existe capitalismo sem capitalista no poder e onde o sistema privado não controla o sistema de acumulação e geração de efeito de encadeamento, e a questão aí é como os chineses conseguem.
A base disso é o que pouca gente se dá ao trabalho de observar, porque quase a totalidade dos estudiosos sobre a China se concentra no seguinte: ‘começo a analisar a China a partir da propriedade privada, porque é assim que vou analisar os países capitalistas’.
Pessoal, o setor privado chinês é suplementar ao estatal, sublinha Jabbour. Então, as pessoas erram previsões sobre a China, ganham muito dinheiro errando previsões sobre a China porque começam pelo lado errado da análise, que é o setor privado.
Você tem que começar a analisar a China a partir do setor dinâmico da economia, do setor que gera os efeitos de encadeamento, que dá conta do recado para a economia, que é o setor público, destaca Jabbour.
E o setor público na China é público no setor produtivo e no setor financeiro. Isso por si só explica muita coisa de porque a China consegue muitas coisas que o resto do mundo, não.
Ou seja, a grande propriedade pública dos meios de produção na China é a grande explicadora – dei uma volta enorme, mas é que é uma verdade difícil de engolir, acrescenta o economista. A China consegue porque quem controla os meios de produção e a política financeira é o Partido Comunista.
Isso significa inclusive que uma das hipóteses da nova economia do projetamento, que o Tiago Camarim, que é professor da UFG, está nos ajudando a elaborar, que é o controle da Lei do Valor pelo Partido Comunista.
Ou seja, o Partido Comunista controla a Lei do Valor a partir desses 2 milhões de players, altamente sofisticados intelectualmente, e que estão ali para isso, para controlar a Lei do Valor e usar a Lei do Valor a serviço da sociedade.
Isso não é brincadeira, observa o pesquisador. Então você vai para o debate contra liberais e marxistas acadêmicos e você fala isso, parece que é uma loucura, mas é isso que acontece.
A China – ele enfatiza – não é um país capitalista, por mais que as pessoas não queiram aceitar que é socialista por razões morais. É por isso que nenhum país capitalista consegue e a China consegue fazer o que faz, justamente por não ter o setor privado no controle da economia e do processo de produção, circulação, distribuição, gerando encadeamento, etc.
Então, a resposta é que a China consegue fazer porque o setor privado não tem a primazia do setor produtivo e do setor financeiro da economia. É isso que faz toda a diferença, conclui Jabbour, prometendo em breve voltar ao tema.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.