A afirmação de Elias Jabbour, em sua participação no podcast capitaneado por Rogério Vilela, de que os bancos chineses criam moeda e a contrapartida disso é a geração de bens e serviços, levou ao questionamento sobre se isso não ‘gera inflação’, uma discussão que acabou tendo muita repercussão nas redes sociais. O que motivou o pesquisador e escritor a dedicar o Meia Noite em Pequim desta semana, da TV Grabois, a debater como funciona a inflação na China.
Sobre a questão da inflação, Jabbour, citando o economista André Rocanglia, disse que a torcida do Corinthians e os grandes papas neoclássicos, que estão na fronteira do conhecimento neoclássico, dizem que a Teoria Quantitativa da Moeda não serve mais como parâmetro teórico para aferir inflação ou não.
Ou seja, esclarece o pesquisador, não é a quantidade de moeda em circulação na economia que vai gerar inflação ou não, isso é um dos mitos que acometem o debate público brasileiro, um discurso que está destruindo a nossa economia e a nossa sociedade.
Por isso essas taxas de juros tão altas com a finalidade de tirar moeda de circulação e assim manter a inflação baixa, o que conduz o Brasil a um grau de sofrimento muito grande.
Quanto à China, para decifrar o mecanismo de inflação na grande nação asiática, Jabbour destaca que, primeiro, como qualquer grande economia moderna, a China é uma economia monetária de produção.
As economias monetárias de produção não são exclusividade do capitalismo – também existem no socialismo -, e são impulsionadas pelo crédito bancário, observa o pesquisador. Ou seja, o motor do processo de acumulação de capital no capitalismo e no socialismo é o crédito.
Jabbour destaca que foi a partir dessa premissa que muitas autoridades monetárias do mundo inteiro abandonaram a Teoria Quantitativa da Moeda quanto a utilizar a taxa de juros como referência para controlar a inflação – porque o que a taxa de juros controla é o crédito na economia.
As expectativas criadas em torno da inflação em um país como o Brasil, ou outros países, é sobre a taxa de juros, não sobre se a quantidade de moeda que vai circular vai ser maior ou menor, ressalta Jabbour.
Já a China tem uma particularidade que a diferencia completamente de qualquer país capitalista que é os meios de produção principais, aqueles estratégicos, serem controlados pelo público, serem estatais, ele acrescenta.
Ou seja, as máquinas que produzem as máquinas, que é o motor da anarquia no capitalismo, na China estão sob controle público, estatal, ressalta Jabbour. Particularidade que coloca a China como algo completamente diferente de qualquer país capitalista.
Jabbour chama a atenção para o fato de que a China, como é uma economia socialista planificada, tem hoje mais de dois milhões de ‘planners’ [planejadores], que têm acesso online às matrizes insumo-produto. Ou seja, eles têm acesso online a setores da economia com ausência de oferta e com excesso de oferta.
Assim – acrescenta – esses planejadores podem dirigir a economia do país através do prévio conhecimento de onde precisa de investimento e onde não precisa, a chamada transferência intersetorial de recursos online, que é o drama de qualquer país capitalista.
Os pontos de estrangulamento da economia muitas vezes nascem da incapacidade de um país planejar a economia de forma a fazer os pontos de estrangulamento sejam desatados rapidamente.
Jabbour observa que a China tem todos os componentes que levariam um economista neoclássico a achar que estaria com inflação de 100%.
Por tal raciocínio neoclássico, como a China tem uma taxa de investimento de 40% – desde 2004 e vai até 2027 – e portanto 40% do PIB chinês se reverte para a economia real sob a forma de investimento, isso evidentemente vai gerar demanda.
E assim, segundo o pessoal da Teoria Quantitativa da Moeda e afins, vai provocar inflação. A questão aí – esclarece Jabbour – é que a China é uma economia monetária de produção mesmo, não uma economia monetária de especulação.
Na China, crédito bancário, aliado à propriedade pública dos meios de produção e à capacidade de planejamento da economia, faz com que o país tenha a capacidade de criação de oferta na frente da demanda.
Além da taxa de investimento de 40%, A China tem uma relação crédito/PIB de 160-170%, é 160% do PIB circulando na economia – no Brasil é 50% e tem inflação de dois dígitos, a taxa de investimento é de 15% e continuam falando que a quantidade de moeda é que determina a inflação.
Jabbour descreve o mecanismo posto em ação pela China ao criar oferta na frente da demanda: vai fazer com que a elevação da taxa de investimento, a elevação da taxa de crédito em relação ao PIB, e as injeções monetárias que o Tesouro Nacional faz no Banco Central, que libera recursos para os bancos públicos criarem moeda com a finalidade de gerar crédito para a economia, não gere inflação. Na China – complementa – não existe emissão monetária. A moeda é uma criação estatal e é uma dívida em si.
O mais triste de tudo é que o debate político brasileiro está contaminado com esse nível de debate em que quantidade de moeda gera inflação.
Os Estados Unidos estão criando moeda loucamente desde 2008 com o quantitative easing e a inflação não aumenta, no Brasil está tendo uma inflação alta ultimamente, que não tem nada a ver com emissão monetária, tem a ver com a taxa de câmbio e com a política de preços da Petrobrás.
E conclui: ao contrário, a taxa de juros quanto mais ela se eleva, mais deprime a capacidade de uma economia aumentar sua base de oferta – um país como o Brasil, não somente está condenado a não crescer, como a ter surtos inflacionários cíclicos.
Elias Jabbour, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE-UERJ).