Segundo documentos de 2021 e 2022, o governo de Jair Bolsonaro foi alertado que os indígenas yanomami estavam passando fome e que precisavam de assistência, mas cortou essa população e a deixou de fora dos programas de doação de alimentos.
Três ofícios obtidos pelo UOL demonstram que a catástrofe humanitária que vivem os yanomamis em Roraima aconteceu de caso pensado, pois o governo se recusou a fazer doação de alimentos.
A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão ligado ao Ministério da Saúde, enviou, em 2021 e 2022, ofícios para o Ministério da Justiça e para o Ministério da Cidadania alertando para a gravíssima situação e pedindo ações.
No entanto, o governo Bolsonaro decidiu não fazer nada, deixando que os indígenas morressem de fome. Em quatro anos, morreram 570 crianças de até um ano de desnutrição.
No dia 30 de junho de 2021, a Sesai enviou um relatório para o Ministério da Justiça que apontava “quadro de déficit nutricional”. “Ressalta-se a importância da manutenção das ações de Distribuição de Alimentos”, dizia o ofício.
A Secretaria se referia ao programa Ação de Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Tradicionais (ADA), que era coordenado pelo Ministério da Cidadania.
Em outro documento, enviado para os Ministérios da Justiça e da Cidadania no dia 1º de fevereiro de 2022, a Sesai fala que o Distrito Sanitário Indígena Especial (Dsei) Yanomami, em Roraima, foi desligado do ADA e parou de receber os alimentos.
Aquelas pessoas, no entanto, precisavam de assistência e isso foi demonstrado em relatórios enviados ao governo.
“O orçamento da Ação [ADA] foi reduzido ao longo dos anos e que, por essa razão, houve o desligamento do DSEI Yanomami dessa ação. No entanto, essa distribuição de alimentos é de extrema importância para a segurança alimentar da população indígena Yanomami”, afirma o documento.
“Diante da situação atual do quadro de déficit nutricional demonstrado no relatório supracitado, ressalta-se a importância da manutenção das ações de Distribuição de Alimentos, com objetivo de minimizar emergencialmente as situações de vulnerabilidade alimentar da população indígena yanomami”, disse a Secretaria.
Em um terceiro ofício, de 23 de março de 2022, a Sesai voltou a apontar a necessidade de distribuição de alimentos na Terra Indígena Yanomami, que havia sido desligada do programa federal ADA. Através do documento, é sugerido um debate interministerial.
Na época em que foram enviados os ofícios, o Ministério da Justiça era chefiado pelo bolsonarista Anderson Torres, que está preso por envolvimento no atentado terrorista do dia 8 de janeiro. Já o Ministério da Cidadania era comandado por João Roma, aliado de Bolsonaro.
Esses ofícios produzidos por um órgão do Ministério da Saúde se juntam a outros enviados pelo Ministério Público Federal (MPF) como prova de que o governo Bolsonaro deixou, de forma consciente, de atender os indígenas yanomamis.
Em nota, o MPF afirmou que essa catástrofe humanitária “resulta da omissão do Estado brasileiro em assegurar a proteção de suas terras” e pode ser caracterizada como genocídio.
Em 2021, os procuradores já recomendaram ao Ministério da Saúde a “reformulação de seu planejamento institucional, a contratação de mais profissionais de saúde para as áreas estratégicas e o desenvolvimento de planos de ação para os principais agravos de saúde verificados”, especialmente a mortalidade infantil, malária e subnutrição.
Em novembro de 2022, um novo documento enviado ao governo federal informou “a constatação de deficiências na prestação do serviço de saúde ao povo Yanomami”.
“Além dos danos à saúde e segurança alimentar aos povos Yanomami e Ye’kuana, a atividade garimpeira ameaça povos em situação de isolamento que também habitam a TI [Terra Indígena] Yanomami”.
A Polícia Federal abriu um inquérito, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), para investigar se o governo Bolsonaro cometeu o crime de genocídio contra os yanomamis.
Os tratados internacionais entendem como “genocídio” atos cometidos “com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, como o “assassinato de membros do grupo; dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo; submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial”, entre outros itens.
Bolsonaro diz que os yanomamis não são brasileiros são venezuelanos, o que é a mais rematada mentira. Além disso, desde o início do seu governo criminoso ele expressou seu estímulo aos garimpeiros e disse que iria abrir as terras indígenas na Amazônia para empresas estrangeiras explorarem os ricos minérios da região.
EMERGÊNCIA
O governo Lula decretou, em janeiro, estado de emergência em saúde pública na Terra Indígena Yanomami para acelerar a assistência àquela população. Em quatro dias, mais de mil indígenas foram resgatados para tratamentos em hospitais.
Além disso, Lula decretou que fossem realizadas ações para a retirada de garimpeiros ilegais daquele território, uma vez que entende que o garimpo é uma parte importante da causa da catástrofe humanitária.
Flávio Dino, ministro da Justiça, citou um trabalho conjunto entre as Forças Armadas, a Força Nacional e a Polícia Federal para que os garimpeiros sejam retirados do território indígena e os mandantes dos crimes sejam identificados.
A Aeronáutica está controlando o espaço aéreo para impedir a decolagem e fuga de garimpeiros.
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