Há 41 anos, no dia 6 de dezembro de 1976, falecia o presidente João Goulart, exilado na Argentina.
Foi o único presidente brasileiro, até hoje, a falecer fora de seu país – logo ele, que tanto amou a sua terra, e, em especial, o seu povo.
Já abordamos, aqui no HP, várias vezes, a obra de Jango, suas ideias e sua luta. Para a edição de hoje, escolhemos um de seus discursos menos conhecidos – ainda que a solenidade na qual foi proferido seja muito famosa.
No dia 11 de junho de 1962, o presidente Goulart realizava um dos sonhos e uma das principais propostas de Getúlio Vargas – a inauguração da Eletrobrás, que possibilitou a continuação do crescimento brasileiro por várias décadas.
Getúlio, a 31 de janeiro de 1954, denunciara a espoliação do Brasil pelas distribuidoras de energia elétrica estrangeiras (v. “Getúlio Vargas e seu programa de emancipação nacional”, HP 29/08/2014).
Sete meses depois, em sua Carta-Testamento, referiu-se à Eletrobrás, nos seguintes termos: “Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre”.
Não restam dúvidas sobre os motivos de Fernando Henrique, Dilma e Temer para tentar destruir a Eletrobrás: não querem que o trabalhador seja livre.
Seis anos depois de Getúlio escrever aquelas suas últimas palavras, Jango instalou a Eletrobrás – antes, ainda, de recuperar os plenos poderes de presidente, com o restabelecimento do presidencialismo, o que só aconteceria com o plebiscito de 6 de janeiro de 1963.
O discurso na instalação da Eletrobrás foi sobre o conjunto da situação política.
Hoje, que alguns, para fugir à punição pelos roubos que cometeram contra o dinheiro público e pelos atentados que perpetraram contra a obra de Getúlio e Jango – em especial a própria Eletrobrás – tentam esconder-se na sombra destes grandes homens, esse discurso, pelo que diz, pelo espírito que o anima, é altamente revelador, exatamente, de uma grandeza a que só os homens honrados, só aqueles que defendem e lutam por sua Nação, podem alcançar.
C.L.
JOÃO GOULART
Inserindo-se na linha de uma política esclarecida de emancipação e de desenvolvimento, a Eletrobrás, que está recebendo neste instante a sua autorização de marcha em direção ao seu grande destino, é mais um sonho — que se transforma em realidade — do gênio extraordinário e criador do Presidente Vargas, o inexcedível comandante, pioneiro de todas as grandes batalhas pela independência econômica de nossa pátria.
Enalteçamos, neste momento festivo, o patriotismo e a visão do estadista que a concebeu, como nosso fundamental instrumento de presença, de sistematização e de incentivo, no setor básico da energia.
Exaltemos também a compreensão e a coragem cívica de todos aqueles que, representantes do povo no Congresso Nacional, enfrentando derrotismo e deformações, deram a esta lei o fiat legislativo.
Louvemos a dedicação e a seriedade da equipe que lhe vem de proporcionar a estruturação institucional.
Antes e acima de tudo, manifestemos, nesta oportunidade, o nosso apreço à insuperável intuição, transformada em entusiasmo e espírito de combate, do povo brasileiro, representado por todas as suas camadas sociais, pelos humildes aos quais o sofrimento ainda não fez desesperar, pelos estudantes idealistas e combativos, pelos operários vigilantes e dinâmicos, pelos empresários progressistas e identificados com os reclamos da vida nacional, e pelas instituições brasileiras sadias e conscientes.
Quero também prestar a minha homenagem, que é de todo o povo brasileiro, ao grande batalhador das causas nacionalistas, o Deputado Gabriel Passos, a quem tanto deve este país pela luta extraordinária que vem realizando em todas as causas do seu desenvolvimento e do seu progresso, e que hoje transporta para a realidade, como Ministro das Minas e Energia, a lei que constitui esta empresa — uma das aspirações legítimas e mais sentidas do nosso povo e, também, um ponto integrante daquela mensagem nacionalista legada aos brasileiros pelo grande Presidente Getúlio Vargas. Ao congratular-me com o eminente Ministro, peço ao seu chefe de gabinete que seja testemunha desta homenagem junto ao grande brasileiro que, por motivos superiores, não pode aqui comparecer, como tenho a certeza de que o desejava, neste momento em que todo o Brasil comemora a instituição da Eletrobrás.
O essencial, agora, é convocar, para a formulação e execução dessa política, elementos categorizados, moral e tecnicamente, escolhidos especialmente entre aqueles que sentem o Brasil, que acreditam no Brasil e que jamais foram surdos ou cegos aos apelos e reclamos do povo.
Se este momento pudesse ter uma definição, um lema ou uma bandeira, eu me permitiria dizer aos brasileiros que é o momento de esquecer os direitos de cada um, individualmente considerados, para pensarmos apenas nos deveres e na maneira de esgotá-los em proveito da Nação.
Estamos, na verdade, atravessando uma fase difícil do processo de desenvolvimento, tanto vale dizer, do processo em que muitas transformações estruturais de nossa organização social e econômica se acham em curso. No panorama de uma sociedade, como a brasileira, em que a terra, o capital e o trabalho se encontram sob a pressão de problemas de crescimento, de criação de melhores níveis de vida, de atendimento de exigências materiais e culturais, relativas a uma população em rápida expansão, deparamos sinais incontestáveis de que uma grande obra de reforma se apresenta diante de nós, desafiando a capacidade dos governantes.
