Para acoitar os bandidos houve pressão sobre a cúpula da PF para transferir o delegado Bruno Calandrini do setor de inquéritos especiais para a Divisão de Repressão a Crimes Cibernéticos
O escândalo da cobrança de propina no MEC por pastores ligados a Bolsonaro está colocando o Planalto cada vez mais no centro da crise. Além do telefonema do ex-ministro Milton Ribeiro para a filha, onde ele diz que Bolsonaro havia ligado, no dia 9 de junho, alertando-o sobre a operação da PF que ocorreria alguns dias depois, agora vem a público que a cúpula do órgão também tentou transferir o delegado responsável pela investigação do caso.
Segundo a coluna do jornalista Rodrigo Rangel, do Metrópoles, a transferência estava nos planos da direção da corporação até a última quinta-feira (23), um dia após a operação Acesso Pago, que prendeu o ex-ministro e pastores que intermediaram verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) mediante o recebimento de propinas, ter sido deflagrada. A cúpula da PF cogitou transferir o delegado Bruno Calandrini do setor de inquéritos especiais para a Divisão de Repressão a Crimes Cibernéticos
O delegado Bruno Callandrini, responsável pelas investigações sobre os esquemas de corrupção no Ministério da Educação, denunciou que estaria havendo interferências de superiores para “obstaculizar” a apuração dos crimes. Ele acrescentou que o ex-ministro Milton Ribeiro recebeu “honrarias não existentes na lei” quando esteve preso. Segundo o delegado, “a investigação envolvendo corrupção no MEC foi prejudicada em razão do tratamento diferenciado concedido pela PF ao investigado Milton Ribeiro”.
Na sexta-feira (24), o Ministério Público Federal corroborou as afirmações do delegado e viu indícios de que Jair Bolsonaro pode ter interferido na investigação. A parte do inquérito sobre este caso foi enviado para o Supremo Tribunal Federal (STF) em função do foro privilegiado do atual ocupante do Palácio do Planalto. O caso volta então para as mãos da ministra Cármen Lúcia que enviou o caso para a primeira instância depois que o ministro pediu exoneração do cargo.
O telefonema de Bolsonaro para o ex-ministro ocorreu no dia 9 de junho. Nesta data ele estava em Los Angeles participando da fracassada Cúpula das Américas. Estava junto dele nesta agenda o ministro da Justiça, Anderson Torres, a quem a direção da Polícia Federal está subordinada.
A chance de que tenha sido o ministro a vazar a operação é tão grande que ele se antecipou e jurou que não foi ele que passou a informação privilegiada a Bolsonaro. “Diante de tanta especulação sobre minha viagem com o Presidente Bolsonaro para os EUA, asseguro categoricamente que, em momento algum, tratamos de operações da PF. Absolutamente nada disso foi pauta de qualquer conversa nossa, na referida viagem”, afirmou o ministro da Justiça e Segurança Pública, em tuíte.
Os demais integrantes da comitiva de Bolsonaro não parecem mais ligados ao caso do que Anderson Torres. Estavam na comitiva o chanceler Carlos França, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga e o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, além do secretário de Assuntos Estratégicos, almirante Flávio Rocha. Qual destes poderia estar mais a par da deflagração da Operação do que Anderson Torres?
Ouça aqui a conversa de Ribeiro com sua filha em 9 de junho
Na ligação para a filha, Milton Ribeiro disse que Bolsonaro “acha que vão fazer uma busca e apreensão… em casa…”.
Milton: A única coisa meio… hoje o presidente me ligou… ele tá com um pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe? E que eu tenho mandado versículos pra ele, né? A filha alerta o ex-ministro de que está falando de um celular normal. Milton, então, muda de assunto e responde: “Ah, é? Então depois a gente se fala”.
