O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que o gabinete de Jair Bolsonaro se movimentou para recuperar as joias de R$ 16,5 milhões que estavam na Receita Federal com o objetivo de entregá-las ao acervo privado do ex-presidente e não ao acervo público.
Depoimentos de funcionários do governo Bolsonaro à Polícia Federal mostram que Mauro Cid, então ajudante de ordens do ex-presidente, estava buscando uma forma de retirar as peças de luxo da Receita Federal e entregá-las a Jair Bolsonaro.
O MPF aponta, em ofício enviado à Justiça em abril, que as conversas que Mauro Cid teve, nos dias 28 e 29 de dezembro de 2022, com outros funcionários tinham como objetivo garantir que as peças milionárias fossem apossadas por Jair.
Uma dessas conversas foi com o ex-chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência da República (GADH), Marcelo da Silva Vieira. O órgão é responsável por fazer a triagem do que vai para o acervo público e o que vai para o acervo privado do presidente.
Mauro Cid disse a Vieira que enviaria, “por meio eletrônico”, as informações, “inclusive o formulário de encaminhamento, e respectivas fotos, para que fossem tratados pelo GADH, pois o presente físico seria entregue ao seu titular”, que seria Jair Bolsonaro.
Para a procuradora Gabriela Hossri, isso configura “desvirtuamento do procedimento de análise do presente no seu setor, facilitando eventual incorporação privada do bem”.
É o próprio GADH que deve analisar e definir quais presentes devem ir para o acervo público e quais podem ser entregues para o presidente da República. A lei estabelece que o presidente só pode se apropriar de objetos de caráter “personalíssimo”, como roupas e outros objetos de pouco valor.
Para garantir que Bolsonaro recebesse o presente de R$ 16,5 milhões, Mauro Cid se adiantou a essa análise e queria entregar tudo pronto para o GADH. A procuradora diz que Marcelo Vieira teria concordado com essa ação ilegal, pois “o GADH receberia apenas os documentos com fotos do objeto”.
“Trata-se de processo que se iniciou com resultado definido, deixando hialina [transparente] a utilização do processo administrativo no âmbito do setor chefiado por Marcelo Vieira apenas como forma de legitimar a incorporação privada do bem”, continuou.
Marcelo Vieira está sendo investigado pelo caso. A PF pediu que entregasse seu celular, mas ele enviou somente capturas de tela de sua conversa com Mauro Cid. A Justiça liberou a apreensão do aparelho. Seu sigilo telemático também foi quebrado.
O PLANO
Mauro Cid organizou a ida de um funcionário da Ajudância de Ordens até Guarulhos, onde as peças foram retidas, para tentar a liberação.
Antes mesmo de ter a resposta, o ajudante de ordens de Bolsonaro já tinha dado início ao processo de incorporação das joias ao acervo pessoal de Jair. Como as joias não foram liberadas, o processo foi excluído.
Outro funcionário da Ajudância de Ordens, Cleiton Holzschuk, afirmou à PF que Mauro Cid lhe disse que as joias iriam para o acervo pessoal de Jair Bolsonaro, ao invés do acervo público.
Holzschuk contou que lhe “foi falado pelo tenente-coronel Cid [entre os dias 28 e 29 de dezembro] durante as conversas de WhatsApp relatadas que as joias iriam para o acervo pessoal do presidente da República”.
Ele chegou a pedir para outra funcionária que se adiantasse e produzisse os documentos necessários para a incorporação ao acervo pessoal de Bolsonaro.
A funcionária confirmou e disse que as joias milionárias seriam transferidas para “posse do presidente da República, como presidente pessoal e não institucional”.
PRESENTES
As joias foram enviadas para Jair Bolsonaro pela família real da Arábia Saudita após uma reunião com o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Quando chegou ao Brasil carregando milhões de reais em joias, disse à Receita que não tinha nada a declarar.
A Receita, no entanto, identificou o pacote com as joias de R$ 16,5 milhões que estava escondido na mochila de um assessor e realizou a apreensão.
Outro conjunto de joias, contendo um relógio, um par de abotoaduras, uma caneta, um anel e um masbaha (espécie de rosário), tudo da marca suíça Chopard, passou desapercebido e foi entregue para Jair Bolsonaro pessoalmente.
Bolsonaro teve que entregar as peças ao Estado brasileiro por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), uma vez que é ilegal o presidente da República receber presentes de luxo.