Sentindo os graves deveres que me pesam sobre os ombros, consciente das dificuldades do povo e do País, todo o meu esforço tem visado a congregar vontades no sentido de firmar uma política nacional à altura da situação que somos chamados a enfrentar. As responsabilidades pela formulação e execução dessa política cabem, em primeiro lugar, ao Gabinete e ao Congresso Nacional, mas, dentro de minhas atribuições, tudo envidarei para, correspondendo à confiança de um povo que sofre mas que ainda não perdeu as suas esperanças, contribuir até o extremo de minhas responsabilidades para que essa política nacional de organização do País e de superação de suas atuais dificuldades seja a realidade marcante destes dias.
É altamente meritório, depois da grave crise de agosto, o que conseguimos em termos de pacificação política, e sobretudo político-partidária, no País, inspirando a antigos adversários, pela consciência do dever maior, o imperativo da convivência e da cooperação e o desarmamento dos espíritos. Creio que seria injusto negar ao Conselho de Ministros, integrado por eminentes concidadãos, sob a chefia patriótica do Ministro Tancredo Neves, o testemunho do reconhecimento que lhe é devido pela tarefa que soube cumprir, na prática de um novo sistema, ainda desvinculado das tradições brasileiras.
Quero deixar inequivocamente expressas estas reflexões e julgo propício fazê-las no momento em que, terminada uma fase — a fase do apaziguamento da vida política nacional —, as suas forças responsáveis se preparam para a constituição de um novo gabinete ministerial.
O custo de vida, que continua a elevar-se, está impondo a todos, especialmente às camadas populares, pesados e difíceis sacrifícios. A inflação corrói orçamentos e também destrói esperanças. Uma ação corajosa, enérgica e imediata, impõe-se no sentido de providências que visem a estabilizar os preços e defender o valor do cruzeiro. Medidas concretas de estímulo à produção agrícola, principalmente a de gêneros alimentícios, são aguardadas por todos com impaciência.
Para a alimentação do povo e a estabilização dos preços, inclusive através de medidas de emergência, devem convergir o esforço e a clarividente atuação do Governo, como de todas as classes responsáveis deste país, interessadas pela paz social no Brasil.
Desgraçadamente, a especulação e o desejo imoderado de enriquecimento rápido agravam também, e fundamente, as condições do mercado. A febre dos grandes lucros, dos negócios em que a aventura, a ambição desmedida e o egoísmo anticristão assumem papel predominante, pode acarretar a desmoralização do sistema econômico diante de um povo que se sinta sofrido, desprotegido e espoliado.
Uma política em benefício do desenvolvimento e, acima de tudo, em defesa do povo terá de transcorrer numa atmosfera de austeridade, de eliminação de despesas supérfluas, de rigorosa e drástica aplicação dos dinheiros públicos. O esforço político das camadas dirigentes precisa inspirar confiança ao povo, confiança nos governantes, confiança nas instituições, mesmo porque este ambiente é indispensável à execução das reformas de base — agrária, administrativa, eleitoral, partidária, bancária e tributária — e à solução de problemas legais importantes, como a remessa de lucros para o exterior.
Tais reformas, todos sabem e todos sentem, não mais podem tardar. É claro que, diante deste temário de assuntos complexos, não podemos deixar de ter motivos para preocupações. Nunca, porém, motivos para desesperança e, principalmente, para imaginar que seja preciso sair dos quadros da legalidade democrática para resolvermos ou enfrentarmos esses graves problemas que preocupam o País e que afligem o povo brasileiro. Acentuo mesmo que, menos do que uma advertência, minhas palavras devem ser entendidas como um sincero e confiante apelo.
Temos de mostrar, pela ação, que a legalidade democrática permitirá ao País enfrentar e resolver os seus problemas básicos, pois essa legalidade impedirá, antes de tudo, a subjugação da vontade popular pelos processos da violência, da ameaça e das perseguições.
Não haverá política conveniente a um país se o povo dela não puder participar, ou se ele for oprimido e subjugado na sua vida e na sua liberdade.
Dentro das atribuições constitucionais, que tenho respeitado como imperativo de obediência à própria causa legalista que me conduziu ao posto para o qual o povo brasileiro me elegeu, não pouparei esforços no sentido de mantê-la e, acima de tudo, de fortalecer nossas instituições representativas e as liberdades públicas. Ameaças às instituições, partam de onde partirem, não nos atemorizarão, porque para defendê-las o País conta com apoio decidido e patriótico de todas as suas forças mais vivas e atuantes. Necessitamos, isto sim, abrir horizontes novos de esperança e de confiança, pois não podemos fechar os olhos ao quadro social em que vivemos e muito menos poderíamos tapar os ouvidos aos clamores populares.
Pelo exemplo, coloquei-me como fiador da legalidade democrática no País. Assim procedi, em função de minhas inabaláveis convicções e para ser fiel ao mandato que recebi do povo: nunca pela vontade de grupos revestidos de falso patriotismo. Mas pode estar tranquila a família brasileira, pode estar certa de que tudo faremos, sem medir sacrifícios de qualquer espécie, para que a ordem jamais seja substituída pela desordem, nem as liberdades pela violência ou pela opressão.
O ato que aqui nos reúne mostra que o Brasil, através das vicissitudes de sua evolução, está percorrendo o caminho de sua emancipação. E ao congratular-me com quantos colaboraram, direta ou indiretamente, para que pudéssemos celebrá-lo, quero convocar todos os brasileiros para uma identificação sincera com a linha de conduta fixada nestas palavras. Conclamo a todos para a luta pelo engrandecimento do Brasil, na lealdade aos sentimentos cristãos e democráticos do nosso povo e na crença de que somente dentro da ordem legal saberemos resolver os problemas que interessam à nossa pátria, para sermos dignos de homens como aquele que inspirou a Eletrobrás e que se sacrificou em defesa deste país e de sua libertação, e cujo exemplo deve continuar inspirando o Brasil, o povo e as classes trabalhadoras — o Presidente Getúlio Vargas.