Milton: A única coisa meio… hoje o presidente me ligou… ele tá com um pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe? E que eu tenho mandado versículos pra ele, né? A filha alerta o ex-ministro de que está falando de um celular normal. Milton, então, muda de assunto e responde: “Ah, é? Então depois a gente se fala”
A filha pergunta: “Ele quer que você pare de mandar mensagens?” Ministro responde: “Não! Não é isso… ele acha que vão fazer uma busca e apreensão… em casa… sabe… é… é muito triste. Bom! Isso pode acontecer, né? Se houver indícios, né?”
A filha pergunta: “Ele quer que você pare de mandar mensagens?” Ministro responde: “Não! Não é isso… ele acha que vão fazer uma busca e apreensão… em casa… sabe… é… é muito triste. Bom! Isso pode acontecer, né? Se houver indícios, né?”
A mulher de Ribeiro também foi grampeada e confirmou, no dia da prisão, que ele já estava sabendo. “No fundo não queria acreditar, mas ele tava sabendo. Pra ter rumores do alto, a coisa… é porque o negócio já tava certo”, disse em telefonema interceptado pela Polícia Federal.
“No fundo não queria acreditar, mas ele tava sabendo. Pra ter rumores do alto, a coisa… é porque o negócio já tava certo”, disse a mulher de Ribeiro em telefonema interceptado pela Polícia Federal
Conversa com uma pessoa identificada como Waldemiro:
MILTON RIBEIRO: Tudo caminhando, tudo caminhando. Agora… tem que aguardar né…. alguns assuntos tão sendo resolvidos pela misericórdia divina né…negócio da arma, resolveu… aquele… aquela mentira que eles falavam…que os ônibus estavam superfaturados no FNDE… pra… (ininteligível) também… agora vai faltar o assunto dos pastores, né? Mas eu acho assim, que o assunto dos pastores… é uma coisa que eu tenho receio um pouco é de… o processo… fazer aquele negócio de busca e apreensão, entendeu?
O delegado Bruno Calandrini afirmou que o ex-ministro da Educação “estava ciente da execução de busca e apreensão em sua residência”. “Nos chamou a atenção a preocupação e fala idêntica quase que decorada de Milton com Waldemiro e Adolfo e, sobretudo, a precisão da afirmação de Milton ao relatar à sua filha Juliana que seria alvo de busca e apreensão, informação supostamente obtida através de ligação recebida do Presidente da República”, disse Bruno Calandrini, delegado de Polícia Federal.
“Nos chamou a atenção a preocupação e fala idêntica quase que decorada de Milton com Waldemiro e Adolfo e, sobretudo, a precisão da afirmação de Milton ao relatar à sua filha Juliana que seria alvo de busca e apreensão, informação supostamente obtida através de ligação recebida do Presidente da República”, disse Bruno Calandrini, delegado de Polícia Federal
A oposição já obteve o número necessário para instalar uma CPI no Senado para investigar tanto o escândalo em si das propinas do MEC quanto a interferência criminosa de Jair Bolsonaro na investigação. Há, segundo especialistas, uma clara atuação com objetivo de obstruir a ação da Justiça por parte de Bolsonaro.
Para o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), “o áudio reforça a necessidade urgente de instauração da CPI do MEC. O Congresso e a Justiça não podem fechar os olhos para a realidade”, destacou. “Tentativas de interferências do presidente Jair Bolsonaro em investigações da Polícia Federal, infelizmente, é uma rotina ilegal que precisa ser interrompida. Só creio nisto, com uma mudança de governo!”, disse o senador Rogério Carvalho (PT-SE).
O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), além de liderar a instalação da CPI, protocolou na sexta-feira (24) uma notícia-crime no Supremo Tribunal Federal (STF), solicitando a abertura de inquérito para apurar a interferência de Jair Bolsonaro nas investigações da Polícia Federal sobre o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro. O caso envolveu Ribeiro e mais dois pastores, Gilmar Santos e Arilton Moura, que foram denunciados por prefeitos por exigirem propina em troca de liberação de verbas do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE).
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